Penal e processo penal. Apelações criminais. Estelionato praticado contra o instituto nacional do seguro social - inss. Concessão indevida de aposentadoria por tempo de serviço especial. Preliminar rejeitada. Inépcia da denúncia. Prolação da sentença condenatória. Preclusão. Materialidade e autoria comprovadas. Dolo demonstrado. Condenação mantida. Pena-base mantida. Graves consequências. Agravante. Violação a dever inerente ao cargo. Causa de aumento. Crime praticado contra autarquia previdenciária. Pena privativa de liberdade substituída por restritivas de direitos. 1. Eventuais omissões ou imperfeições da denúncia devem ser suscitadas até a prolação da sentença condenatória, após o que ocorre a preclusão com relação a supostos vícios da inicial acusatória. 2. A materialidade delitiva restou comprovada através de auditoria instaurada pela própria Previdência Social que concluiu que o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição foi concedido indevidamente, pois o beneficiário não possuía tempo de serviço suficiente para tanto, tendo sido o INSS induzido e mantido em erro, uma vez que a conversão do período de 12.01.1982 a 16.08.1997, supostamente exercido em condições especiais, estava demonstrado por formulário DSS-8030 e laudo técnico inidôneos, inaptos a comprovar que o segurado esteve exposto de maneira habitual e permanente a ruídos de intensidade prejudicial à sua saúde durante seu labor. 3. Houve conversão em atividade especial do período de 23.07.1975 a 28.04.1995, sequer pleiteado pelo beneficiário, sendo que o laudo técnico utilizado pelo corréu para instruir o seu pedido de benefício atestava que ele desempenhou atividade em condições especiais durante o período de 12.01.1982 a 16.08.1997. 4. Igualmente comprovada a autoria delitiva, pois os extratos do sistema informatizado do INSS revelam que ela foi a servidora da Autarquia Previdenciária responsável pela concessão do benefício requerido pelo corréu, tendo participado das principais etapas do processo de análise do benefício que resultaram no próprio deferimento e concessão da aposentadoria. Ademais, a fim de corroborar sua participação no processo de análise do benefício, encontra-se acostada sua assinatura em diversos documentos que deram ensejo a concessão da aposentadoria. 5. O crime de estelionato é material, pois para a sua consumação exige-se a produção de um dano efetivo, bem como exige o dolo específico consistente na vontade de fraudar com a obtenção de lucro para si ou para outrem. 6. No caso, a análise do conjunto probatório permite concluir sem sombra de dúvidas e apesar da negativa da denunciada, que ela agiu dolosamente, estando evidenciado que o sucesso da empreitada criminosa somente foi possível em razão de sua atuação, tendo pleno conhecimento sobre as etapas que devem ser percorridas para conceder um benefício de aposentadoria por tempo de serviço especial, conforme infere-se de seu interrogatório prestado em Juízo. 7. A acusada tinha o dever e condições de verificar a veracidade dos documentos apresentados por ocasião do requerimento do benefício, inclusive quanto às informações relativas aos vínculos empregatícios, pois em 09.04.1998 a Divisão de Concessão de Benefícios em São Paulo expediu ofício no sentido de se realizar consulta ao CNISE/CNISCI com o objetivo de confirmar vínculos empregatícios e contribuições dos segurados que apresentassem ao INSS pleiteando qualquer tipo de benefício ou certidão de tempo de contribuição. Ademais, a acusada deveria ter agido diversamente, pois, no caso em questão, o lado pericial, referente ao período compreendido entre 12.01.1982 a 16.08.1997, se reportou apenas a atividade de “fiel de tesouraria“, deixado de analisar as funções de “contínuo de tesouraria“, “caixa júnior“ e “caixa repassador“, o que descaracterizaria a habitualidade e permanência da exposição ao agente agressor para todo o período. 8. Verifica-se que as omissões da acusada não consistiram em meros erros ou negligência, mas numa livre, manifesta e consciente vontade de conceder indevidamente o benefício previdenciário, de maneira que manteve e induziu em erro a Autarquia Previdenciária, pois tinha pleno conhecimento do procedimento a ser adotado nos casos de conversão de tempo de serviço para atividade especial, sendo que a irregularidade dos documentos apresentados exigiam apenas uma simples análise dos mesmos para ser detectada. 9. Dosimetria da pena. 10. No tocante à personalidade, ainda que haja notícia de que inúmeros benefícios foram concedidos indevidamente, esses ensejaram inquéritos policiais e ações penais, sendo vedado utilizá-los para aumentar a pena acima do mínimo legal, quando ausente trânsito em julgado, sob risco de violação do princípio da presunção da inocência, nos termos da Súmula nº 444 do STJ. 11. Quanto à culpabilidade em decorrência do tempo de permanência do delito, considerando que quanto maior a duração do tempo em que alguém recebe indevidamente um benefício previdenciário, maior será o prejuízo causado aos cofres da Autarquia Previdenciária, verifica-se, portanto, que relaciona-se diretamente com as consequências do crime. 12. A concessão indevida do benefício previdenciário resultou no montante de R$ 116.127,68 (cento e dezesseis mil, cento e vinte e sete reais e sessenta e oito centavos), causando consequências gravosas aos cofres previdenciários. 13. A pena-base privativa de liberdade deve ser mantida em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e a de multa aumentada para 53 (cinqüenta e três) dias-multa, de maneira proporcional a outra, como medida suficiente para prevenir e reprimir o crime. 14. Na segunda fase, não havendo atenuantes, reconheço a agravante prevista no artigo 61, inciso II, “g“, do Código Penal, consistente no cometimento do crime com violação a dever inerente ao cargo público por todas elas ocupado, pelo que majoro em 1/6 (um sexto) a pena-base, do que resulta na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão e 61 (sessenta e um) dias-multa. 15. Na terceira fase, deve incidir a causa de aumento de 1/3 (um terço), prevista no parágrafo 3º do artigo 171 do Código Penal, por se tratar de estelionato contra Autarquia Pública, o que resulta na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 81 (oitenta e um) dias-multa. 16. O valor unitário de cada dia-multa e o regime inicial de cumprimento de pena devem ser mantidos nos termos da sentença. 17. Cabível a substituição da pena privativa de liberdade, na forma do artigo 44, do Código Penal, tendo em vista a quantidade de penas aplicadas e as condições pessoais da acusada. 18. A pena privativa de liberdade deve ser substituída por duas restritivas de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários-mínimos destinada à União e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade ora substituída, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução. 19. Apelações parcialmente providas para majorar a pena da ré para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 81 (oitenta e um) dias-multa, a qual resta definitiva, devendo ser substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários-mínimos destinada à União e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução, mantida, no mais, a sentença.
Rel. Des. Antonio Cedenho
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