Penal - processual penal - tentativa de estelionato praticado contra a previdência social - artigo 171, parágrafo 3º do cp - autoria e materialidade do delito comprovadas - recurso da defesa do réu a que se nega provimento - recurso do mpf parcialmente provido - decisão parcialmente reformada. 1. A materialidade e autoria delitivas restaram comprovadas por meio do procedimento administrativo instaurado para elucidar a tentativa de fraude no requerimento do benefício previdenciário da segurada Celestina Júlia de Souza, instaurado pela Auditoria Estadual do INSS - MS, e a farta prova documental que o acompanha (fls. 16/69), em especial pelo requerimento de aposentadoria por idade do rurícola ao INSS em favor da beneficiária Celestina Júlia de Souza (fl. 18), em que não houve comprovação do exercício de atividade rural, até porque o pedido foi instruído com documentação ideologicamente falsa, conforme comprovam a declaração de exercício de atividade rural emitida por Geraldo Pedro da Silva (fl.19), contrato particular de arrendamento de imóvel rural celebrado entre a beneficiária Celestina e Pedro Gomes de Souza datado de 1995, quando, na realidade, foi firmado em 1998 (fl.20 e verso), as notas fiscais emitidas pelas empresas “Merco Sul Cereais“, “Bela Vista Cereais“, “Cerealista Campos Novos Ltda“ e “Cerealista Agrícola Katamana Ltda“ com datas de emissão em 1989, 1991,1993,1994,1996 e 1997 (fls. 23/27 e 43/48), tendo a Agência Fazendária de Sete Quedas/MS, informado que essas mesmas empresas tiveram suas atividades canceladas antes da sua emissão(fls.40/42), o que foi constatado pelo INSS em visita in loco (Solicitações de Pesquisas de fls. 52/54 e 63), bem como pela confissão do próprio réu, ora apelante, que em seu interrogatório prestado em sede inquisitorial (fls. 108/111) assumiu que efetivamente forneceu notas fiscais “frias“ para que diversas pessoas dela se utilizassem para requerimento de benefícios previdenciários de aposentadoria rural. 2. É bem verdade que o apelante tentou se eximir quanto a sua inquestionável responsabilidade penal, alterando a sua versão oferecida anteriormente, negando a falsidade das notas fiscais fornecidas ou preenchidas por ele, dando uma nova versão em Juízo, no sentido de que: “nunca forneceu notas ideologicamente falsas para que pessoas instruíssem requerimento de benefício junto ao INSS. Nunca preencheu notas falsas de outras empresas com a mesma finalidade“ (fls.275/276). Porém, esta sua nova versão exculpatória restou isolada no conjunto probatório e destoa de toda a prova coligida nos autos, sendo certo que a versão prestada em sede inquisitiva foi totalmente corroborada pelas demais provas coligidas, principalmente a documental, como acima já se aludiu, a atestar que, efetivamente, o réu colaborou com a instrução do pedido de aposentadoria por idade de trabalhadora rural, fornecendo notas fiscais de suposta comercialização (compra e venda) de produtos de origem agrícola (algodão, milho e feijão) com as empresas “Merco Sul Cereais“, “Bela Vista Cereais“, “Cerealista Agrícola Katamana Ltda“ e “Cerealista Campos Novos Ltda“ que atuavam nesse ramo de atividade (fls.23/27 e 43/48), respondendo o réu, inclusive, a outras ações penais perante a Justiça Federal pelo mesmo fato de que aqui se trata (fls.392/396,398/402), ou seja, emissão de notas fiscais “frias“ de diversas empresas agrícolas utilizadas pelo réu Andrej, ora apelante, sem correspondência com a realidade, preparadas, tão somente, para propiciar a fraude contra o INSS, visando a comprovação de prestação de serviços na área rural para fins de aposentadoria por idade em favor de seus “clientes“, só não alcançando a concessão e pagamento dos benefícios indevidos, em virtude da detida análise da auditoria do órgão previdenciário, que detectou a presença de fraude. 3. Ainda, a corroborar a evidente responsabilidade penal do réu, pela falsificação dos documentos que instruíram o pedido de aposentadoria de rurícola, veja-se o que constou do depoimento da própria beneficiária do fraudulento pedido de aposentadoria por idade rural, nos presentes autos, Celestina, também na fase extrajudicial. Ouvida perante a autoridade policial (fls. 72/73), ela confirmou que quem lhe forneceu as notas fiscais inautênticas de compra e venda de cereais para que ela as utilizasse para fins de comprovação junto ao INSS de efetiva atividade rural, foi o acusado Andrej. 4. Assim, ao contrário do que alega a defesa, há provas nos autos que atestam com segurança a ativa participação de Andrej na prática delitiva, tendo ele plena consciência dos atos delituosos praticados no requerimento de pedido de benefício previdenciário, pois, por meio de talonários antigos de notas fiscais que o apelante ainda mantinha em seu poder da empresa “R & M Beneficiamento de Arroz Ltda“, empresa esta que lhe pertencia, bem como, das empresas “Merco Sul Cereais“, “Bela Vista Cereais“, “Cerealista Agrícola Katamana Ltda“ e “Cerealista Campos Novos Ltda“, forneceu notas fiscais “frias“ a terceiros, em especial, para a beneficiária Celestina Júlia, para serem utilizadas em pedido de benefício previdenciário de aposentadoria por idade de trabalhador rural para comprovação de exercício no serviço rurícola, na realidade inexistente. 5. A reforçar a confissão do réu Andrej, de que fornecia notas fiscais “frias“ aos agricultores para embasar pedido de aposentadoria do rurícola, encontra-se o Relatório conclusivo da Equipe de Auditoria Administrativa Estadual do INSS do Mato Grosso do Sul que, após a apuração e levantamento dos processos administrativos de pedidos previdenciários de aposentadoria por idade de trabalhadores rurais com suspeitas de fraude, chegou a conclusão de que houve tentativa de fraude no pedido de benefício previdenciário de aposentadoria requerido pela beneficiária Celestina Júlia de Souza, tendo ela utilizado documentos ideologicamente falsos para comprovar tempo de exercício em atividade rural, na realidade inexistente, razão pela qual seu pedido de aposentadoria não foi concedido pela Autarquia Previdenciária. 6. Não há dúvidas de que o apelante Andrej, com o auxílio ou não do presidente do Sindicato Rural de Paranhos/MS, Geraldo Pedro da Silva, lançou as declarações falsas constantes das notas fiscais emitidas por empresas que não mais existiam, com o intuito de obter meios de fraudar a já combalida Previdência Social, para favorecer a pessoa de Celestina Júlia de Souza, que pleiteou indevidamente o benefício previdenciário de aposentadoria rural. 7. Ressalte-se que o crime de estelionato só não restou consumado por circunstância alheia a vontade do agente, qual seja, a constatação de fraude no emprego das notas fiscais para comprovar exercício de atividade rural, descoberta pelo eficiente trabalho da equipe de Auditoria Administrativa Estadual do INSS de Mato Grosso do Sul. 8. A farta prova documental anexada aos autos trazida pelo procedimento administrativo instaurado para elucidar a tentativa de fraude no requerimento do benefício previdenciário, aliada ao depoimento da própria beneficiária do pedido, ao ofício da Agência Fazendária de Sete Quedas/MS, informando que as empresas que emitiram as notas fiscais exibidas pela requerente ao INSS tiveram suas atividades canceladas antes da sua emissão (fls.40/42), e ainda, ao Relatório final da Auditoria Estadual do INSS (fls.65/68), bem como à confissão do réu na fase inquisitiva (fls.108/111), dão suporte à sentença condenatória proferida, não assistindo razão a defesa, quando alega que não existem provas suficientes para a decretação de um édito condenatório. 9. A defesa do réu insurge-se, alternativamente, em caso de confirmação da condenação, quanto as penas restritivas de direitos aplicadas pelo juiz, requerendo que lhe seja aplicada apenas uma pena substitutiva da privativa de liberdade, qual seja, a pena pecuniária, excluindo a pena alternativa de prestação de serviços à comunidade. 10. Observa-se que a exclusão da pena restritiva de direitos aplicada, consistente em prestação de serviços à comunidade, na forma pretendida pelo apelante, não encontra respaldo legal, haja vista que o artigo 44, §2º do Código Penal, prevê que a pena privativa de liberdade superior a 01 ano será substituída por duas penas restritivas de direito ou uma pena restritiva de direitos e multa. 11. Poderia, até, o apelante pretender a redução da pena pecuniária imposta ou sua substituição por duas penas de prestação de serviços à comunidade, mas jamais a exclusão desta última, com o cumprimento de apenas uma pena restritiva de direitos consistente em prestação pecuniária, que seria cabível se a pena cominada fosse igual ou inferior a 1 ano, que não é o caso dos autos, até porque a pena fixada pelo juiz montou em 01 (um) ano, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão (fl.460). 12. Observa-se, ainda, que o cumprimento de pena alternativa, tal como pretendido pela defesa, acarretaria a ocorrência de impunidade, com o esvaziamento da reprimenda penal. 13. Não houve qualquer violação à lei federal (art. 386, VII, do CPP), pois as provas coligidas nos autos foram suficientes para a formação da livre convicção motivada do juiz, tanto que fundamentou adequadamente a sua sentença. 14. Verifica-se dos autos que restou provado que o apelante tinha pleno conhecimento da falsidade da documentação (notas fiscais espúrias) que fornece para instruir o pedido de aposentadoria por idade de rurícola em benefício da requerente Celestina Júlia de Souza. O que ocorreu de fato é que a ação delituosa do apelante percorreu todo o iter criminis, só não se consumando por circunstâncias alheias a sua vontade, ou seja, houve atuação eficaz da auditoria interna do próprio INSS que, ao desconfiar dos documentos exibidos, certificou-se de sua inautenticidade, indeferindo o pedido de concessão do benefício, restando configurada a tentativa de estelionato, que se subsume perfeitamente a tipificação legal do artigo 171, § 3º, combinado com a norma extensiva do artigo 14, II (tentativa), ambos do Código Penal. O apelante adentrou a fase executória do crime, não tendo este se concretizado, como já dito, por circunstâncias alheias a sua vontade. 15. No que tange a pretensão ministerial de majorar a pena-base aplicada ao réu, é preciso analisar as circunstâncias judiciais para a sua fixação. 16. De fato, o apelado Andrej apresenta personalidade e conduta social desabonadoras. Muito embora sua folha de antecedentes criminais (fls.181/223 e 392/402) demonstre que ele responde a diversos crimes de estelionato previdenciário, como o que está sendo imputado a ele nestes autos, além de outros delitos, como uso de documento falso, apropriação indébita previdenciária, falsidade ideológica, porte de arma de fogo e descaminho, tais registros não podem ser levados em conta para a exacerbação da pena base, porque ainda não houve condenação nesses processos. Todavia, ele demonstrou, nestes autos, ambição desmedida e oportunismo, pois se aproveitou de sua condição de cerealista, de proprietário de uma empresa no ramo agrícola - R & M Beneficiamento de Arroz Ltda“ e do relacionamento que travava com os campesinos, na sua esmagadora maioria, pessoas simples, iletradas e batalhadoras do campo, todas elas dependentes da previdência social, que sofrem com a dura e extenuante realidade da luta diária na lavoura, para se aproveitar, fornecendo a terceira pessoa que não era trabalhadora do campo, provavelmente mediante paga, notas fiscais com conteúdo ideologicamente falso, para instruir pedido de aposentadoria por idade do rurícola. Trata-se, pois, de pessoa inescrupulosa e egoísta, capaz de enganar pessoas simples para tirar proveito próprio, fraudando o ente previdenciário. 17. Esse comportamento reprovável só não ocasionou danosas conseqüências financeiras aos já combalidos cofres públicos, devida a atuação eficaz e competente da auditoria do INSS, que detectou e evitou a fraude aos cofres da previdência. A atitude do réu demonstra cupidez e descaso para com o ordenamento jurídico, próprio de uma personalidade arrogante e refratária às regras básicas do convívio social, a exigir aplicação mais efetiva da reprimenda estatal prevista na norma penal por ele violada. 18. Desta forma, pode-se afirmar que a pena-base deve ser estabelecida em patamar acima do mínimo legal, suficiente à reprimenda do injusto. 19. Destarte, há circunstâncias judiciais desfavoráveis que pesam em desfavor do réu e que obrigam a exasperação da pena-base em patamar acima do que foi fixado pelo Juízo de primeiro grau (artigo 59 do Código Penal). 20. Ressalta-se, no que tange as conseqüências do crime, que o delito de estelionato foi praticado contra a Autarquia Previdenciária, que é a responsável pela sobrevivência de milhões de brasileiros, só não tendo havido prejuízo aos cofres da previdência social por circunstâncias alheias a vontade do apelado. Por tais motivos, eleva-se a pena-base fixada para o acusado para 3 anos e 6 meses de reclusão, com o pagamento de 30 (trinta) dias-multa, tal como fixada em primeiro grau. 21. Atentando aos critérios norteadores do art. 68 do Código Penal, e reconhecendo a circunstância atenuante decorrente da confissão prestada em sede policial, reconhecida em primeiro grau,não atendendo ao apelo ministerial neste ponto, mantém-se o patamar de redução para 1/6 (um sexto), pelo fato de ter o apelante assumido claramente a responsabilidade pelo cometimento do delito, na fase do inquérito, tendo tal confissão servido de base para a condenação, do que decorre a pena de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, mais o pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa. 22. Em seguida, deve ser aplicada a qualificadora prevista no § 3º do artigo 171 do Código Penal, em razão de a vítima do delito por ele perpetrado ser entidade de direito público, impondo-se, por consequência, o aumento de 1/3 (um terço) sobre a pena já assentada, fixando-se, então, a pena privativa de liberdade em 03 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida no regime aberto, e mais o pagamento de 33 (trinta e três) dias-multa. 23. Observa-se que o delito não passou de sua forma tentada, motivo pelo qual se impõe a redução prevista no artigo 14, inciso II, parágrafo único do Código Penal, no percentual de 1/3 (terço), considerando que quase todas as elementares do tipo penal foram realizadas pelo acusado, o que resulta na pena de 2 (dois) anos, 07 (sete) meses e 03 (três) dias de reclusão, além do pagamento de 22 (vinte e dois) dias-multa, fixada no valor unitário mínimo legal. 24. Assim com a redução do patamar ora fixado (1/3), em decorrência da tentativa, torna-se definitiva a reprimenda penal em 02 (dois) anos, 07 meses e 03 dias de reclusão, mais o pagamento de 22 (vinte e dois) dias-multa. 25. Uma vez confirmada a sentença condenatória e a correta dosagem na aplicação da dosimetria da pena, cumpre avaliar a fixação do regime imposto ao réu Andrej Mendonça, contra o qual se insurgiu o Parquet Federal. 26. E verifica-se que o juiz determinou que o cumprimento da pena imposta deve iniciar-se no regime aberto, em razão das circunstâncias judiciais do delito, examinadas, na forma do artigo 44, incisos e §§ do Código Penal, concedendo ao réu a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, uma vez que o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça, tendo sido a pena fixada em patamar não superior a 4 (quatro) anos, atendendo ao disposto no inciso I do artigo 44, do Código Penal. 27. O regime de cumprimento da pena, fixado pelo Magistrado “a quo“, retribui de forma adequada a ofensa ao bem jurídico tutelado, bem como possibilita, de forma mais apropriada, a ressocialização do acusado, atendendo, desse modo, aos objetivos da sanção penal. 28. Mantido o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade como o aberto, nos termos do inciso III, do artigo 44 do Código Penal, uma vez que, mesmo com o redimensionamento da pena fixada em primeiro grau, restou fixada em montante inferior a 04 (quatro) anos, não tendo o delito sido cometido com utilização de violência ou grave ameaça e, por outro lado, não sendo o réu reincidente e, como já afirmado, estando as circunstâncias previstas no artigo 44, inciso III do Código Penal a indicar que a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos será suficiente para a reprovação da conduta. 29. Mantida a substituição da pena privativa de liberdade acima fixada por duas penas restritivas de direitos, ou seja, prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo e prestação pecuniária, tal como consignado na sentença (fls.455/462), sem prejuízo da pena de multa acima fixada. 30. Por fim, é preciso fazer a análise da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, tendo em vista o redimensionamento da pena aplicada em primeiro grau em relação ao apelado ANDREJ MENDONÇA. 31. E, levando em conta a pena concretamente aplicada, verifica-se que não houve a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação a conduta perpetrada pelo apelado. 32. A sanção corporal, para efeitos de prescrição, resta fixada em 02 (dois) anos, 07 meses e 03 dias de reclusão. Tal pena implica em prazo de 08 (oito) anos para a ocorrência da prescrição, consoante determina o artigo 109, IV, do Código Penal. 33. Ora, conforme consta dos autos, o pedido de aposentadoria rural em favor da beneficiária Celestina Júlia de Souza instruído com documentos falsos se deu em 07/05/98 (fl.18). De outro lado, a peça acusatória foi recebida pelo MM. Juiz de primeiro grau em 03/03/05 (fl.142). 34. Portanto, não tendo decorrido mais de 08 (oito) anos entre a data dos fatos (07/05/98) e a data do recebimento da denúncia (03/03/2005), primeira causa interruptiva da prescrição, bem como desta data até a publicação da sentença condenatória (28/03/08), conclui-se que o fato delituoso não foi atingido pelo fenômeno prescricional, subsistindo, em favor do Estado, o direito de punir. 35. Recurso da defesa desprovido. Recurso ministerial parcialmente provido.
Rel. Des. Ramza Tartuce
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