Apelação criminal - tráfico internacional de entorpecentes - materialidade e autoria comprovadas - excludente de culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa não demonstrada - internacionalidade do tráfico - aplicação da lei nº 6.368/76 - elevação da pena-base, à vista das circunstâncias do crime (método de ocultação) e natureza da droga apreendida - inaplicabilidade da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do código penal - não incidência da causa de redução prevista no artigo 33, § 4º, da lei nº 11.343/06 - retroatividade do artigo 40, i, da lei nº 11.343/06 - incabível a substituição por penas restritivas de direitos - isenção do pagamento das custas processuais - apelação ministerial provida - apelação do réu parcialmente provida. 1. Réu condenado pela prática de tráfico internacional de entorpecentes, porque trazia consigo, dentro de seu próprio organismo, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 1.180g (um mil cento e oitenta gramas) de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar. 2. Materialidade demonstrada no Auto de Exibição e Apreensão, Laudo de Constatação e Exame Químico-Toxicológico que positivou a natureza de cocaína. 3. Autoria delitiva cabalmente demonstrada através da confissão do apelante em Juízo no sentido de que foi contratado no Brasil por um homem do Suriname, para transportar droga até Istambul/Turquia, sendo que pelo implemento da tarefa receberia a importância de U$ 5.000 (cinco mil dólares); da prova testemunhal colhida em contraditório judicial; da forma de acondicionamento da cocaína - ingestão de cápsulas via oral e introdução de 2 (duas) cápsulas maiores em seu ânus, num total de 80 (oitenta) cápsulas; aliados a todas as demais circunstâncias do fato e provas contidas nos autos. 4. A suposta e não demonstrada situação financeira adversa do apelante não é motivo idôneo a autorizar o reconhecimento da causa supralegal de exclusão da culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, na qual se baseia o estado de necessidade exculpante, a ilidir a responsabilização criminal. E mesmo que houvesse comprovação da aventada penúria, a conclusão não seria diversa, já que enveredar no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver agruras econômicas - muitas delas vivenciadas por todo o corpo social - ao contrário, revela desvio de caráter, cupidez e pobreza de princípios. 5. Internacionalidade do tráfico comprovada pela confissão do apelante quanto ao destino da droga apreendida, que se encontrava, portanto, em vias de exportação, sendo irrelevante que ainda não tivesse deixado o país. Além disso, o réu foi abordado trazendo consigo cocaína no interior do Aeroporto Internacional de Guarulhos prestes a embarcar para o exterior, restando clara e evidente sua intenção de transportar a droga para fora do país, fato suficiente para considerar o crime consumado e para caracterizar a internacionalidade do tráfico perpetrado, ainda que não efetivada a internação da droga em território estrangeiro. 6. A Lei nº 11.343/06, no cômputo geral, é lex gravior em relação à Lei nº 6.368/76, razão pela qual deve ser aplicado este último diploma legal, vigente à época da prática do tráfico internacional de entorpecentes ora versado. A aplicação imediata e retroativa do novo índice de majoração previsto no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, e a possibilidade de aplicação retroativa - desde que preenchidos todos os requisitos legais - da causa de diminuição de pena elencada no artigo 33, § 4º, do mesmo diploma legal, se justifica pelo fato de constituírem normas de direito penal sem previsão na legislação anterior que beneficiam o réu, não acarretando combinação de leis, eis que não se encontram em conflito dispositivos tipificadores. 7. A natureza especialmente nefasta da droga apreendida e a eleição pelo réu de audacioso, doloroso e perigosíssimo “modus operandi“ - ingestão e inserção em seu ânus de cápsulas de cocaína - a demonstrar elevado grau de culpabilidade, autorizam a elevação da pena-base. 8. Não há que se cogitar da aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, eis que não se afigura nada razoável, nem aceitável, expor a risco a saúde pública, bem jurídico tutelado pela norma penal, em prol de uma temporária melhora na situação financeira do réu, sendo certo que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência para o mesmo, que estava no Brasil desde janeiro de 2006 tendo, nesse ínterim, se hospedado em hotéis, freqüentado bares (onde conheceu seu aliciador) e engravidado uma mulher, conforme narrou em seu interrogatório judicial. O conjunto probatório carreado aos autos nos conduz a inafastável ilação de que o motivo propulsor da atuação criminosa do réu foi a obtenção de dinheiro fácil - receberia a quantia de U$ 5.000 (cinco mil dólares) pelo transporte da droga. 9. Não é caso de aplicação do § 4º do artigo 33 da atual lei de drogas, pois a pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior com despesas integralmente custeadas e mediante paga ou promessa de recompensa, evidentemente integra organização criminosa de forma efetiva e relevante. Com efeito, o apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbido de receber a droga devidamente embalada em cápsulas, ocultá-las e transportá-las dentro de seu próprio organismo, devendo entregá-la ao destinatário no exterior, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma. 10. O novo coeficiente de aumento estabelecido pelo artigo 40 da Lei nº 11.343/06, para a hipótese de transnacionalidade do delito de tráfico, constitui norma de direito material sem previsão na legislação anterior, que beneficia o réu, devendo incidir na espécie retroativamente (§ único do artigo 2º do Código Penal e inc. XL do artigo 5º da CF), o que se faz de ofício. 11. Incabível a substituição por pena alternativa, uma vez que em sendo o crime hediondo ou assemelhado, a pena alternativa não se mostra compatível e suficiente para reprimi-lo na singularidade do caso, em que o acusado tem a seu desfavor um elevado juízo de culpabilidade. Além disso, é incabível a apenação alternativa com a imposição ex lege do regime inicialmente fechado. Ainda, o réu é estrangeiro, cuja permanência no Brasil será irregular após o cumprimento da pena, sujeita à expulsão, razão pela qual não se vê como mantê-lo aqui prestando “serviços à comunidade“. 12. É de ser concedida a isenção do pagamento das custas processuais, pois trata-se de réu beneficiário da assistência judiciária gratuita e cuja capacidade econômica precária foi reconhecida para efeito de fixação do valor do dia-multa. 13. Apelação ministerial provida. 14. Apelação do réu parcialmente provida.
Rel. Des. Johonsom Di Salvo
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