Penal - processual penal - sequestro de bens decretado em um inquérito transferido para outro - presença dos requisitos do “fumus boni iuris“ e do “periculum in mora“ -indícios da prática delitiva - artigo 131, i do cpp - excesso de prazo caracterizado - princípio da razoabilidade - complexidade que não justifica o longo tempo transcorrido da data da constrição - recurso provido. 1.A empresa MS Grãos Ltda. estaria se utilizando da empresa Comercial Agrícola Mirassol Ltda. para burlar os fiscos federal e estadual, bem como honrar suas dívidas frente a credores diversos. 2.Por ocasião do julgamento da apelação criminal do processo nº2006.60.00.004169-6, consignou-se que o deferimento da medida cautelar não implica em prévio juízo condenatório e a transferência do seqüestro dos bens não é ilegal, até porque teve como objetivo melhor instruir a persecução penal em curso no âmbito daquele inquérito e para garantir a sua efetividade. 3.Asseverou-se, também, que não havia ilegalidade na decisão que, fundamentadamente, transferiu o seqüestro dos bens para o inquérito desmembrado, instaurado para a continuidade das investigações, até porque tal medida buscou privilegiar a efetividade dos atos persecutórios, em se tratando de procedimento que visa apurar a prática de crimes praticados por organização criminosa, no qual deve prevalecer a supremacia do interesse público sobre o interesse privado. 4.Por ocasião do julgamento da apelação criminal do processo nº2006.60.00.004169-6, consignou-se que o deferimento da medida cautelar não implicava em prévio juízo condenatório e tampouco importava em antecipado cumprimento de eventual pena a ser aplicada. Por cautela e para o interesse da ação penal, era necessário o bloqueio dos ativos financeiros pertencentes à empresa, visando o seu eventual perdimento, para reparação dos danos causados com a prática delituosa. 5. Embora a MS GRÃOS LTDA tenha deixado de ser considerada pelo Juízo de Campo Grande como uma das empresas periféricas ou satélites que circundavam a Campina Verde, da leitura dos documentos de fls. 81/90, tem-se que a empresa adotava semelhante expediente do grupo investigado naquela primeira ação: os sócios da empresa MS GRÃOS se valiam de ''laranjas'' para administrarem outras empresas, como a COMERCIAL AGRÍCOLA MIRASSOL. 6.Pelo que se deflui dos autos, apenas duas empresas seriam de fachada, a saber: AGRIPORÃ COMÉRCIO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS E COMERCIAL AGRÍCOLA MIRASSOL, de modo que os fatos aqui apurados não ostentam a magnitude daqueles articulados na Operação Campina Verde, com dezenas empresas-satélites envolvidas, em atividade em vários Estados. 7.De todo modo, os verdadeiros proprietários da empresa estariam se escudando de uma eventual responsabilização penal, em virtude de atos praticados no âmbito da COMERCIAL MIRASSOL, que se encontrava, inclusive, com sua inscrição cancelada. 8.E as informações oriundas dos autos 2004.60.02.002649-7, em trâmite perante a 3ª Vara Federal de Campo Grande, apenas foram encaminhadas para os autos do IPL 030/06, em 16/04/2008, conforme se vê de fls. 111/113. 9. Ademais, foram realizadas diligências que revelaram a utilização de laranjas no contrato social da empresa MIRASSOL, a revelar a possível prática de crime de falsidade ideológica, o qual, juntamente com a prática do crime contra a ordem tributária, permitiria a manutenção da constrição sobre os valores apreendidos. 10.O periculum in mora, decorrente da possibilidade de dilapidação desses valores se faz presente, sob a alegação de que a empresa MS GRAOS poderia constituir outras empresas para camuflar a sua real movimentação financeira. Todavia, nada consta nestes autos de concreto a demonstrar atuação nos moldes do que foi apurado na Operação Campina Verde, só se constatando que um empresário, de fato, se encontra administrando duas empresas (MS GRAOS e COMERCIAL AGRÍCOLA MIRASSOL), encontrando-se ainda sob investigação a empresa AGRIPORÃ. 11.A expressiva movimentação financeira da empresa COMERCIAL AGRÍCOLA MIRASSOL demonstra que podem ser criadas outras empresas, somente com esse capital. 12.De posse dos valores movimentados, ao longo daquele período, a empresa MS GRÃOS poderia constituir outras empresas, dificultando a recuperação desses valores, fruto de eventual crime praticado contra a ordem tributária e de falsidade ideológica. 13.Todavia, tendo como paradigma a situação descrita na Operação Campina Verde deflagrada pela Polícia Federal, não há notícias nestes autos de que foram constituídas outras empresas-satélites com o escopo de sonegar tributos estaduais e federais (a referência é apenas à AGRIPORÃ e à COMERCIAL AGRÍCOLA MIRASSOL). No entanto, essa possibilidade existe, como acima mencionado, mostrando-se acertada a decisão recorrida, eis que presentes os indícios da prática delitiva e o periculum in mora, como acima demonstrado. 14.Todavia, o excesso de prazo para a manutenção da constrição se evidencia, vez que passados mais de 04 (quatro) anos, sem que a denúncia tenha sido sequer oferecida. Embora esteja a decisão recorrida calcada nas “peculiaridades do caso concreto, o tipo de delito e o número expressivo de empresas e pessoas envolvidas“, tornando “delicada e complexa a colheita de provas“ (fls.116), não se demonstrou, nestes autos, que a empresa MS GRAOS teria efetivamente formado outras empresas de fachada (além das duas acima mencionadas), para dificultar a recuperação dos bens movimentados e as investigações. 15.No ofício de fls. 180 e 187, consta que houve a quebra do sigilo fiscal dos sócios e ex-sócios da MS GRÃOS e COMERCIAL AGRÍCOLA, além das empresas MS GRÃOS, COMERCIAL AGRÍCOLA MIRASSOL e AGRIPORÃ COMÉRCIO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS. Logo, vê-se que não existe um conglomerado de empresas criadas nos moldes do grupo liderado pela Campina Verde, voltada para a prática de ilícitos. 16.Houve, ainda, o deferimento de acesso aos dados cadastrais dos números (67) 3431-0366, (67) 3437-1298, (67) 9921-8602 e demais telefones em nome do sócio e das empresas COMERCIAL AGRÍCOLA MIRASSOL LTDA e MS GRÃOS COMÉRCIO E EXPORTAÇÃO LTDA, bem como aos extratos das ligações efetuadas e recebidas, telefones contatados e seus dados cadastrais, no período de 2003 e 2005. 17. Nada se colheu no sentido da complexidade das investigações, após a transferência do sequestro, a justificar o longo tempo transcorrido da data da constrição, não se podendo mais falar em aplicação do princípio da razoabilidade. 18.Recurso da defesa provido.Excesso de prazo caracterizado.
Rel. Des. Ramza Tartuce
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