RELATOR : Desembargador PAULO FONTES -
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PROVAS ILÍCITAS. INEXISTÊNCIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, C.C. ART. 40, INC. I, AMBOS DA LEI Nº 11.343/2006. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. TRANSNACIONALIDADE. APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DO INC. I, DO ART. 40 DA LEI DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ESTABILIDADE DO VÍNCULO ENTRE OS MEMBROS COMPROVADA. TRANSNACIONALIDADE. ART. 40, I, DA LEI 11.343/06. DOSIMETRIA DAS PENAS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DESPROVIDO. RECURSOS DEFENSIVOS PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Há que se destacar que as interceptações telefônicas e telemáticas foram deferidas após cuidadosa investigação preliminar, deflagrada após expedição de carta rogatória pela Justiça Italiana. A referida investigação preliminar permitiu à autoridade policial concluir pela existência de organização criminosa com intensa atuação no Brasil, principalmente na região do Porto de Santos/SP, cujo objetivo precípuo era a remessa de cocaína para a célula italiana da organização criminosa, responsável pela revenda do entorpecente aos consumidores finais. Outrossim, os ciclos de interceptações foram autorizados por meio de decisões fundamentadas do Juízo de primeiro grau, sendo observadas todas as prescrições indicadas pela Lei nº 9.296/96 (Autos nº 0001304-79.2013.403.6104). Ademais, os recorrentes não impugnaram nenhum trecho específico das conversas, motivo pelo qual não há cogitar-se de qualquer nulidade nas provas colhidas, não podendo alegar nenhum prejuízo, assim como vêm decidindo os tribunais superiores, notadamente o Superior Tribunal de Justiça. 2. A exordial traz a descrição da ação delitiva dos acusados, inclusive as posições que ocupavam na hierarquia da organização criminosa, bem como sua suposta participação nos crimes de tráfico de drogas, além de discorrer sobre como se deram os fatos e sobre a prova da materialidade e autoria. Verifica-se da simples leitura que a denúncia preenche todos os requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, a saber, a descrição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, a classificação dos crimes e o rol de testemunhas, possibilitando o exercício da ampla defesa. Além disso, a sentença condenatória já foi prolatada no presente processo, restando, pois, preclusa a alegação de inépcia da denúncia. Preliminar rejeitada. 3. A materialidade do crime de tráfico de drogas, referente à apreensão de 44,701 kg de cocaína, atribuído a RAYKO MILAN TOMASIN RIVERA, restou bem demonstrada pelo Auto de Apreensão (fls. 24 do Apenso I), Laudo Preliminar de Constatação (fls. 25/27 do Apenso I), Laudo Toxicológico Definitivo (fls. 28/33 do Apenso I), além das declarações prestadas na fase inquisitiva e em juízo, bem como pelos depoimentos das testemunhas e pelo interrogatório dos réus (mídias de fls. 1.398 e 1.635). 4. A autoria de RAYKO MILAN TOMASIN RIVERA está comprovada nos autos nº 0001304-79.2013.403.6104. As diligências realizadas pela autoridade policial, diretamente relacionadas à apreensão de 44,701 kg de cocaína, realizada em 23 de janeiro de 2013, em Laranjal do Jari/SP, revelam a autoria de RAYKO. As circunstâncias nas quais foi realizada a apreensão dos entorpecentes, aliadas à prova oral colhida, tanto na fase policial como judicial, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade pela autoria destes, fato incontroverso no presente caso. 5. A materialidade do crime de tráfico de drogas, referente à apreensão de 19,725 kg de cocaína, atribuído a RAYKO MILAN TOMASIN RIVERA, restou bem demonstrada pelo Boletim de Ocorrência nº 454/2013 (fls. 162 do Apenso I), Laudo Toxicológico Definitivo (fls. 163/166 do Apenso I), além das declarações prestadas na fase inquisitiva e em juízo, bem como pelos depoimentos das testemunhas e pelo interrogatório dos réus (mídias de fls. 1.398 e 1635). 6. A autoria de RAYKO MILAN TOMASIN RIVERA está comprovada nos autos nº 0001304-79.2013.403.6104, onde constam as transcrições de chats que RAYKO manteve com Uwe Fellier (vulgo Tequila), circunstância referida pela testemunha Osvaldo Scalezi Junior em seu depoimento (mídia de fls. 1.635). Nos referidos diálogos, RAYKO MILAN TOMASIN RIVERA e Tequila combinam a remessa de 19,725 Kg de cocaína, a ser transportada por navio com saída do Porto de Munguba, em Laranjal do Jari/AP. As circunstâncias nas quais foi realizada a apreensão dos entorpecentes, aliadas à prova oral colhida, tanto na fase policial como judicial, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade pela autoria destes, fato incontroverso no presente caso. 7. Não há prova de que WAGNER PEREIRA DUTRA, TAMARA CECILIA SILVA MELO e CARLOS ALBERTO MELLIES concorreram para a infração penal (tráficos de 44,701 kg de cocaína e 19,725 kg de cocaína), motivo pelo qual sua absolvição deve ser mantida, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal 8. A materialidade do crime de tráfico de drogas, referente à apreensão de 174 kg de cocaína, atribuído a RAYKO MILAN TOMASIN RIVERA e WAGNER PEREIRA DUTRA restou bem demonstrada pelos documentos de fls. 34/65 do Apenso I, os quais informam que os 174 kg de cocaína foram encontrados dentro dos contêineres TCLU7701778 e GCNU2004780, conforme consta de documento da SOCA (Serious Organised Crime Agency) de fls. 44 do Apenso I e as fotos de fls. 45/65 do Apenso I, bem como pelos depoimentos das testemunhas e pelo interrogatório dos réus (mídias de fls. 1.398 e 1.635). 9. Os diálogos entre RAYKO MILAN TOMASIN RIVERA e WAGNER PEREIRA DUTRA e deles com outros comparsas questionam a chegada do entorpecente e, posteriormente, mencionam as circunstâncias da apreensão da cocaína, discutindo as implicações deste fato e a maneira de resolver o problema (tráfico de 174 kg de cocaína). As circunstâncias nas quais foi realizada a apreensão dos entorpecentes, aliadas à prova oral colhida, tanto na fase policial como judicial, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade pela autoria destes, fato incontroverso no presente caso. 10. Não há prova de que TAMARA CECILIA SILVA MELO e CARLOS ALBERTO MELLIES concorreram para a infração penal (tráfico de 174 kg de cocaína), motivo pelo qual sua absolvição deve ser mantida, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal. 11. As provas coligidas aos autos são suficientes para demonstrar que os réus estavam associados para o tráfico de drogas, em nível de organização e estabilidade acima de uma simples coautoria. O conjunto probatório permite concluir que os réus mantinham uma relação estável e duradoura especificamente para a realização do tráfico de drogas. 12. A transnacionalidade do crime de tráfico de drogas e da associação para o tráfico restaram demonstradas. A procedência estrangeira e destino da droga ao exterior foram confirmadas pelas provas contidas nos autos, bem como pela existência de ramificações da associação no exterior. Competência da Justiça Federal. 13. RAYKO MILAN TOMASIN RIVERA: Manutenção da pena imposta pelos três crimes de tráfico transnacional de drogas e afastamento, de ofício, da agravante do artigo 62, inciso I, do Código Penal e da majorante do artigo 40, inciso VII, da Lei nº 11.343/06, em relação ao crime de associação para o tráfico. Aplicação da continuidade delitiva aos três tráficos internacionais de droga. Diminuição da pena-base aplicada pelo crime do artigo 35, caput, da Lei nº 11.343/06. 14. WAGNER PEREIRA DUTRA: Manutenção da pena imposta pelo crime de tráfico transnacional de drogas e afastamento da agravante do artigo 62, inciso I, do Código Penal e da majorante do artigo 40, inciso VII, da Lei nº 11.343/06, em relação ao crime de associação para o tráfico. Diminuição da pena-base aplicada pelo crime do artigo 35, caput, da Lei nº 11.343/06. 15. TAMARA CECILIA SILVA MELO: redução da pena-base imposta pelo crime de associação para o tráfico, tendo em vista que a participação da apelante TAMARA foi menos significativa que a dos réus RAYKO, WAGNER e CARLOS na associação criminosa. 16. CARLOS ALBERTO MELLIES: redução da pena-base imposta pelo crime de associação para o tráfico, tendo em vista que a participação do apelante CARLOS foi mais significativa que a da ré TAMARA, porém menor que a dos réus RAYKO e WAGNER. 17. A restituição de coisas apreendidas, tanto no curso do inquérito quanto no da ação penal, é condicionada à comprovação de três requisitos: 1) propriedade do bem pelo requerente (art. 120, caput, CPP); 2) ausência de interesse no curso do inquérito ou da instrução judicial na manutenção da apreensão (art. 118 CPP); e 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento (art. 91, II, CP). 18. Embora a propriedade dos bens apreendidos fosse, em tese, da falecida LUZIA ELAINE DE SOUZA ROMAN, a dicção do artigo 118 do Código de Processo Penal não permite a restituição de coisas apreendidas enquanto interessarem ao processo antes de transitar em julgado a sentença final. 19. Recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL desprovido e recursos defensivos parcialmente providos, fixando-se as penas de 18 (dezoito) anos, 05 (cinco) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão e 2.310 (dois mil, trezentos e dez) dias-multa para RAYKO MILAN TOMASIN RIVERA, em regime fechado; 16 (dezesseis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 2.100 (dois mil e cem) dias-multa para WAGNER PEREIRA DUTRA, em regime fechado; 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 816 (oitocentos e dezesseis) dias-multa para TAMARA CECILIA SILVA MELO, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos; 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 933 (novecentos e trinta e três) dias-multa para CARLOS ALBERTO MELLIES, em regime semiaberto.
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