Penal - processual penal - crimes dos artigos 55 da lei ambiental e 2º caput da lei 8.176/91 - conflito aparente de normas - inexistência - tutela de bens jurídicos distintos - meio-ambiente e patrimônio exclusivo da união - transação penal pelo rito especial da lei 9.099/95 - impossibilidade - autoria e materialidade dos delitos comprovadas - desqualificação dos testemunhos dos policiais militares ambientais - inadmissibilidade - pena concretizada no julgado mantida um pouco acima do mínimo legal, em decorrência da agravante genérica prevista na lei ambiental, em face da motivação do crime - cupidez e obtenção de lucro - fundamentação mantida - preliminar rejeitada - recurso da defesa improvido - extinção da punibilidade ocorrência da prescrição pela prática do delito previsto no artigo 55 da lei 9.605/98, decretada de ofício. 1. A extração de recursos minerais, sem a devida autorização para exploração e sem licença ambiental ocasiona a incursão do agente no art. 2º, caput, da Lei 8.176/91 e no art. 55 da Lei 9.605/98, em concurso formal de crimes, não havendo conflito aparente de normas. 2. Impossível a aplicação do princípio da especialidade, considerando o artigo 55 da Lei Ambiental como dispositivo legal especial em relação ao artigo 2º da Lei nº 8.176/91, enquadrando a conduta eventualmente praticada pelo réu, ora apelante, apenas no artigo 55 da Lei 9.605/98, com a possibilidade de transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/95, como pretende a defesa, levando-se em conta que os bens jurídicos tutelados pelas normas mencionadas são diversos, não tendo de maneira alguma havido a derrogação da primeira norma (Lei 8.176/91) pela segunda (Lei 9.605/98). 3. Tanto esta Egrégia Corte Regional, como o Superior Tribunal de Justiça, vem se posicionando no sentido de que a extração de minerais configura caso de concurso formal entre os crimes do art. 55, caput, da Lei nº9.605/98 e o artigo 2º da Lei nº 8.176/91, sob o fundamento que tais leis tutelam bens jurídicos diversos, ou seja, meio-ambiente (Lei 9605/98) e patrimônio público (Lei 8.176/91), não se aplicando nesses casos o princípio da especialidade. Precedentes. 4. Configurado o concurso formal entre os crimes do art. 55, caput, da Lei 9.605/98 e o artigo 2º da Lei 8.176/91, nos termos do artigo 70 do Código Penal, a douta Juíza fixou a pena de 08 meses de detenção para o delito previsto no artigo 55 da Lei 9.605/98 (crime contra o meio-ambiente) e 01 ano e 6 meses de detenção para o delito previsto no artigo 2º da Lei 8.176/91 (crime contra o patrimônio da União), e, considerando que as penas não foram idênticas, aplicou a pena mais grave do delito previsto no artigo 2º da Lei 8.176/91 (01 ano e 6 meses de detenção), aumentando-a de um 1/6 (um sexto) em decorrência do concurso formal de crimes (artigo 70, primeira parte, do CP), restando a pena definitiva em 01 (um) ano e 09 (nove) meses de detenção, em regime aberto. 5. A Lei 9099/95 determina que compete aos Juizados Especiais Criminais o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo, tratando-se de competência absoluta em razão da matéria. E crimes de menor potencial ofensivo, segundo a Lei 9099/95, são aqueles cuja pena máxima cominada em abstrato não é superior a 02 anos. Cumpre ressaltar que as regras de conexão e continência, previstas no Código de Processo Penal, se aplicam aos Juizados Especiais Criminais. 6. No caso em apreço, o artigo 2º da Lei nº 8.176/91 prevê pena máxima abstrata superior a 02 anos (Pena - detenção, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa); no entanto, o artigo 55 da Lei Ambiental prevê pena máxima in abstrata inferior a 02 anos (Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa). 7. Porém, a redação em vigor do artigo 61 da Lei 9.099/95, que considera crimes de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena máxima abstrata não seja superior a 02 anos, entrou em vigor somente em 28 de junho de 2006, por meio da Lei 11.313/06. No entanto, os fatos delituosos descritos na denúncia ocorreram em 19.03.2003 (fl.03), data bem anterior à tal modificação legislativa. E a lei dessa época previa, no artigo 61 da Lei 9099/95, os crimes com pena máxima abstrata inferior a 01 ano para serem considerados como de menor potencial ofensivo. 8. Como cediço, as regras de ordem processual têm aplicação imediata e, em princípio, não retroagem, ao contrário do que ocorre com as regras de direito material, que sempre retroagem para favorecer o réu - inteligência do art. 2º do CPP, não sendo o caso de aplicação do procedimento especial da Lei 9.099/95 e, sim, do rito ordinário como foi adotado, possibilitando inclusive, o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa pelas partes. Preliminar rejeitada. 9. Ao explorar matéria-prima (argila) em área de preservação ambiental permanente pertencente à União, o réu extraiu e usurpou patrimônio público federal, sem autorização legal. Incorreu, portanto, nas práticas delitivas contidas na denúncia. 10. Materialidade delitiva demonstrada pelo Boletim de Ocorrência de fls. 11/13; pelo Auto de Infração Ambiental de fls. 14/15; pelo Auto de Exibição e Apreensão de fl. 16; pelo Auto de Depósito de uma máquina retroescavadeira, marca “Massey Fergusson“ que pertencia ao réu, de fl. 17; Vistoria em local relacionado com crime ambiental acompanhado de fotografias da área atingida, realizado por peritos criminais do Instituto de Criminalística de fls. 20/23, pelo Laudo de Vistoria acompanhado de fotos panorâmicas do local do delito, elaborado pelo Departamento Estadual de Proteção aos Recurso Naturais - DPRN, de fls.25/28, e por fim, pelas informações prestadas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral - DNMP, que informou ao Juízo que a empresa pertencente ao réu não possui autorização para extração de substância mineral (argila), sendo que houve pedido para autorizar sua extração (Processo Administrativo nº 820.138/92), porém, tal pedido ainda se encontra submetido à análise junto àquele órgão competente, de fl. 108 . 11. Quanto à autoria, consta dos autos que o réu, ora apelante, muito embora não seja o proprietário da área em apreço - “Fazenda Campo Alegre, recebeu a permissão dos proprietários para a pesquisa de argila (fl.204), e, posteriormente, o direito de permissão foi transferido à empresa “DEMACTAM -Depósito de Materiais para Construção, sendo que, no contrato social e posteriores alterações (fls. 530/547), consta que o apelante JOSÉ PEREIRA DA SILVA figurava como sócio-gerente dessa empresa que extraia recursos minerais em área de preservação ambiental permanente pertencente a União, sem a devida autorização legal. 12. Da mesma forma como ocorreu na fase extrajudicial, o apelante confessou a prática do delito em Juízo, afirmando que havia dado entrada no processo de autorização junto ao órgão competente (DNPN), admitindo que, na realidade, no momento em que se deu a fiscalização e a autuação levadas a cabo pela Polícia Militar Ambiental, não possuía autorização do órgão competente para a exploração de substâncias minerais, sendo que sua empresa a realizava mesmo assim. 13. A testemunha de acusação, o engenheiro agrônomo, Fernando Quaglua Paulini, confirmou em Juízo (fl.295), o laudo técnico que assinou - “Laudo de Vistoria“ - acompanhado de fotos panorâmicas da área atingida (fls. 26/28), feito para o Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais - DPRN, o qual confirma a extração de argila na área autuada pelos policiais militares ambientais, bem como a presença de grande porção de argila estocada próximo ao local vistoriado, com a supressão da vegetação natural. 14. As demais testemunhas de acusação (policiais militares ambientais), confirmaram em seus depoimentos a ocorrência do crime ambiental e a usurpação de recursos minerais (argila) pertencentes à União. E as testemunhas de defesa nada acrescentaram ao material probatório coligido aos autos (fls. 333/336; 337/339 e 340/342). 15. A autoria delitiva é certa, não havendo dúvidas de que a máquina retroescavadeira e os dois mil metros cúbicos de argila para cerâmica estocadas e apreendidos no local da infração pertenciam à empresa do réu, ora apelante, tanto é que ele mesmo assumiu e chamou para si a responsabilidade pelos bens apreendidos pela Polícia Ambiental, assinando o “Auto de Depósito“ (fl.17). 16. É o que basta para que se conclua que o delito foi perpetrado pelo réu, tendo sido a atividade de lavra praticada sem autorização legal, conforme ele mesmo confessou em seu interrogatório prestado em Juízo. 17. Tampouco merece crédito a alegação da defesa, de que os depoimentos dos policiais militares ambientais não devem servir de prova, pois foram prestados com o intuito de prejudicar o réu, até porque, na fase inquisitiva, foram colhidos no mesmo dia, sendo idênticos, a demonstrar serem depoimentos adrede preparados de tal maneira que não possuem valor probante, principalmente porque há divergência entre eles, no que diz respeito aos depoimentos prestados em Juízo. 18. Os depoimentos prestados pelos policiais não são imprestáveis e parciais, como alega a defesa do apelante, já que foram prestados em Juízo, sob compromisso, se apresentando consistentes e harmônicos com os prestados na fase inquisitiva, de modo que, diante do conjunto probatório coligido nos autos, não há nada que os desabone. 19. Não se vislumbra nos depoimentos prestados pelas testemunhas Valter Dias, Raulino Vicente e José Antônio Gazito qualquer intenção, ainda que velada, de prejudicar o réu, ora apelante. Durante a instrução criminal e quando da oitiva judicial dos policiais acima citados, o réu, ora apelante, esteve presente em audiência, acompanhado de seu defensor Márcio Antônio Vernaschi (fl.305), e não contraditou nenhuma das testemunhas acima referidas. 20. Assim, não merece ser acolhida a tese defensiva, uma vez que, no caso de depoimentos prestados por policiais, suas declarações reputam-se válidas, até porque são agentes do Estado e seus testemunhos gozam de fé pública e presunção de legitimidade (juris tantum), e somente deixariam de ser aceitos em Juízo diante de prova consistente e robusta em sentido contrário ou quando totalmente divorciados das demais provas coligidas nos autos, o que não ocorreu na espécie. Não há, inclusive, nenhum dispositivo no Código de Processo Penal que vede ou repute de menor valia os depoimentos prestados por agentes da polícia civil, militar ou federal. 21. Não colhe a alegação de parcialidade do testemunho dos policiais militares ambientais, já que a simples condição de policiais não interfere no valor de seu depoimento. Assim, todos os depoimentos prestados pelos policiais estão a merecer credibilidade, vez que reiterados, de forma harmônica, em juízo, estando em sintonia com os demais elementos de prova presentes nos autos. Precedentes da Excelsa Corte. 22. A defesa do apelante nada trouxe aos autos além de meras alegações, não havendo qualquer outro elemento de convicção que as corrobore. Pelo contrário, a responsabilidade do apelante pelos fatos delituosos descritos na denúncia está amplamente comprovada, restando patente que José Pereira da Silva cometeu os delitos de lavra ou extração de argila em área de preservação ambiental permanente (art. 55 da Lei Ambiental) e o de usurpação de matéria-prima (argila) pertencente à União, sem a competente autorização legal (art. 2º da Lei 8.176/91), em concurso formal, até porque, em nenhum momento ficou demonstrado que o réu, ora apelante, agiu de boa-fé, tendo ele plena consciência de que não possuía autorização legal do Departamento Nacional de Recursos Minerais - DNMP para a lavra de substância mineral, tendo, inclusive, apresentado junto a esse órgão pedido para extração de argila em nome da sua empresa, havendo, nos autos, informação da DNMP de que tal autorização não tinha ainda sido expedida, estando em fase de análise (fl. 108). Também não restou demonstrado haver inimizade ou interesse pessoal das testemunhas de acusação (os policiais militares ambientais José Antônio e Raulino Vicente e Valter Dias) em prejudicá-lo ou, ainda, que tivesse qualquer um desses policiais emitido juízo pessoal, tentando incriminar o apelante, sem se ater aos fatos, como invocado pela defesa. 23. Quanto ao motivo do crime, qual seja, a obtenção de vantagem econômica, o aumento da pena em face da agravante prevista no artigo 15, II, “a“, da Lei 9.605/98, encontra-se devidamente fundamentado e não merece ser revisto. Com efeito, ficou evidenciada a obtenção de vantagem econômica pelo fato de o apelante ter tentado a obtenção de licença para sua empresa com a finalidade de exploração econômica do minério (argila), para a fabricação de peças de cerâmica para a venda a clientes de sua empresa. O apelante empreendeu esforços e arcou com custos elevados com a contratação de empregados e compra de uma máquina retroescavadeira e com a utilização de caminhões para o transporte do minério, visando a exploração de argila no local denominado “Fazenda Campo Alegre“, tendo sido encontrada pelos policiais ambientais grande quantidade de argila estocada em depósito, próximo ao local das escavações, a denotar a sua intenção de comercializar o minério, não sendo crível supor que uma empresa comercial, como é o caso da empresa pertencente ao apelante, procedesse a extração e exploração de argila sem finalidades lucrativas. 24. Reconhecimento, de ofício, da prescrição da pretensão punitiva estatal no que se refere a conduta subsumida ao tipo do artigo 55 da Lei 9605/98, devendo ser decretada a extinção da punibilidade desse delito, haja vista a pena máxima de 08 (oito) meses de detenção cominada ao réu, prescreve em 02 (dois) anos, a teor do artigo 109, inciso VI do Código Penal, tal lapso temporal restou ultrapassado entre a data do recebimento da denúncia (02/12/2004) e a sentença condenatória (22/01/2007). 25. Permanece o direito de punir do Estado em relação ao crime previsto no artigo 2.º da Lei 8.176/91, restando a pena definitiva em 1(um) ano e 6 (seis) meses de detenção, regime aberto, além do pagamento de 50 (cinquenta) dias-multa, arbitrados no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, nos moldes estabelecidos na sentença condenatória, com a redução da prestação pecuniária para o valor equivalente a um salário mínimo e meio. 26. Recurso da defesa desprovido. De ofício, decretada a extinção da punibilidade pela prática do delito previsto no artigo 55 da Lei 9.605/98, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal nos termos do artigo 109, inciso VI, c.c. artigo 110, § 1o do Código Penal, mantida a condenação em relação ao delito previsto no artigo 2.º da Lei 8.176/91.
Rel. Des. Ramza Tartuce
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