REL. DES. LUIZ STEFANINI
Penal e processual penal - associação para o tráfico internacional de entorpecentes - organização criminosa estável e permanente - denúncia apta e matéria preclusa - licitude de elementos obtidos por derivação - interceptações telefôncas - transcrição integral das conversas - desnecessidade - sentença que preenche os requisitos legais - não violação do artigo 59 do código penal e do direito de recorrer em liberdade - prisão preventiva - presença dos requisitos quando da prolação da sentença condenatória - preliminares afastadas - materialidade, autoria e dolo - comprovação - desprovimento do recurso. 1.O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra o réu e outros, como incursos, à exceção de Gustavo Duran Bautista, no art. 35, c.c. art.40, I, da Lei nº 11.343/06. 2.A exordial foi ofertada com esteio em inquérito policial e procedimento criminal diverso, nos quais se apurou que, no período compreendido entre dezembro de 2003 e agosto de 2007, estariam os réus associados, de maneira estável e permanente, para o fim de praticar crime de tráfico internacional de entorpecentes (cocaína) que determina dependência física/psíquica, sem autorização legal. 3.No decorrer das investigações, a partir de interceptações telefônicas e telemáticas, autorizadas judicialmente, bem como com a colaboração internacional via DEA - Drug Enfornement Administration e de buscas e apreensões em diversos endereços no país, restou demonstrada a existência de complexa organização criminosa, formada por grupo de narcotraficantes estrangeiros que utilizam o território nacional como base para a coordenação do tráfico, compreendendo a aquisição de cocaína na Colômbia, o transporte e depósito em países intermediários como Paraguai e Bolívia, a internação no Brasil, Argentina ou Uruguai, para, finalmente, depois de dissimulada a droga em caixas de frutas, objeto de exportações legais, cruzar o Atlântico com destino à Holanda, país onde estão sediadas duas empresas do grupo, responsável pela importação legal das frutas. 4.O ponto de partida da investigação concentrou-se em outubro de 2001, na Fazenda Mariad, situada no Município de Juazeiro, na Bahia. Naquela ocasião, policiais realizaram busca e apreensão na propriedade rural, apreendendo 108 gramas de cocaína, 225 caixas de papelão modificadas, 2 balanças digitais, 2 prensas com capacidade 30 toneladas, 2 seladoras térmicas e uma a vácuo, armas e munições nacionais e importadas, entre outros materiais. Ainda, na mesma oportunidade, foram descobertos os nomes, alcunhas e características pessoais dos envolvidos no esquema e modus operandi da organização, bem como a identificação das empresas usadas na logística do transporte da cocaína dissimulada nas exportações à Holanda. 5.Individualização da conduta do ora apelante na denúncia, presentes os requisitos legais da peça acusatória regidos pelo disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, o que possibilitou a resposta do acusado à imputação que foi impingida ao réu, ensejando a fluência do direito de contraditório e ampla defesa. 6.Uma vez proferida a sentença, resta a matéria sobre a aptidão da denúncia superada pela preclusão. Pretendida nulidade que se rejeita. 7. Preliminar de nulidade das interceptações telefônicas e de todas as provas delas advindas que também se afasta. Essa modalidade de prova autorizada judicialmente é aceita como válida, o que apontam julgados relativos ao tema, constituindo importante meio de elucidação e investigação. 8. A interceptação telefônica é perfeitamente viável sempre que somente por meio dela se puder investigar determinados fatos ou circunstâncias que envolverem os denunciados. 9.A interceptação telefônica deve perdurar pelo tempo necessário à completa investigação dos fatos delituosos. 10. No tocante à interceptação telefônica, as investigações não redundaram novas ou autônomas, mas sim provieram de um aprofundamento das investigações já existentes em reforço à suspeita de vínculos entre os envolvidos. 11. Ilegalidade inexistente. 12.O art. 6º, § 2º, da Lei nº 9296/96, regula a matéria sobre transcrição das conversas, prevendo que ocorra a daquelas que dão lastro à busca da verdade real, respeitando o direito de intimidade das pessoas investigadas, sendo de todo despicienda a juntada do teor integral das conversas. 13. Conjunto probatório carreado aos autos idôneo e apto ao convencimento do julgador, estando a sentença de acordo com o pressupostos previstos no art. 381 do Código de Processo Penal. 14. Em que pese a alegação defensiva de ausência de provas para a condenação, não se vislumbra na sentença condenatória desobediência aos seus requisitos, tampouco ausência de fundamentação, princípio constitucional garantidor da necessária defesa do réu. 15. Sentença que se funda na análise de todas as alegações lançadas nas razões finais da acusação e defesa, com a apreciação das preliminares arguidas e do mérito da causa, envolvendo o exame da materialidade, autoria do crime, dolo, parte dispositiva e dosimetria da pena, cumprindo-se os requisitos intrínsecos da sentença, a identificação das partes, a exposição sucinta da acusação e defesa, o relatório e fundamentação consonante com os motivos de fato e de direito em relação ao crime. Afastamento da preliminar. 16. Não há nulidade da sentença por violação do artigo 59 do Código Penal. A pena base foi estabelecida segundo os critérios do referido artigo e as suas oito circunstâncias previstas, de modo que não se vislumbra qualquer nulidade. A exacerbação procedida teve por fundamento a natureza e quantidade da droga apreendida que autorizam a majoração segundo a lei antitóxicos vigente (art. 42 da Lei nº 11.343/06), estando conforme aos fins da pena, sua necessidade e adequação aos princípios de prevenção e retribuição. 17. A prisão determinada na sentença está lastreada à providência cautelar de segregação do réu por força do implemento dos requisitos da prisão preventiva previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, de modo que não há qualquer violação a direito de recorrer em liberdade. 18. A materialidade delitiva está comprovada nos autos e vem demonstrada nas apreensões de entorpecentes realizadas nos anos de 2001, 2003 e 2007, associadas ao conteúdo do monitoramento telefônico, através do qual se desvendou os itinerários da rota da droga, as empresas envolvidas e propriedades utilizadas como local do entreposto e armazenagem do tóxico. O armazenamento inicial localizava-se na Colômbia, onde a droga era adquirida e posteriormente transportada para propriedades sediadas no Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil. O entorpecente era embalado nas empresas Marimpex, Mariad e Basevin e remetido ao exterior por meio das importadoras Eurosouth e Southamerican, situadas na Holanda. 19.A materialidade está ainda comprovada pela efetiva atividade desempenhada pelos réus a perseverar na manutenção da estrutura criminosa, em vínculo permanente e estável entre seus membros em suas especificidades de tarefas, o que assegurou os transportes das cargas, inclusive com o uso de aeronave e o êxito das condutas, voltadas para o tráfico em países da América Latina e Europa, como será abordado a seguir no exame da autoria delitiva. 20. Os elementos colhidos evidenciam que Orlando tinha ciência da prática criminosa que era realizada, em consonância com a participação do demais agentes, cada qual com sua determinada função na empreitada delitiva. 21. Manutenção da decisão condenatória. 22. Pena base fixada na sentença 8 (oito) anos de reclusão e 1000 (mil) dias-multa, devendo ser mantida nesse patamar acima do mínimo legal, diante das circunstâncias do art. 59 do Código Penal e da norma prevista no art. 42, da Lei nº 11.343/06, quantidade e natureza da droga, a prevalecer nessa fase. 23. Tais circunstâncias se apresentam desfavoráveis ao réu, em face da apreensão de 500 quilos de cocaína, de efeito altamente lesivo. 24. Presente a comprovação da internacionalidade delitiva, o que claramente se depreende de todo o exposto nesse voto, causa reconhecida na sentença, a estabelecer a pena de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 1.166 (mil cento e sessenta e seis) dias-multa, aumento operado no mínimo legal e à razão de um trigésimo do salário mínimo e que merece ser mantido. 25. Manutenção do regime inicial fechado fixado na sentença, nos termos do art. 33§ 3º do Código Penal, regime que mais se adequa ao caso dos autos, em face da amplitude delitiva. 26. Rejeição das preliminares e, no mérito, improvimento do recurso.
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