Apelação Criminal Nº 0001979-50.2006.4.03.6116/sp

Penal - processual penal - estelionato contra a previdência social - tentativa - artigos 171, §3º c.c. O artigo 14, ii, do código penal - uso de documento falso - artigo 304 do cp - fotocópia simples de certidão de casamento utilizada em processo judicial - meio idôneo para a prática de estelionato - materialidade, autoria e dolo comprovados - recurso ministerial provido. 1. A materialidade e a autoria delitivas restaram comprovadas pela cópia da petição inicial, em que Aparecido de Oliveira, advogado, com procuração ad judicia acostou aos autos, patrocinou os interesses de Roseli Pereira Batista, em ação ordinária de concessão de benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez em face do INSS, na condição de “trabalhadora rural“, instruindo o pedido com cópia da certidão de casamento da requerente, na qual consta a profissão do cônjuge dela como “lavrador“, quando, na verdade, ele ali constava como pedreiro, conforme certidão original do Cartório de Registro Civil. 2. A robusta e harmônica prova testemunhal, sobretudo os depoimentos de Roseli Pereira Batista e seu cônjuge Divonsir Lopes Batista, no sentido de que, na via original da certidão de casamento que entregaram ao acusado, a profissão do marido constava como pedreiro; depoimento de Everaldo Mendonça que declarou (depoimento em mídia) que trabalhava para o acusado digitando as petições, numerando e anexando os documentos que lhe eram entregues pelo apelado, e o depoimento da testemunha Laudemir Leati, referida no depoimento de Alessandro, também funcionário do apelado, que declarou que recebia e repassava os documentos originais ao réu Aparecido. 3. Dúvida não há de que o réu instruiu pedido inicial da ação ordinária de benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez em face do INSS, utilizando documento ideologicamente falso como o fez em inúmeras outras ações e inquéritos policiais a que responde, pelos mesmos fatos de que aqui se trata, com o fim de comprovar a prestação de serviços na área rural para obtenção de aposentadoria. Não fosse a iniciativa do MM. Juiz a quo de oficiar ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Borá, para confrontar a via original do documento com a prova juntada pelo apelado, quando então se detectou a presença de fraude, não estaria ele a responder a esta ação penal. 4. O acusado, na condição de advogado, tinha a obrigação de conferir os documentos antes de ingressar com as ações; como militante na área de direito previdenciário há mais de 4 (quatro) anos, ele tinha pleno conhecimento dos requisitos necessários para a concessão de benefícios, sobretudo naqueles casos em que o início de prova material do labor rural dispensaria a comprovação dos recolhimento de contribuições (artigo 39 da Lei 8.213/91), inclusive para o cônjuge do trabalhador rural. Este é o entendimento firmado em diversos julgados sobre a matéria. 5. Não há que se falar que o meio empregado na demanda previdenciária seria totalmente ineficaz para a consecução do objetivo buscado. Certo é que o apelado não utilizaria meios escusos para pleitear o benefício previdenciário se sua cliente preenchesse todos os requisitos legais para o seu deferimento; e, por outro lado, se tivesse tanta certeza de que o Juízo da ação previdenciária iria requisitar as informações (CNIS) ao INSS, para comprovar os verdadeiros dados da autora, não teria o acusado empregado meio escuso para fundamentar o pedido. Ademais, mesmo que o INSS viesse, naquela ação, impugnar o documento ideologicamente falso, a tentativa do delito em questão já teria se configurado, quando ele ingressou com a ação ordinária instruindo-a com a certidão espúria. 6. No que tange a alegação de que simples cópia reprográfica de certidão de casamento não é documento público, também não afasta a tipicidade do crime do artigo 304 do Código Penal. Cabe esclarecer que o crime em questão é de uso de documento falso, até porque não restou comprovado que o apelado teria, ele próprio, falsificado a certidão de casamento, o que afasta a alegação da defesa de que era imprescindível a realização de prova pericial. A cópia simples possui o condão de produzir os efeitos jurídicos ilícitos colimados pelo réu, conforme vem entendendo o Colendo Superior Tribunal de Justiça e a jurisprudência desta E. Corte Regional. Jurisprudência. 7. Quanto ao aumento de pena por força do § 3º ao artigo 171 do Código Penal, o crime de estelionato perpetrado contra entidade de direito público não possui apenas natureza patrimonial e nem está restrito tão só a análise do valor do prejuízo econômico causado, mas atinge toda a sociedade ante a relevância social presente na natureza e na destinação do bem jurídico tutelado. No presente caso, a tentativa do crime de estelionato restou configurada, quando o réu intentou a ação previdenciária, visando ludibriar o magistrado, para obter vantagem indevida contra o INSS. 8. Dosimetria da pena base estabelecida em patamar acima do mínimo legal. Ausência de agravantes e de atenuantes. Aplicada a qualificadora prevista no § 3º do artigo 171 do Código Penal. Pena privativa de liberdade fixada em 03 (três) anos, 02 (dois) mês e 20 (vinte) dias de reclusão, além do pagamento 32 (trinta e dois) dias-multa. Delito na forma tentada, impondo-se a redução da pena nos termos do artigo 14, inciso II, parágrafo único do Código Penal, no percentual de 1/3 (terço), considerando que quase todas as elementares do tipo penal foram ultimadas pelo apelado, o que resulta na pena de 2 (dois) anos, 01 (um) mês e 23 (vinte e três) dias de reclusão, no regime semi-aberto, além do pagamento de 20 (vinte) dias multa, fixada no valor unitário mínimo legal. Regime inicial semi-aberto. 9. Recurso ministerial provido.

Rel. Des. Ramza Tartuce

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