Apelação Criminal Nº 0004909-27.2009.4.03.6119/sp

Penal. Apelação criminal. Tráfico transnacional de drogas: art. 33, caput, c/c art. 40, i da lei 11343/06: direito de recorrer em liberdade: impossibilidade: vedação decorrente de preceito constitucional e de lei especial. Coação ilegal inexistente. Materialidade, autoria e dolo comprovados. Condenação mantida. Dosimetria da pena: natureza e quantidade da droga: função determinante na fixação da pena-base. Cocaína: droga altamente maléfica. Confissão que serviu de fundamento para a condenação: aplicação obrigatória,. Causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da lei 11343/06: inaplicabilidade: provas de envolvimento do réu com organização criminosa: viagens de longa distância e curta duração. Transnacionalidade configurada: conduta de transportar drogas ao exterior: aplicação da causa de aumento do art. 40, i, da lei 11343/06: inexistência de “bis in idem“. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos: negativa. Devolução de passaporte: indeferimento. Ausência de trânsito em julgado do processo: interesse para o feito. 1 - A proibição da liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, decorre da própria proibição de fiança imposta pela Constituição Federal no artigo 5º, inciso XLIII. O artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90 nada mais fez do que atender à norma constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos. 2 . A Lei nº 11.343/2006, que é específica para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no artigo 44 estabelece que os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º e 34 a 37 são insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória. Dispõe ainda o artigo 59 da mesma lei que, nos crimes de tráfico, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória. Contudo, não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes. Sobrevindo sentença penal condenatória, um de seus efeitos é a manutenção da custódia do réu para apelar, o que não constitui ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula 09 do STJ, de forma que eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória, quando outros elementos recomendam a prisão. 3 - A vigência da Lei nº 11.464/07, que deu nova redação ao artigo 2º, II, da Lei 8.702/90 afastando a vedação à liberdade provisória aos crimes equiparados a hediondos, não revogou o disposto no artigo 44 da lei 11.343/06 em relação à liberdade provisória, já que a Lei 11.343/06 se trata de legislação especial, que expressamente veda essa concessão aos acusados de tráfico de drogas, não se havendo que falar que o artigo 44 da lei de drogas foi derrogado tacitamente pela Lei 11.464/2007, ou em inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, uma vez que é fruto da regra constitucional prevista no art. 5º, inc. XLIII da Constituição Federal, e de uma política criminal mais rigorosa de repressão aos crimes de tráfico. 4 - Caso em que o acusado foi preso em flagrante e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. Ademais, trata-se de réu estrangeiro, sem vínculos com o distrito da culpa, com fortes possibilidades de se evadir se for solto, de forma que sua prisão tem por finalidade assegurar o próprio resultado do processo e a aplicação da lei penal, com o cumprimento integral da pena, evitando que venha a se evadir. 5 - Mantida a condenação do réu pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas, diante da comprovação da materialidade e autoria. Réu preso em flagrante no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, quando se preparava para embarcar em vôo com conexão em Dubai/Emirados Árabes e destino final em Akkra/Ghana, trazendo consigo para fins de comércio no exterior, 3.515 g. ( três mil, quinhentos e quinze gramas) de cocaína, que se encontrava em um fundo falso de sua mala, que recebera em Quito/Equador e seria entregue em Abdijan/Costa do Marfim. 6 - Dolo configurado na conduta do réu que, na condição de “mula“, com consciência e vontade, transportava a droga entre países. 7 - O julgador, na individualização da pena, deve examinar detidamente os elementos que dizem respeito ao fato, segundo os critérios estabelecidos pelo artigo 59 do CP. No caso de tráfico de drogas, há ainda que observar o artigo 42 da Lei 11.343/06, o qual determina expressamente que o Juiz, na fixação da pena, deve considerar, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP, a natureza e quantidade da droga, bem como a personalidade e conduta do agente. 8 - Não se considera pequena a quantidade de mais de três quilos de cocaína, se comparada à que é normalmente portada pelo criminoso no tráfico urbano de varejo. Tampouco se há de falar que a cocaína não é tão maléfica ao organismo quanto as demais que são usualmente traficadas. Trata-se de entorpecente que vicia facilmente, sendo alta sua lesividade à saúde dos usuários, pois pode levar a óbito ainda que consumida em pequena quantidade. Por outro lado, a que é normalmente exportada possui grau de pureza altíssimo, sendo misturada a outras substâncias antes da entrega ao consumidor para elevar o rendimento. 9 - Apesar da primariedade e bons antecedentes, o acusado não faz jus à fixação da pena-base no mínimo legal, considerando-se a natureza e quantidade da droga que transportava. Tampouco merece ser elevada, pois fixada em seis anos e seis meses de reclusão, sendo justa e suficiente considerando a primariedade e ausência de antecedentes criminais do réu, em atenção às regras previstas no artigo 59 do CP e artigo 42 da lei de drogas e proporcional à conduta praticada, de maneira a atingir, nessa fase, ao caráter retributivo e preventivo da sanção penal. 10 - Se a confissão se constituir como um dos um dos fundamentos da condenação, deverá incidir obrigatoriamente como atenuante genérica no cálculo da pena, nos termos do art.65, III, “d“, do CP, a fim de reduzir a pena, ainda que não espontânea. Precedentes. Mantida a aplicabilidade, no caso, da circunstância atenuante da confissão (art. 65, III, “d“, do CP), que reduziu a pena para seis anos de reclusão. 11 - Nos crimes de tráfico transnacional de drogas em que há provas de que o réu realizou várias viagens de longa distância e de curta duração, bem como de seu envolvimento com membros de uma organização criminosa, deduz-se que se dedica ao tráfico como meio de vida, razão pela qual não merece a aplicação do benefício. 12 - Mantida a causa de aumento de pena prevista no art. 40, I, da Lei 11.343/06. A transnacionalidade do tráfico restou configurada, pois comprovado que o réu trazia consigo a droga, transportando-a do Equador ao Brasil e iria levá-la novamente ao exterior. Não há se falar em “bis in idem“ pela combinação da conduta “exportar“ com a aplicação dessa majorante, que deve incidir em todas as modalidades de condutas previstas no art. 33 da lei de drogas e tem como objetivo a punição com maior rigor a atividade dos agentes que apresentam culpabilidade mais acentuada, pelo fato de realizar a traficância entre países distintos. Ademais, no caso, o réu foi condenado pela conduta de trazer consigo a droga, e não a de exportar. 13 - Mantida a pena do réu em 7 (sete) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e ao pagamento de 700 (setecentos) dias-multa, na quantidade e valor estabelecidos pela sentença. 14 - Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, considerando o não preenchimento do requisito objetivo exigido pelo artigo 44 do CP. Ainda que assim não fosse, a substituição não se mostra como medida social recomendável, diante do estímulo para a prática do tráfico de drogas, crime que causa grave lesão ao bem jurídico tutelado (saúde pública), não se mostrando como medida social recomendável e suficiente para a prevenção e repressão do delito. 15 - Apelações a que se nega provimento. 16 - Impossibilidade de devolução do passaporte do réu ao Consulado sul africano. Diante da inocorrência de trânsito em julgado da condenação, o documento pode ser de interesse para o julgamento de eventual recurso.

Rel. Des. Antonio Cedenho

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