Apelação Criminal Nº 0001179-42.2008.4.03.6119/sp

Apelação criminal - tráfico internacional de entorpecentes - estado de necessidade não comprovado - redução, de ofício, da pena-base - exclusão da circunstância atenuante da confissão - não incidência da causa de redução prevista no artigo 33, § 4º, da lei nº 11.343/06 - inaplicabilidade da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do código penal - redução, de ofício, do percentual decorrente da internacionalidade do tráfico e do número de dias-multa - impossibilidade de substituição por penas restritivas de direitos - apelação ministerial provida - apelação da defesa improvida. 1. Ré condenada pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo, dentro de um cilindro preso à sua cintura e no interior de 61 cápsulas por ela ingeridas, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 634,6g (seiscentos e trinta e quatro gramas e seis decigramas), peso líquido, de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar. 2. A defesa não logrou êxito em carrear aos autos nenhum elemento probatório da tese defensiva relativa ao estado de necessidade, sendo clara e cristalina a inverossimilhança da versão ofertada pela ré em interrogatório judicial. E ainda que houvesse a referida comprovação, tal fato não seria hábil para justificar a prática de um ilícito de tamanha gravidade (tráfico internacional de entorpecentes) e ilidir a responsabilização criminal, já que enveredar no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver agruras econômicas, ao contrário, revela desvio de caráter, cupidez insaciável e pobreza de valores morais e bons princípios. 3. Redução, de ofício, da pena-base, mas mantida acima do mínimo, atentando-se tão somente à natureza nefasta da droga apreendida (cocaína), bem como ao audacioso, doloroso e perigosíssimo método de ocultação, consistente na ingestão de cápsulas de cocaína, a demonstrar elevado grau de culpabilidade. 4. A confissão traduziu-se em admissão da autoria impossível de ser negada, diante da prova inequívoca do transporte da droga junto à cintura da ré e dentro de seu próprio organismo, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP. Além disso, JUDITE agregou à confissão tese defensiva consistente no não comprovado estado de necessidade. É irreconhecível a confissão espontânea na conduta do agente que admite conduta criminosa incontrovertível, mas no mesmo ato aduz causa excludente do injusto e da culpabilidade pela prática criminosa. 5. A pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior mediante promessa de recompensa, evidentemente integra organização criminosa de forma efetiva e relevante. Com efeito, a apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbida de receber a droga dentro de um cilindro e devidamente embalada em cápsulas do fornecedor, ocultá-la e transportá-la junto ao seu corpo e dentro de seu estômago, devendo entregá-la ao destinatário na África do Sul, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício previsto no § 4º do artigo 33 da atual lei de drogas, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma. Ademais, o modus operandi do transporte - ingestão de cápsulas contendo a droga - está a revelar a participação de outras pessoas na dinâmica criminosa, permitindo enxergar o pertencimento da ré a grupo criminoso. 6. Não há que se cogitar da aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, referente ao estado de necessidade exculpante, eis que não se afigura nada razoável, nem aceitável, expor a risco a saúde pública, bem jurídico tutelado pela norma penal, em prol da resolução do problema da ré referente à falta de recursos para retornar ao seu país, recordando que no caso dos autos a apelante sequer comprovou que foi vítima de crime de roubo. O conjunto probatório carreado aos autos conduz a inafastável ilação de que o motivo propulsor da atuação criminosa da apelante foi a obtenção de dinheiro fácil - receberia a quantia de U$ 1.500 (um mil e quinhentos dólares) pelo transporte da droga. 7. Redução, de ofício, do percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico ao mínimo legal, eis que a lei de drogas fala tão somente em “transnacionalidade“ do delito, sendo que o iter geográfico que a apelante tencionava percorrer não reflete um trajeto extraordinário que lhe exigiria maior esforço e grandes riscos. 8. Redução, de ofício, da pena pecuniária, em observância ao critério bifásico eleito no artigo 43 da Lei nº 11.343/06, mantido o valor unitário mínimo. 9. Incabível a substituição por pena alternativa em razão da quantidade de pena privativa de liberdade fixada, que excede o limite disposto no inciso I do artigo 44 do Código Penal. 10. Apelação ministerial provida. 11. Apelação da ré improvida.

Rel. Des. Johonsom Di Salvo

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