RELATOR: DESEMBARGADOR FAUSTO DE SANCTIS -
DIREITO PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. AUTORIAS DELITIVAS INCONTROVERSAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE USO DE DROGAS PARA O CONSUMO PESSOAL. NÃO CABIMENTO. CIRCUNSTÂNCIAS QUE DEMONSTRAM O DOLO DOS AGENTES EM EXECUTAR O CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. PRIMEIRA FASE. PENA-BASE. CULPABILIDADE, MOTIVO E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME CONSIDERADAS NEUTRAS. FIXAÇÃO NO PATAMAR MÍNIMO LEGAL. SEGUNDA FASE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA AFASTADA. SÚMULA 630 DO STJ. REINCIDÊNCIA RELACIONADA AO RÉU LOHAN BEM RECONHECIDA. TERCEIRA FASE. TRANSNACIONALIDADE DO DELITO COMPROVADA. CAUSA DE AUMENTO, RELACIONADA AO COMETIMENTO DO DELITO DENTRO DE TRANSPORTE PÚBLICO (ART. 40, III, DA LEI DE DROGAS), AFASTADA. PRECEDENTES DO STF. REDUTOR DA PENA (ART. 33, § 4º) AFASTADO EM RELAÇÃO AO RÉU LOHAN, EM RAZÃO DA REINCIDÊCIA. REDUTOR DA PENA APLICADO NO MÍNIMO LEGAL, EM RELAÇÃO AO RÉU KLEVERSON. REGIME INICIAL MANTIDO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE.- Autoria Delitiva. As autorias e os elementos subjetivos dos tipos penais relacionados ao tráfico ilícito de entorpecentes e atribuídos aos réus restaram devidamente demonstradas, uma vez que a prova testemunhal produzida na fase judicial, corroborada pelo flagrante delito, endossa os fatos descritos na r. denúncia.- Os testigos claros, harmônicos e coerentes dos policiais federais demonstraram as autorias e culpabilidades relacionadas aos Apelantes, especialmente quando afirmaram que a substância entorpecente foi localizada e apreendida junto aos seus corpos, em sede de inspeção pessoal realizada no ônibus de passageiros que provinha de Ponta Porã/MS. Além disso, a confissão informal aos gendarmes, de que a droga lhes pertencia, torna segura a responsabilidade criminal dos réus.- A assunção de culpa dos Apelantes, no sentido de que realmente importaram o entorpecente do país vizinho, está em consonância com as declarações dos policiais federais, tornando-se, portanto, segura a autoria delitiva.- Desclassificação. Impossibilidade. Distinguir o crime de tráfico ilícito de drogas do simples porte para uso pessoal nunca foi tarefa fácil para o operador do direito, e, mesmo com o advento da redação legal estatuída pela Lei Federal n.º 11.343/2006, continua a ser árdua atribuição. Deste modo, para a correta tipificação da conduta, é essencial que se verifiquem os elementos pertinentes à natureza da droga, sua quantidade, condições gerais, circunstâncias envolvendo ação e a prisão, bem como a conduta e antecedentes do agente.- In casu, as provas colhidas apontam, com nitidez e segurança, o caráter de mercancia da droga, levando-se em consideração a grande quantidade de substâncias entorpecentes apreendidas em poder dos Recorrentes (mais de 1.900 gramas de Maconha), a respectiva forma de acondicionamento (destaca-se que a droga estava acondicionada em dez tabletes aptos à fragmentação e posterior distribuição para a denominada venda a varejo), as circunstâncias da prisão (levando-se em consideração que a droga foi adquirida na fronteira com o Paraguai, país conhecido pela produção ilegal de Maconha e por distribuir drogas ao nosso país), somado ao valor pago pelo entorpecente (dos interrogatórios verte que foi paga a quantia de duzentos reais pela totalidade da droga), que não é condizente com as condições sociais dos réus, acrescentando-se o local em que foi praticado o crime, vale dizer, rota de tráfico internacional de drogas, revelam, conforme sobredito, a realização do denominado narcotráfico.- Tais circunstâncias, a toda evidência, devem preponderar sobre a alegação de usuário firmada pelas doutas defesas, consoante determina a jurisprudência.- Dosimetria da Pena. A culpabilidade deve ser considerada neutra, já que comumente os delitos são praticados de forma livre e consciente, o que, por si só, não revela a culpabilidade exacerbada dos réus. A propósito, acaso a conduta fosse inconsciente ou involuntária, teríamos a atipicidade do fato ou a exclusão da culpa.- A prática do crime motivada pela ganância, de igual forma, não se presta a exasperar a pena-base, conforme já decidiu reiteradamente o Superior Tribunal de Justiça (STJ: HC 476.564/MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 14.05.2019).- Por fim, é normal que os traficantes ocultem as drogas para evitarem a fiscalização policial realizada nas estradas, sobretudo em viagens de ônibus de passageiros que trafegam por estradas comumente conhecidas como rotas de tráfico.- Segunda fase. Confissão espontânea afastada. A novel súmula 630 do Superior Tribunal de Justiça é expressa ao afirmar que "a incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecente exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio".- Bem reconhecida a reincidência relacionada ao réu LOHAN, anteriormente condenado pelo delito de roubo, cuja decisão transitou em julgado em 18.02.2013.- Terceira fase. A transnacionalidade do delito restou comprovada de maneira satisfatória durante a instrução processual, tendo em vista que os réus foram presos em posse do entorpecente em um ônibus provindo do Paraguai, pois o documento de fl. 44 demonstra que o embarque ocorreu na cidade de Pedro Juan Caballero/PY.- Não se aplica, entretanto, a causa de aumento do art. 40, inciso III, da Lei nº 11.343/2006, pois, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, tal dispositivo é referente à traficância de drogas cometida dentro de transporte público (entre outros locais específicos), incidindo somente quando o agente tem a intenção de praticar o comércio do entorpecente em seu interior; ou seja, não é aplicável quando o veículo é utilizado apenas para transportar a droga - situação configurada no caso dos autos. Nesse sentido: STF, HC nº 119.811, 2ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 10.06.2014; STF, HC nº 119.782, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, j. 10.12.2013.- O réu LOHAN é reincidente, pelo que não faz jus ao redutor estabelecido no artigo 33, § 4º da Lei de Drogas.- Com relação ao réu KLEVERSON, no caso concreto em análise, não existem provas ou quaisquer indícios de efetivo pertencimento à organização criminosa voltada ao tráfico de drogas. Em vista desses fundamentos, entendo cabível, no caso concreto, a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006.- A aplicação de tal causa de diminuição deve, entretanto, permanecer no mínimo legal, ou seja, 1/6 (um sexto) e não na fração máxima prevista pelo artigo 33, parágrafo 4º, da Lei Antidrogas, de 2/3 (dois terços) da reprimenda, nitidamente reservada para casos menos graves, a depender da intensidade do auxílio prestado pelo réu. In casu, as circunstâncias da prisão, notadamente a forma elaborada em que foi acondicionada a droga (afixada junto ao seu corpo), somado ao fato de que o réu dirigiu-se ao solo estrangeiro exclusivamente para adquirir substância entorpecente, revelam que ele, de algum modo, estava ligado às atividades criminosas voltadas ao tráfico de drogas.- Regime inicial. Tem-se que a pena privativa de liberdade em relação ao réu KLEVERSON foi fixada em 04 (quatro anos) 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão. Analisando as circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal e art. 42 da Lei 11.343/2006, verifico que, no caso concreto, especificamente para fins de fixação de regime, não são negativas as condições pessoais do acusado, as circunstâncias e consequências do crime, e tampouco a natureza e quantidade de droga apreendidas (950g de maconha) são anormais à espécie delitiva. Diante disso, não existem razões para que seja aplicado regime inicial de cumprimento de pena mais gravoso que a regra legal geral, qual seja, regime inicial SEMIABERTO.- A pena privativa de liberdade foi fixada em 06 (seis) anos, 07 (sete) meses e 10 (dez) dias de reclusão em relação ao réu KLEVERSON, que é reincidente em crime doloso. De rigor, portanto, a aplicação de regime inicial de cumprimento de pena mais gravoso que a regra legal geral, qual seja, a fixação de regime inicial FECHADO.- Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, uma vez que ausentes os requisitos previstos no artigo 44 e incisos do Código Penal.- Sentença parcialmente reformada.
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