RELATOR: DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS -
PROCESSO PENAL E PENAL. PRELIMINARES ARGUIDAS PELO ACUSADO - ANÁLISE DOS TEMAS A PARTIR DA DICÇÃO DO ART. 563 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO SUPORTADO PELO ACUSADO E/OU IMPROCEDÊNCIA MANIFESTA DAS ALEGAÇÕES DEFENSIVAS TECIDAS - PRELIMINARES INTEGRALMENTE REFUTADAS. CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS - ART. 33 C.C. ART. 40, I, AMBOS DA LEI Nº 11.343/2006 - MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS - MANUTENÇÃO DO ÉDITO PENAL CONDENATÓRIO FIRMADO EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO EM DETRIMENTO DO ACUSADO. DOSIMETRIA PENAL. PENA-BASE. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 40, I, DA LEI Nº 11.343/2006. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA ELENCADA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006.- O Código de Processo Penal, em seu art. 563, aduz que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, razão pela qual qualquer decretação de nulidade passa pela perquirição da sobrevinda de prejuízo àquele que foi prejudicado pelo ato impugnado sob o pálio do princípio pas de nullité sans grief. A jurisprudência de nossas C. Cortes Superiores, bem como deste E. Tribunal Regional, acolhe a dicção do preceito transcrito, fazendo coro à disposição do legislador no sentido de que qualquer nulidade somente será decretada caso efetivamente haja a comprovação do prejuízo daquele que a requer. Dentro de tal contexto, após analisar as diversas matérias preliminares invocadas em razões recursais, verifica-se a improcedência de todas as teses aventadas (exemplificativamente: cerceamento do direito de defesa, prova deferida de maneira ilegal ante o choque ao direito fundamental da intimidade e da vida privada, parcialidade da autoridade judicante, inépcia da denúncia, negativa de jurisdição e ausência de fundamentação em atos judiciais), seja em razão da impropriedade do raciocínio sustentado, seja porque a defesa não se desincumbiu do ônus de demonstrar a ocorrência de prejuízo concreto em detrimento do acusado.- A presente relação processual penal teve início por meio da prisão em flagrante delito do acusado, nos idos de 03 de março de 2017, quando tentava embarcar com destino a Joanesburgo (África do Sul) e, ulteriormente, a Namíbia, em voo operado pela Companhia Aérea South African Airways (SA 223), transportando e trazendo consigo 8.309g (oito mil, trezentos e nove gramas) de cocaína. Materialidade e autoria delitivas devidamente comprovadas, o que culmina na manutenção do édito penal condenatório firmado em 1º grau de jurisdição.- A teor do art. 42 da Lei nº 11.343/2006, o magistrado, quando da fixação da pena-base, observará, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. O C. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do ARE 666334 RG (Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 03/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-084 DIVULG 05-05-2014 PUBLIC 06-05-2014), de observância obrigatória porque decidido com base na repercussão geral da questão constitucional nele debatida (aplicando-se, por analogia, o comando insculpido no art. 927, III, do Código de Processo Civil), firmou entendimento no sentido de que as circunstâncias da natureza e da quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena (tese fixada). Adentrando ao caso dos autos, a quantidade e a qualidade do entorpecente apreendido (quais sejam, 8.309g - oito mil, trezentos e nove gramas - de cocaína) ensejam, de acordo com critérios jurisprudenciais prevalentes nesta E. Corte Regional, fixação da pena-base na casa de 06 anos e 08 meses de reclusão e de 666 dias-multa (incremento punitivo em 1/3).- A transnacionalidade do delito restou comprovada de maneira satisfatória desde a prisão em flagrante do acusado, perpassando pela fase de instrução processual (testemunhos colhidos sob o manto do devido processo legal), sem se descurar a apreensão da passagem (indicativa de destino internacional), sendo imperioso destacar que o caráter transnacional do delito não depende, necessariamente, de o próprio autor do tráfico ter transposto fronteiras estatais no curso de sua conduta, mas sim vínculo de internacionalidade que a envolva de maneira minimamente próxima. Como se sabe, consoante o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, faz-se necessário somente que a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciem a transnacionalidade do delito, e não que haja a efetiva transposição de fronteiras entre os países, para que se reconheça o caráter transnacional da conduta. Assim, se o transporte interno de drogas se dá em circunstâncias tais que demonstrem que se trata de um processo uno e iniciado no exterior (ainda que algumas pessoas tenham estritamente importado a droga, com breve armazenamento e subsequente distribuição dos carregamentos rumo a centros de consumo), ou a ele destinado, tem-se delito de caráter transnacional (mesmo que as etapas do processo cumpridas pelo réu se deem exclusivamente em solo pátrio). Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça.- A causa de diminuição de pena elencada no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, prevê a possibilidade de redução de 1/6 a 2/3 da reprimenda para o agente primário, possuidor de bons antecedentes, que não se dedique a atividades criminosas e não integre organização criminosa. No caso em tela, é fato que o acusado aderiu de modo eventual às atividades da organização criminosa com o objetivo de efetivar o crime de tráfico de drogas que estava em curso quando de sua prisão em flagrante, mesmo que se considere que sua participação estava adstrita ao transporte da substância entorpecente. A discussão concentra-se, então, se existem elementos que indiquem seu pertencimento à organização criminosa, ou seja, diferenciar se tal adesão se deu de maneira absolutamente pontual e específica, ou se, ao contrário, denota-se participação com vínculo mínimo de estabilidade, conhecimento a respeito da organização e pertencimento ao grupo criminoso.- O fato de ter aceitado prestar um serviço à organização criminosa, in casu, o transporte da droga, não significa, por si só, que o transportador seja um membro desta organização e, no caso concreto, não existem provas ou quaisquer indícios de efetivo pertencimento à organização criminosa. Desta feita, os elementos constantes dos autos dão conta de que o acusado pode ser classificado como "mula", pessoa contratada de maneira pontual com o objetivo único de efetuar o transporte de entorpecentes. Estas pessoas, via de regra, não possuem a propriedade da droga nem auferem lucro direto com a sua venda, não tendo maior adesão ou conhecimento profundo sobre as atividades da organização criminosa subjacente, limitando-se a transportar drogas a um determinado destino. Em vista desses fundamentos, mostra-se cabível, no caso concreto, a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, que deve, entretanto, ser fixada no mínimo legal, ou seja, 1/6, e não na fração máxima prevista no dispositivo (2/3), nitidamente reservada para casos menos graves, a depender da intensidade do auxílio prestado pelo réu.- Pena final estabelecida em 06 anos, 05 meses e 23 dias de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto, e em 647 dias-multa (cada qual no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos devidamente atualizado).- Dado parcial provimento ao recurso de Apelação interposto pelo acusado STHARLLYN MARINHO DAMASCENO (apenas para ajustar sua pena-base, aplicar o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, e adequar o regime inicial de cumprimento de pena).
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