Penal - estelionato contra a previdência social - recebimento de benefício por parte outrem após a morte do beneficiário - justa causa para a ação penal - princípio da insignificância - não aplicação - dolo da conduta - manutenção em erro, mediante fraude, ardil ou artifício - vantagem ilícita em prejuízo à autarquia e segurados - art. 171 do código penal - subsunção da conduta ao tipo penal - continuidade delitiva - pena mantida - improvimento do recurso. 1. No período de março de 2004 a março de 2006, na cidade de Limeira, o acusado, agindo de forma livre e consciente, obteve para si vantagem ilícita, consistente no recebimento de aposentadoria por invalidez, em prejuízo da Previdência Social, mantendo-a em erro, ao não comunicar ao órgão previdenciário o falecimento do segurado titular do benefício, ocorrido no dia 15 de março de 2004. 2. Inquérito policial que lastreou denúncia instaurado a partir de procedimento administrativo encaminhado pelo INSS, dando conta de que terceira pessoa estava recebendo o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez do segurado, mesmo após o seu óbito. 3. O benefício foi recebido mensalmente, de forma indevida, no período de março de 2004 a março de 2006, visto que o segurado faleceu em 15 de março de 2004, causando prejuízo aos cofres da Previdência Social no valor de R$ 9.739,32 (nove mil, setecentos e trinta e nove reais e trinta e dois centavos). 4. A materialidade do crime é inconteste, diante do procedimento administrativo levado a efeito pela repartição do Ministério da Previdência Social. 5. Inicialmente, o benefício de aposentadoria indevidamente recebido pelo acusado foi concedido ao seu pai que veio a falecer em 15 de março de 2004 (certidão de óbito acostada aos autos), passando a ser recebido pelo acusado, conforme demonstrativo acostado aos autos. 6.A afirmação do desconhecimento da necessidade de aviso ao órgão não aproveita ao réu, pessoa esclarecida, para o fim de eximi-lo de responsabilidade pelo delito. 7. Na qualidade de procurador do seu pai, providenciou o réu toda a documentação necessária ao pedido de benefício por invalidez, não se podendo crer na versão apresentada de inconsciência da ilicitude da conduta. 8. Nenhuma prova foi produzida no sentido de confirmar a orientação do advogado que o acusado citou em seu depoimento como aquele que o aconselhou a continuar recebendo o benefício, mesmo após a morte de seu pai, prova que lhe incumbiria, diante da norma prevista no art. 156, do Código de Processo Penal. 9. Restou evidente a existência de dolo na conduta, em face do conhecimento da necessidade de comunicação do falecimento do beneficiário aos órgãos públicos que o acusado omitiu para possibilitar a continuidade daqueles recebimentos. 10.Também demonstrado o dolo com a renovação do cartão magnético a ser utilizado para o saque das quantias referentes ao benefício e a assinatura aposta na carta de recebimento, como o próprio acusado admitiu. 11.Há justa causa para a ação penal, uma vez que, à evidência, tratam os autos de crime praticado contra a Previdência Social, demonstrada a materialidade delitiva e autoria, não socorrendo ao réu a tese de aplicação do princípio da insignificância que não se aplica ao presente caso, em face da objetividade jurídica visada pela norma. 12. A Previdência Social é entidade que ampara toda a sociedade e seu patrimônio pertence a todos os trabalhadores, de modo que a conduta prejudicial não haveria de ser acobertada pela insignificância, diante da dimensão das suas consequências. 13. O tipo penal a que se subsome a conduta é o de estelionato com recebimento de vantagem indevida, em prejuízo alheio, mediante artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento. O ardil consistiu na própria omissão da informação ao órgão autárquico do evento morte que faria cessar o direito ao recebimento do benefício e ainda o uso de cartão bancário pertencente à pessoa falecida como se próprio fosse, a evidenciar o animus delitivo, elemento subjetivo do crime. 14. Não socorre ao réu a alegação de tratar-se do crime previsto no art. 169, caput, do Código Penal de apropriação havida por erro, caso fortuito ou força da natureza, cujo objeto material é a coisa desviada acidentalmente, o que aqui não se trata. 15. Manutenção da condenação tal como fundamentada na sentença. 16. Não há que se entender pela habitualidade delitiva e, sim, pela continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal) tal como classificada a conduta na denúncia. 17. O réu recebeu o benefício em prestações continuadas e subsequentes havidas da primeira, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução e derivadas da mesma espécie. Não se trata de habitualidade do agente que faz do crime um meio de vida ou “profissão“. 18. A continuidade delitiva é ficção que beneficia o agente, porque os crimes posteriores são havidos como desdobramentos do primeiro, não incidindo o concurso material de delitos com soma de penas. No caso dos autos, os recebimentos mensais do benefício não se revestiram de natureza autônoma, mas sim, de ações advindas das anteriores, em face dos mesmos desígnios das condutas praticadas, ou seja, enquanto a entidade previdenciária pagasse o valor dos benefícios, o réu, em tese, estaria disposto a recebê-lo, valendo-se da vantagem anteriormente concedida em forma de pagamento da parcela por parte do instituto previdenciário, o que viabilizaria a perpetuação das condutas subsequentes até que a ação delitiva fosse descoberta. 19. Não há qualquer reparo a ser feito na reprimenda fundamentadamente imposta. 20. Por fim, os pleitos referentes à aplicação da circunstância da confissão espontânea e substituição por penas alternativas não cabem na apelação, pois foram providências adotadas na sentença. 21. Improvimento ao recurso.
Rel. Des. Luiz Stefanini
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