Penal - processual penal - apelação criminal - crime de coação no curso do processo - artigo 344 do código penal - absolvição por insuficiência de provas - princípio in dubio pro reo - decisão de primeiro grau mantida - recurso ministerial desprovido. 1. O acusado poderia ter motivos para ameaçar a testemunha, dada as disputas políticas e o jogo ferrenho de poder existente na cidade de Marília. 2. Entretanto, não foram colhidos elementos suficientes para um édito de condenação. 3. De acordo com o depoimento da testemunha, constata-se que as pressões e tentativas de extorsão ocorridas durante o período em que ela prestou depoimento na Polícia Federal, ou seja, por volta de março de 2006, se mostram vagas e imprecisas, não podendo ser consideradas. 4. O fato de a suposta vítima e testemunha de acusação ter recebido a ligação de seu desafeto, o acusado, não constitui prova cabal da grave ameaça, elementar do tipo do artigo 344 do Código Penal, já que, em nenhum momento, se obteve o inteiro teor dessa ligação telefônica. 5. As disputas políticas ensejaram inúmeros processos cíveis e criminais em face da testemunha, movidas pelo réu e por pessoas a ele ligadas, como o então prefeito de Marília, e outros, o que poderia levar a testemunha de acusação a revidar. 6. É certo que o réu já figurou como secretário municipal, na gestão daquele prefeito. 7. Também é certo que o réu já moveu queixa-crime em face da testemunha, que foi julgada procedente (fls. 342/356). 8. Ademais, um outro exemplo da existência de sérias rixas entre a pessoa do réu, do grupo político a que fazia parte e a testemunha de acusação, é o pedido de busca e apreensão no jornal da testemunha, tendo em vista que, às vésperas da eleição, publicar-se-ia matéria que tinha como manchete a informação de que o filho do ex-prefeito da cidade de Marília teria se tornado inelegível, sendo que, na realidade, o processo que ele respondia ainda se encontrava sub judice (fls. 428/439). 9. Constata-se, dos documentos juntados, que as críticas formuladas pela testemunha, em seu jornal, eram ferrenhas e endereçadas ao grupo liderado pelo ex-prefeito e pelo réu, pessoas influentes naquela cidade. 10. Os fatos veiculados nas notícias, outrossim, não eram comprovados nas demandas ajuizadas, a indicar que, muito provavelmente, a testemunha pretendia tão somente dar um caráter sensacionalista às informações, prejudicando o réu, por conta da inimizade que existia entre os dois. 11. No caso dos autos, o réu poderia, mesmo, ter visado causar mal injusto e grave à testemunha, em virtude desse cenário. Contudo, a testemunha também poderia ter querido prejudicar o réu, aproveitando-se da ligação efetuada. 12. E, a par da atual inimizade, o réu já foi pessoa muito próxima da testemunha de acusação, sendo, inclusive, seu padrinho de casamento. 13. Assim, a versão apresentada pelo acusado, no sentido de que um terceiro conhecido de ambos é que teria efetuado a ligação, na data dos fatos, não pode ser descartada de plano. Para situações como a descrita no presente processo, é necessário que se produza prova robusta da imputação. A mera versão apresentada pela testemunha, somada à constatação de que recebeu um telefonema proveniente de número de celular, cujo titular é a Prefeitura de Marília, não constitui elemento de prova bastante a fundamentar uma condenação. 14. O depoimento prestado por Eduardo Caetano, em Juízo, guarda relação de coerência com a declaração por ele anteriormente prestada. 15. E o interrogatório do acusado não conflita com as declarações prestadas por Eduardo Caetano. 16. Em síntese, a testemunha teria dito que a ameaça consistiu numa ligação telefônica, em que o réu teria dito a ele que “parasse de tecer crítica contra ele, o grupo e em especial contra o ex- Prefeito Camarinha“, “porque a sua situação vai se tornar pior“ (fl. 35). 17. A própria acusação formulada pela testemunha se mostra vaga e imprecisa. Considerando que os ataques e contra-ataques existentes entre eles não raro se materializam na esfera judicial, com demandas cíveis e criminais, a alegada ameaça poderia muito bem se consubstanciar em um novo processo contra a testemunha, que, por sua vez, em nenhum momento se calou, denunciar o réu seja pela via judicial, ou por meio da imprensa. 18. Nenhuma prova se produziu efetivamente no sentido de que houve ameaça à integridade física da testemunha ou de que a sua vida estava em risco. 19. Nenhuma ameaça de outro mal a testemunha, por parte do réu, se infere do exame dos autos, sendo certo, ainda, que a eventual propositura de ação judicial em face da testemunha, que se poderia cogitar caso ficasse provado que o acusado foi o autor da ligação, não configuraria ilícito penal, senão quando intentada com o dolo de prejudicar o demandado. Não há, pois, elementos de prova suficientes, de que houve promessa de mal injusto e grave à testemunha, como constou da denúncia. 20. Em homenagem ao princípio in dubio pro reo, a manutenção da sentença absolutória é medida de rigor. 21. Apelo ministerial desprovido.
Rel. Des. Ramza Tartuce
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