RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO -
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. OMITIR INFORMAÇÃO. CONTRIBUINTE OMISSO EM DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO ESPECÍFICO. FRAUDE. ADMISSIBILIDADE DA TIPIFICAÇÃO. CASUÍSTICA. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. OMISSÃO DE RECEITA. TIPICIDADE. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ANTECEDENTES CRIMINAIS. CULPABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. ATENUANTE DA CONFISSÃO. CAUSA DE AUMENTO DO ART. 12, I, DA LEI N. 8.137/90. CONTINUIDADE DELITIVA. PENA DE MULTA. VALOR DO DIA-MULTA. 1. Embora a mera inadimplência, ainda que aí seja incluída aquela decorrente da obrigação acessória, não configure ipso facto o crime de sonegação, é necessário verificar, caso a caso, se o contribuinte omisso na entrega da declaração de rendimentos objetiva, por meio dessa omissão, fraudar o fisco, de sorte a jamais recolher o tributo devido: a omissão, nessa hipótese, resolve-se em mero estratagema fraudulento e é portanto alcançado pelo tipo do inciso I do art. 1º da Lei n. 8.137/90. 2. A existência de valores creditados em conta corrente ou investimentos em instituição financeira sem a adequada comprovação de origem configura o delito de sonegação fiscal. 3. A fraude encontra-se consubstanciada na não apresentação da declaração de rendimentos da pessoa física nos anos-calendário de 2001 e 2002, sopesada a significativa quantia movimentada nas contas bancárias fiscalizadas 4. Materialidade, autoria e dolo comprovados. 5. Verificados os apontamentos criminais em nome do acusado, juntados às fls. 57/58, 117/121, 125/128, 130 e 173 e em consulta ao sistema informatizado da Justiça Federal de primeira instância, extrai-se que, no tocante à Ação Criminal n. 2004.61.81.006316-0, que tramitou perante a 2ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Crimes de Lavagem de Dinheiro de São Paulo (SP), versando sobre a prática do delito do art. 22 da Lei n. 7.492/86, já se deu o trânsito em julgado para a acusação, como para a defesa, com registro em sistema em 23.05.17, sendo determinada a expedição de guia de recolhimento para o início da execução da pena, com registro em sistema em 06.03.18, de modo que é adequada sua utilização para valoração da personalidade do acusado, conforme estabelecido na sentença. 6. Os delitos de sonegação fiscal foram perpetrados mediante o uso de 3 (três) instituições financeiras nacionais (HSBC, Unibanco e BankBoston) e de 1 (uma) instituição financeira estrangeira localizada nos Estados Unidos (JP Morgan Chase), em cujas contas transitaram valores milionários, o que enseja valoração negativa das circunstâncias do delito, conforme assinalado na sentença. 7. O valor do débito constituir circunstância judicial passível de ensejar a exasperação da pena-base do delito de sonegação fiscal (STJ, AGARESP n. 201300501322, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo, Des. Conv. do TJ/PE, j. 24.03.15; HC n. 201400942633, Rel. Min. Ericson Maranho, Des. Conv. do TJ/SP, j. 18.12.14; RESP n. 200901397670, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. 20.06.13; HC n. 201001879839, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 07.05.13; HC n. 200602476529, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 08.05.07; TRF 3ª Região, ACR n. 00037483820114036110, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 27.04.15; ACR n. 00156227920044036105, Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva, j. 25.11.14; EIFNU n. 01039128519944036181, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 21.11.13; ACR n. 00088818120074036181, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 28.05.13). 8. A jurisprudência considera inadmissível bis in idem valorar negativamente a gravidade do dano na primeira fase da determinação da pena-base como circunstância judicial (CP, art. 59, caput) e, depois, também, como causa de aumento (Lei n. 8.137, art. 12, I) (STJ, HC n. 200602476529, Min. Rel. Gilson Dipp, j. 08.05.07; TRF 3ª Região, ACR n. 04006814619964036103, Juiz Fed. Convocado Márcio Mesquita, j. 04.12.07; TRF 2ª Região, ACR n. 200650020003508, Des. Fed. Vigdor Teitel, j. 18.08.10; TRF 4ª Região, ACR n. 200271000166146, Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 28.03.07; TRF 4ª Região, ACR n. 200004010006151, Des. Fed. Élcio Pinheiro de Castro, j. 20.08.03). 9. O fato de o acusado ser estrangeiro, por si só, não constitui critério hábil a influir na fixação da pena-base. A alusão que a sentença faz à indiferença do acusado com relação à legislação brasileira tributária, o qual confessou que não apresenta declaração de rendimentos às autoridades fazendárias desde 1983, é que merece ser sopesada, como indicativo de maior culpabilidade do acusado. 10. A majoração da pena-base com fundamento nas circunstâncias judiciais relativas às circunstâncias do crime, suas consequências e personalidade do acusado não obsta se considere, em grau recursal, a circunstância judicial relativa à culpabilidade do acusado, tendo em vista que o fato que rende ensejo à valoração desfavorável da culpabilidade foi sopesada na sentença, na apreciação das penas (cfr. fl. 454v.), não implicando o reconhecimento de reformatio in pejus. 11. Presente a atenuante do art. 65, I, do Código Penal, tendo em vista que o acusado contava com mais de 70 (setenta) anos, na data da sentença (cfr. fl. 455), redimensionada a redução respectiva para 1/6 (um sexto), o que perfaz 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. 12. Reconhecida a continuidade delitiva em decorrência da prática da sonegação fiscal por 2 (dois) anos fiscais consecutivos (2001 e 2002), nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, (CP, art. 71), reduzido o aumento respectivo para 1/6 (um sexto), totalizando 4 (quatro) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. 13. Não procede a alegação da defesa de que se incorreu em bis in idem na sentença "ao fazer considerações sobre o número de condutas e o valor global do prejuízo para justificar a exasperação da pena-base e, ao mesmo tempo, na terceira fase da dosimetria da pena, considerar tais vetores, por ocasião da incidência das causas de aumento da continuidade delitiva e do artigo 12, I, Lei 8137/90" (fl. 477v.), considerando que o número de condutas e o valor do dano não foram valorados na primeira fase da dosimetria, nada obstando a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 12, I, da Lei n. 8.137/90 em razão do montante sonegado, valorado apenas na terceira fase da dosimetria, bem como do aumento relativo à continuidade delitiva, que é uma ficção jurídica que reduz a pena decorrente do concurso material em razão de os delitos terem sido perpetrados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução. 14. Dado que tanto a pena privativa de liberdade quanto a pena de multa sujeitam-se a critérios uniformes para a sua determinação, é adequada a exasperação proporcional da sanção pecuniária (TRF da 3ª Região, EI n. 0004791-83.2006.4.03.6110, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 16.02.17; TRF da 3ª Região, ACR n. 0002567-55.2013.4.03.6102, Des. Fed. Cecilia Mello, j. 20.09.16; TRF da 3ª Região, ACR n. 0003484-24.2012.4.03.6130, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 11.04.16). Sendo assim, a pena de multa deve ser reduzida para 21 (vinte e um) dias-multa. 15. Mantido o arbitramento do valor unitário do dia-multa nos moldes estipulados na sentença, em montante equivalente a 5 (cinco) salários mínimos, considerados os critérios de fixação da pena de multa previstos no art. 49, § 1º, do Código Penal, aumentado até o triplo, em conformidade com o disposto no art. 60, § 1º, do Código Penal. 16. Ante à redução da pena privativa de liberdade, estabelecido o regime inicial semiaberto, em conformidade com o disposto no art. 33, § 2º, b, do Código Penal. 17. Inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, tendo em vista que não foram preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal. 18. Mantida a prisão cautelar do acusado, pelos fundamentos utilizados na sentença (cfr. fl. 455v.), observando-se o recolhimento em estabelecimento prisional adequado. 19. Parcialmente provido o recurso de apelação da defesa.
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