Apelação criminal. Tráfico internacional de entorpecentes. Preliminar de nulidade por não observância do art. 400 do código de processo penal. Afastada. Direito de recorrer em liberdade. Prejudicado. Estado de necessidade exculpante. Não configurado. Dosimetria da pena. Pena-base. Majorada em menor proporção. Aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da lei n. 11.343/06 no percentual mínimo legal. Regime inicial de cumprimento de pena. Alterado para o semiaberto. Exclusão da pena de multa. Impossibilidade. Substituição da pena privativa de liberdade. Requisitos não preenchidos. Recurso da defesa parcialmente provido. Recurso do ministério público federal desprovido. I - Em estrita observância ao princípio da especialidade, existindo procedimento próprio para a apuração do delito cometido pelo apelante - tráfico de substância entorpecente -, afastam-se as regras do procedimento comum ordinário previstas no Código de Processo Penal, cuja aplicação pressupõe, por certo, a ausência de regramento específico para a hipótese. Nulidade afastada. II - Prejudicado o pedido de concessão do direito de recorrer em liberdade, em razão do julgamento do presente recurso. III - A materialidade do delito restou demonstrada pelo auto de apresentação e apreensão, pelo laudo preliminar de constatação e pelo laudo de exame de substância definitivo, os quais atestam que a substância apreendida, por ocasião do flagrante, trata-se de cocaína. IV - A perícia técnica limita-se a pequena quantidade extraída de seu total pela simples inviabilidade de se remeter todo o produto ilícito para exame. Essa exigência inevitavelmente comprometeria a razoável duração do processo, uma vez que a perícia completa da substância apreendida naturalmente demandaria tempo considerável para conclusão, sendo certo que, encontrado o produto da perícia nas mesmas circunstâncias do restante, com idênticas características de odor e aspecto, razão não há para questionamento. V - A autoria e o dolo restaram claros e demonstrados. Claire foi presa em flagrante, no dia 9 e março de 2012, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando estava prestes a embarcar para Doha/Qatar, no voo QR922 da empresa aérea QATAR, trazendo consigo 9.604g (nove mil, seiscentos e quatro gramas - massa líquida) de cocaína. VI - O “estado de necessidade exculpante“, defendido pela teoria diferenciadora e de divergente aceitação doutrinária e jurisprudencial, é fundamentado na inexigibilidade de conduta diversa, requisito sem o qual inexiste culpabilidade. Seus adeptos pregam que se for sacrificado um bem de valor maior ao preservado, deve ser analisado o perfil subjetivo do agente e perquirido se diante de seus atributos pessoais era possível ou não lhe exigir conduta diversa da perpetrada. Em caso negativo, exclui-se a culpabilidade com base no estado de necessidade exculpante. Se, no entanto, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste a punição do crime, podendo o magistrado reduzir a pena. Contudo, nosso ordenamento jurídico adotou a teoria unitária, e assim, ou se trata de causa excludente da ilicitude ou de causa de diminuição de pena. E ainda que assim não fosse, melhor sorte não restaria à defesa, tendo em vista que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência da apelante. VII - A apelante é primária, não registra antecedentes, e as circunstâncias do art. 59 do Código Penal não lhe são desfavoráveis, entretanto, em decorrência da quantidade (9.604g) e qualidade (cocaína) da droga apreendida, entendo, nos termos do art. 42 da Lei n.º 11.343/06, que a pena-base do delito deve ser majorada em menor proporção, ou seja, em 1/3 (um terço). O fato de já ter o apelante idade suficiente para entender o caráter ilícito da conduta deve ser levado em conta no momento da aferição de sua imputabilidade, e não para majorar a pena-base. A busca do lucro fácil é elemento inerente ao próprio tipo penal do delito de tráfico, razão pela qual não pode ser valorada negativamente no momento da aplicação da pena-base. O risco de dano à sociedade é indissociável do próprio resultado do crime de tráfico de entorpecentes, já ponderado pelo legislador quando da cominação da pena em abstrato, constituindo, portanto, circunstância indissociável ao tipo penal em exame. VIII - Não merece acolhida a tese da defesa no sentido de que a causa de aumento, decorrente da internacionalidade do delito, já é elemento do tipo, na modalidade “exportar“ e, portanto, não pode ser considerado novamente para fins de majoração da pena, na terceira fase da dosimetria da pena, sob pena de se configurar o bis in idem. Isso porque o legislador, em observância aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, distinguiu o tráfico realizado dentro do território nacional, entre Municípios ou Estados, e aquele que ocorre entre diferentes países, pretendendo, desta forma, punir mais severamente este último, já que afeta o interesse de mais de um país. IX - Claire Elizbeth Gordon é primária e não ostenta maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedica a atividades criminosa, nem elementos para concluir que integra organização criminosa, apesar de encarregada do transporte da droga. Ademais, caberia à acusação fazer tal comprovação, o que não ocorreu no caso dos autos. Certamente, estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele. Sendo assim, faz jus à aplicação da causa de redução de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), devido às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto em que a ré transportava 9.604g de cocaína ocultos dentro de sutiãs, escondidos dentro de duas sacolas, quando estava prestes a embarcar para Doha/Qatar. X - Considerando que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, deve ser fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, “b“, do Código Penal. XI - O pleito da defesa, concernente à exclusão da pena de multa, é totalmente descabido. Isso porque se o apelante foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 33 da Lei n.º 11.343/06, deve incidir nas penas nele cominadas, quais sejam, pena privativa de liberdade, cumulativamente, com a pena de multa. Trata-se, portanto, de elemento inerente ao tipo penal que não pode deixar de ser aplicado pelo magistrado em razão de eventual estado de miserabilidade do acusado. XII - Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos do art. 44 do Código penal, porquanto a pena privativa de liberdade aplicada supera 4 (quatro) anos de reclusão. XIII - Preliminar rejeitada. Recurso do Ministério Público Federal desprovido. Recurso da defesa parcialmente provido para, para, majorando a pena-base em menor proporção, bem como aplicando a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), fixar a pena definitiva em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 629 (seiscentos e vinte e nove) dias-multa.
Rel. Des. José Lunardelli
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