APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003185-53.2006.4.03.6002/MS

REL. DES. CECILIA MELLO -

Apelação criminal. Artigos 168-a e 337-a do código penal. Natureza jurídica. Cerceamento da defesa não configurado. Princípio da identidade física do juiz Observado. Materialidade, autoria e dolo comprovados. Dosimetria reformada. Pena base reduzida. Concurso material afastado. Continuidade delitiva Configurada. Regime aberto. Penas restritivas de direito. Prescrição da Pretensão punitiva decretada de ofício. 1 - Para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária basta o dolo genérico. Tratando-se de tipo omissivo, não se exige o "animus rem sibi habendi", sendo suficiente à sua consumação, o efetivo desconto e o não recolhimento do tributo no prazo legal, uma vez que a consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento dessas contribuições. Desnecessária, portanto, a comprovação da efetiva apropriação do numerário pelo réu, tampouco o seu propósito de fraudar ou de causar dano à Previdência Social. Dentro desse raciocínio, considerando que basta a omissão para a consumação, entende-se que é prescindível o esgotamento da via administrativa. Precedentes. 2 - Por outro lado, o crime previsto no artigo 337-A do Código Penal deve ser considerado crime de natureza material, nos termos da Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal. Isso porque, a lei 9.983/2000, que incluiu o crime de sonegação de contribuição previdenciária no artigo 337-A do Código Penal, apenas transmudou a base legal da imputação do crime previsto na lei 8.137/90, sem alterar os seus contornos, sendo mantido, inclusive, o preceito secundário, de reclusão de 02 a 05 anos, e multa, havendo, portanto, continuidade normativo-típica. Assim, a consumação dos delitos previstos no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 e no artigo 337-A do Código Penal se dá com a constituição definitiva do crédito tributário, cuidando-se de crime material. 3 - Considerando que não há recurso da acusação e que a pena privativa de liberdade de cada crime pelo qual o réu foi condenado equivale a 02 anos e 04 meses de reclusão (excetuado o cômputo da continuidade delitiva - Súmula 497, STF), o prazo prescricional regula-se pelo preceituado no artigo 109, inciso IV, c/c artigo 115, ambos do Código Penal, ou seja, 04 anos. Assim, tendo em vista que os fatos referem-se ao período compreendido entre 09/02/2003 a 04/2006, verifico que, para o crime do artigo 168-A, do Código Penal, os fatos anteriores a 09/02/2005 em relação à data do recebimento da denúncia (09/02/2009) estão prescritos. 4 - Nulidade do processo em razão da ausência de intimação dos advogados constituídos pelo réu para que oferecessem resposta à acusação, não configurada. Embora se verifique a existência de pequena confusão quanto à necessidade de nomeação de advogado dativo, fato é que o réu foi devidamente intimado para apresentar defesa prévia, na mesma ocasião em que afirmou já possuir advogado próprio. No entanto, deixou transcorrer "in albis" o prazo para apresentação da mencionada peça processual e, apesar de ciente de que havia sido nomeado advogado dativo, não se manifestou a respeito. Posteriormente, a defesa nomeada pelo réu foi intimada para apresentar defesa prévia, e, apesar de requerer algumas diligências, não trouxe aos autos os documentos solicitados pelo Juízo "a quo", o que acabou por inviabilizar seu pedido, não apresentando, de qualquer forma, resposta à acusação. Dessa forma, havendo determinação para apresentação de defesa prévia não cumprida por parte da defesa constituída, não há falar que a constituição de novos advogados por parte do réu obrigaria uma nova determinação para apresentação da peça processual, mormente porque a mesma já havia sido apresentada por advogado dativo. 5 - O Princípio da Identidade Física do Juiz não é absoluto, podendo a sentença penal ser proferida por outro Juiz quando aquele que presidiu a instrução criminal for substituído por força de ato administrativo do Tribunal a que está vinculado. Na hipótese, o magistrado que promoveu a instrução criminal era juiz substituto, o qual foi removido, hipótese excepcionada pelo artigo (artigo 132 do Código de Processo Civil c/c artigo 3º do Código Penal). 6 - As materialidades de ambos os crimes restaram devidamente comprovadas por meio do procedimento administrativo fiscal e documentos que o compõe. 7 - A autoria também está devidamente comprovada, assim como o elemento subjetivo do tipo e a consciência da ilicitude, para ambos os crimes. 8 - O réu atribui o crime a seu contador que suspostamente falsificou as guias de pagamento referente ao recolhimento dos tributos. No entanto, sendo verdade ou não que o réu foi vítima de seu contador, fato é que o réu, incontestavelmente, não repassou ao INSS as contribuições previdenciárias recolhidas de seus empregados, bem como não declarou seus segurados empregados na folha de pagamento da empresa e GFIP. O réu, em nenhum momento, se esquivou desses fatos, atribuindo-os à crise econômica que passava a região da cidade de Dourados/MS, que consequentemente refletiu no faturamento da empresa. Assim, eventual fraude sofrida pela falsificação dos pagamentos em tese realizados para a Autarquia Previdenciária, após as omissões delituosas e constituição definitiva do crédito tributário, não tem o condão de desconstituir os fatos típicos efetivamente consumados. 9 - Dessa forma, o suposto crime cometido entre o contador e o réu não interferem na constituição dos fatos em análise neste processo, muito menos é motivo para excluir o dolo do réu ou isentá-lo de pena. 10 - Ainda com relação ao dolo, conforme já mencionado, para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária basta o dolo genérico, sendo desnecessária a comprovação da efetiva apropriação do numerário pelo réu, ou seu propósito de fraudar ou de causar dano à Previdência Social. 11 - Com relação ao elemento subjetivo do artigo 337-A do Código Penal, embora crime material, dependendo para a sua consumação, da efetiva ocorrência do resultado, também não necessita, para sua caracterização, da presença de dolo específico, ou seja, o dolo exigível, é, também o dolo genérico, como ocorre com o delito de apropriação indébita previdenciária. O tipo não exige nenhum fim especial, bastando a conduta consistente em "suprimir ou reduzir". Portanto, assim como no delito previsto no art. 168-A, não é necessário o animus "rem sibi habendi" para sua caracterização (AP 516, AYRES BRITTO, STF) 12 - As invencíveis dificuldades financeiras não restaram comprovadas. Impende ressaltar que a realidade econômico-financeira da sociedade supostamente em dificuldades precisa ser explicada documentalmente, de forma capaz de comprovar que elas não ocorreram por imprudência ou má condução dos negócios. Embora atribua os fatos à fraude cometida por seu contador, conforme já mencionado, quando do aventado pagamento das parcelas, os fatos criminosos já haviam sido consumados, ou seja, não servem para comprovar as dificuldades financeiras alegadas. 13 - O Juízo "a quo" majorou a pena base dos delitos com fundamento no prejuízo causado à vítima, por ser esta a Previdência Social, a qual cabe o resguardo da velhice e eventual infortúnio dos segurados, e pela habitualidade no crime, já que perdurou por toda atividade empresarial do réu. No entanto, observa-se que o fato da vítima ser a Previdência Social não pode servir como fundamento para majorar a pena, uma vez que se trata de circunstância intrínseca ao tipo penal. Da mesma forma, a qualidade de empresário do réu não pode ensejar uma culpabilidade exacerbada, como fundamentou a sentença, visto que o crime em comento pressupõe um responsável tributário, que no mais das vezes é de fato um empresário. No que diz respeito à habitualidade da conduta bem como ao valor total não recolhido, tais circunstâncias concernem à reiteração delituosa, não podendo ser considerados paralelamente para fins de justificar o aumento da pena-base, na medida em que serão utilizados na terceira fase da dosimetria da pena, por ocasião da causa de aumento, relativa ao artigo 71 do Código Penal. Com efeito, para fins de serem consideradas como negativas as consequências do delito (art.59, do Código Penal), é de ser avaliada a competência (valor) mês a mês de per si, tomando-se como base o maior deles, não se podendo valorar negativamente aquele quantum que a própria Administração declina do direito de cobrar (R$ 20.000,00). Assim sendo, aquele elemento (total da dívida) é avaliado na terceira fase da dosimetria da pena, na fase do art.71, do Código Penal, quando a hipótese assim o requer, - o que acontece no mais das vezes - , e a exasperação da pena imposta é reconhecida pela reiteração da prática criminosa e do total do valor não repassado. 14 - Importa frisar, que no presente caso, o valor omitido pelo crime do artigo 168-A do Código Penal atingiu o montante de R$ 124.318,01, e o crime do artigo 337-A do Código Penal, o montante de R$ 68.809,24, em 12/2010. Considerando que tais valores se referem a 37 competências, verifica-se que o maior valor mensal retido não exasperou o teto da atuação administrativa, elemento que nos autoriza a concluir que o fundamento usado pelo juiz para elevação da pena-base merece ser redimensionado. 15 - Dentro desse contexto, não restando quaisquer outras circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, é de rigor a redução da pena base, de ambos os delitos, para o mínimo legal, ou seja, 02 anos de reclusão e 10 dias multa. 16 - Na segunda fase, apesar das atenuantes da confissão e maioridade, não há como reduzir a pena, nos termos da Súmula 231 do STJ. 17 - Na terceira fase, porém, deve ser afastado o concurso material decretado pelo Juízo "a quo". O posicionamento majoritário é no sentido de que em casos como o presente, deve-se aplicar a regra da continuidade delitiva e não de concurso material de crimes. Dessa forma, aplica-se a pena base de um só dos crimes, sobre a qual deve incidir a causa de aumento de pena do artigo 71 do Código Penal. Como a quantidade de eventos do artigo 337-A do Código Penal (37 eventos) abrange a quantidade de eventos do artigo 168-A do Código Penal (14 eventos), deve ser mantida a fração adotada na r. sentença, qual seja, 1/3 (um terço), restando, ao final, a pena definitivamente fixada em 02 anos e 08 meses e 13 dias multa. 18 - Nos moldes do art. 33, §2º, "c", do Código Penal, e não havendo circunstância que torne recomendável a fixação em regime mais gravoso, fixa-se o regime inicial aberto para o cumprimento da pena. 19 - Presentes os requisitos dos incisos I, II e III, do art. 44 do Código Penal, deve ser concedida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quais sejam, a prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 10 salários mínimos, face à favorável capacidade econômica do réu, ambas as penas em favor de entidade com destinação social a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais. 20 - Considerando que a pena cominada aos delitos, excluído o acréscimo dado pelo artigo 71 do Código Penal (Súmula 497 do STF), foi de 02 anos de reclusão, os quais prescrevem em 02 anos nos termos do artigo 109, inciso V, c/c artigo 115, do Código Penal, impõe-se reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, entre o recebimento da denúncia (09/02/2009) e a publicação da sentença condenatória (29/10/2012). 21 - Apelação parcialmente provida. Extinção de punibilidade decretada de ofício.   

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