APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005480-27.2015.4.03.6106/SP

RELATOR:  DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS -  

PENAL. PROCESSO PENAL. EXTRAÇÃO IRREGULAR DE AREIA. ART. 2º DA LEI 8.176/1991. ABSOLVIÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DA FINALIDADE COMERCIAL DO PRODUTO EXTRAÍDO. REALIZAÇÃO DE TESTE NA EMBARCAÇÃO. IN DUBIO PRO REO. ART. 55 DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS. MATERIALIDADE E TIPICIDADE DA CONDUTA CARACTERIZADAS. ABSOLVIÇÃO DE UM DOS DELITOS NO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. DELITO REMANESCENTE QUE COMPORTA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ABERTURA DE VISTA AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA EVENTUAL PROPOSTA DO BENEFÍCIO DO ART. 89 DA LEI FEDERAL 9.099/1995. SÚMULA 337 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APELAÇÃO DEFENSIVA PARCIALMENTE PROVIDA.- Para a caracterização do delito do art. 2º da Lei nº 8.176/1991, a matéria-prima deve ter sido explorada sem a autorização do órgão competente, vale dizer, sem (ou em desacordo com) a autorização emitida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral-DNPM, autarquia federal instituída pela Lei nº 8.876, de 02.05.1994, que, em seu art. 3º, estatui: a autarquia DNPM terá como finalidade promover o planejamento e o fomento da exploração e do aproveitamento dos recursos minerais, e superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional, na forma do que dispõe o Código de Mineração, o Código de Águas Minerais, os respectivos regulamentos e a legislação que os complementa, competindo-lhe, em especial: (...) III- acompanhar, analisar e divulgar o desempenho da economia mineral brasileira e internacional, mantendo serviços de estatística da produção e do comércio de bens minerais; VI - fiscalizar a pesquisa, a lavra, o beneficiamento e a comercialização dos bens minerais, podendo realizar vistorias, autuar infratores e impor as sanções cabíveis, na conformidade do disposto na legislação minerária; (...) IX - baixar normas e exercer fiscalização sobre a arrecadação da compensação financeira pela exploração de recursos minerais, de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição Federal(...). - In casu, restou devidamente demonstrado que o réu NATAL TENORIO DA SILVA era o responsável pela atividade de lavra que estava em curso em área próxima ao porto, fora dos limites autorizados pela Licença de Operação n. 5100511 (fls. 08/10), outorgada à empresa "Mineração Água Vermelha Ltda.".- Com relação à finalidade do produto extraído, o r. juízo sentenciante, ao condenar o acusado pelo delito do art. 2º da Lei nº 8.176/1991, não logrou encontrar indícios de que a extração de areia no local irregular estava sendo efetuada com fins econômicos. Sua condenação deu-se com base no argumento de que o dolo necessário ao tipo penal é genérico e, portanto seria "irrelevante a existência ou não de finalidade comercial".- Ocorre que, existe posicionamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o crime de usurpação de produto ou matéria-prima da União exige, para sua configuração, a finalidade comercial do produto extraído, não bastando a mera extração mineral sem a devida autorização, devendo restar demonstrado, portanto, o fim lucrativo da extração (...), isto é, para o enquadramento da conduta no tipo do art. 2º, não basta a mera configuração de extração mineral sem a devida autorização, exigindo-se, ainda, a utilização comercial ou venda do produto; em outras palavras, a finalidade especial de exploração de matéria-prima a caracterizar usurpação contra o patrimônio da União (in PAULSEN, Leandro, Crimes Federais, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 183). Precedente.- Com relação à finalidade comercial do produto extraído, entendo não ter restado comprovada no caso concreto, o que desautoriza sua condenação no delito do art. 2º da Lei nº 8.176/1991. Ainda que não haja prova contundente de que efetivamente não havia um objetivo comercial, não se pode ignorar o relato de mais de 07 (sete) testemunhas reafirmando que, no dia dos fatos, se estava realizando um teste com a embarcação para simplesmente para aderir-se automaticamente à versão acusatória de que a extração de areia estava sendo feita no local com fins de comercialização. Ademais, o réu manteve a mesma versão dos fatos, tanto no inquérito policial, como perante o juízo.- Ressalto que não desconheço o contexto probatório indiciário que pesa em desfavor do réu, porém, considero de maior relevo a certeza que deve pairar sobre a decisão do julgador ao condená-lo. A prova indiciária quando indicativa de mera probabilidade, como ocorre in casu, não serve como prova substitutiva e suficiente de autoria não apurada de forma concludente no curso da instrução criminal.- As teses da defesa acerca da ausência de materialidade e atipicidade da conduta do art. 55 da Lei de Crimes Ambientais, por sua vez, restaram isoladas nos autos e não se mostraram críveis.- Primeiramente, a alegação defensiva no sentido de que a extração de areia não se havia iniciado, tratando-se tão somente de meros atos preparatórios, portanto, impuníveis, não se mostrou verossímil. Tanto os policiais ambientais que participaram da fiscalização, como os próprios funcionários da empresa foram enfáticos ao alegar que a extração de areia em local indevido já havia iniciado quando da chegada da polícia. Com tal constatação, afasta-se, ademais, a alegação defensiva de crime impossível pelo fato de a embarcação em questão ostentar um furo. O reconhecimento da hipótese de crime impossível requer a absoluta ineficácia do meio ou absoluta impropriedade do objeto (inteligência do art. 17 do CP), o que não se verificou in casu, tanto que a areia já havia, inclusive, começado a ser extraída.- Mesmo ao considerar-se como verdadeira a alegação de que se estava realizando um teste e não a exploração econômica da areia, há a perfeita subsunção ao tipo penal do art. 55 da Lei de Crimes Ambientais. De fato, para a caracterização de tal delito, pouco importa qual era a destinação a ser dada à areia, inclusive, se tal areia fosse eventualmente devolvida ao riacho, sendo necessário tão somente o perigo ao bem jurídico tutelado de proteção ao meio ambiente, independentemente, inclusive, da ocorrência de efetivo dano. Isto porque o art. 55 da Lei nº 9.605/1998 trata-se de delito formal, de perigo abstrato, bastando para as suas configurações que o agente tenha iniciado as atividades de extração irregular. O dano ao meio ambiente consiste em mero exaurimento do crime. Precedentes.- Consigno, por fim, que, no trato das questões que envolvem o meio ambiente, deve-se ter extrema cautela com a aplicação do princípio da insignificância, devendo esta ficar reservada a situações excepcionalíssimas, em que sejam ínfimas a ofensividade e a reprovabilidade social da conduta. Com efeito, na natureza, nada é isolado ou independente, tudo depende de tudo e se relaciona com tudo, de modo que um dano que, isoladamente, possa parecer ínfimo, pode se revelar capaz de alcançar todo um ecossistema, por exemplo. Ademais, não se deve perder de vista que o escopo da norma é impedir a atitude lesiva ao meio ambiente, devendo-se evitar que a impunidade leve à proliferação de condutas a ele danosas. O objetivo é proteger não apenas as gerações presentes, mas também as futuras (inteligência do art. 225, caput, da CF), de modo que a aplicação do princípio da insignificância deve se restringir a casos efetivamente diminutos.- A conduta do acusado, portanto, mostra-se típica, e amolda-se perfeitamente ao tipo penal do art. 55 da Lei de Crimes Ambientais.- Considerando-se que na presente Apelação o acusado foi absolvido da imputação prevista no art. 2º da Lei nº 8.176/1991, remanescendo tão somente a imputação do art. 55 da Lei de Crimes Ambientais, cuja pena prescrita é de 06 (seis) meses a 01 (um) ano de detenção, é de rigor que seja oportunizada a manifestação do Ministério Público Federal sobre o eventual cabimento do benefício da suspensão condicional do processo previsto no art. 89 da Lei Federal nº 9.099/1995.- Nesse sentido, diversos precedentes, inclusive das C. Cortes Superiores, já se manifestaram para declarar a nulidade das sentenças que, ao mudar a classificação jurídica da denúncia ou absolver parcialmente o réu da imputação inicialmente prevista, deixaram de dar vista dos autos ao Ministério Público Federal passando diretamente à condenação e dosimetria da pena de delitos que, em tese, fazem jus aos benefícios da Lei nº 9.099/1995.- Válido frisar que o fato de a absolvição do delito do art. 2º da Lei nº 8.176/1991 ter se operado tão somente em grau de recurso não impede que, em esse momento, seja concedida a possibilidade de suspensão condicional do processo. Precedente.- Válido mencionar que as teses defensivas com relação ao art. 55 da Lei de Crimes Ambientais combatidas no presente voto atingiam a materialidade e tipicidade da conduta e, portanto, precediam a análise da eventual aplicação do benefício previsto no art. 89 da Lei nº 9.099/1995. Por tal razão, ainda que não se deva adentrar, por ora, ao mérito quanto ao delito remanescente sem antes conferir a possibilidade de manifestação do Ministério Público Federal sobre a suspensão condicional do processo, mostrava-se necessário que sua tipicidade fosse perquirida na presente Apelação.-Assim, devem os autos ser remetidos ao r. juízo de origem com posterior encaminhamento ao Ministério Público Federal para que se manifeste acerca da possível pertinência de oferecimento da suspensão condicional do processo, atentando-se ao prazo prescricional, ficando, por ora, prejudicado o exame das razões do apelo que se referem à eventual condenação quanto ao delito do art. 55 da Lei nº 9.605/1998.- Apelação defensiva parcialmente provida.

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