Apelação criminal - tráfico internacional de entorpecentes - materialidade comprovada - excludente de culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa não demonstrada - pena-base mantida acima do mínimo legal - inaplicabilidade da circunstância atenuante da confissão - internacionalidade do tráfico comprovada - inocorrência de bis in idem - inaplicabilidade das causas de diminuição de pena previstas no artigo 24, § 2º, do código penal e no artigo 33, § 4º, da lei nº 11.343/2006 - constitucionalidade da pena de multa - impossibilidade de substituição por penas restritivas de direitos e de recorrer em liberdade - regime prisional inicial fechado corretamente fixado -apelação improvida. 1. Réu condenado pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo - em 109 (cento e nove) cápsulas por ele ingeridas -, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 1.967g (um mil novecentos e sessenta e sete gramas) - peso líquido - de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar. 2. Materialidade comprovada pelo auto de apresentação e apreensão; laudo preliminar de constatação; exame químico toxicológico e interrogatório do réu, oportunidade na qual confessou que ingeriu as cápsulas contendo entorpecente. As perícias toxicológicas, de um modo geral, são realizadas por amostragem, sem que tal modo de proceder retire a credibilidade da conclusão pericial, de modo que eventuais divergências deveriam ter sido demonstradas pela defesa e não apenas alegadas em sede recursal. Ora, é inconcebível a suposição da defesa de que do conteúdo das 109 (cento e nove) cápsulas expelidas pelo réu, num total de 1.967g - peso líquido - de substância em pó, apenas e tão somente os 5g retirados aleatoriamente e enviados para a realização do exame químico toxicológico, conteriam substância entorpecente, ao passo que todo o material restante transportado clandestinamente pelo réu, dentro de seu organismo, com idênticas características físicas aos da amostragem, consistiria em mero pó inofensivo, de natureza diversa da constatada pela perícia. 3. Não há a menor demonstração da condição financeira adversa do réu, alegada de forma genérica pela Defensoria Pública, como motivo “justificador“ da narcotraficância à conta de “estado de necessidade“ (ofensa ao artigo 156 do CPP). É absolutamente impossível - à conta de clamorosa imoralidade - a tentativa de emprestar juridicidade para a narcotraficância transnacional que vitima milhões de pessoas no mundo todo, sob o pálio do enfrentamento de agruras econômicas. 4. Pena-base mantida acima do mínimo legal à vista da quantidade da nefasta droga apreendida (quase dois quilos de cocaína), bem como da eleição de audacioso, doloroso e perigosíssimo método de ocultação, consistente na ingestão de 109 (cento e nove) cápsulas de cocaína, a demonstrar elevado grau de culpabilidade, já que a forma de ocultação da droga em seu próprio corpo - com risco de morte - evidencia que o acusado aceitava até esse desfecho letal no afã de perpetrar a traficância. 5. A confissão traduziu-se em admissão da autoria impossível de ser negada, diante da prova inequívoca do transporte da droga pelo réu, dentro de seu organismo, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP. Nesse sentido, a jurisprudência do STF vem repelindo o reconhecimento da atenuante nos casos de prisão em flagrante (HC 102002/RS, rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 09-12-2011 PUBLIC 12-12-2011; HC 101861/MS, rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 13/4/2011, DJe-085 DIVULG 06-05-2011 PUBLIC 09-05-2011; HC 108148/MS, rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 7/6/2011, DJe-125 DIVULG 30-06-2011 PUBLIC 01-07-2011 de 1/7/2011). Além disso, o réu agregou à confissão tese defensiva consistente na incomprovada excludente de culpabilidade relativa ao estado de necessidade exculpante, sendo irreconhecível a confissão espontânea na conduta do agente que admite conduta criminosa incontrovertível, mas no mesmo ato aduz causa excludente do injusto da prática criminosa. 6. Não há que se cogitar da ocorrência de bis in idem, como inutilmente almeja a defesa diante do frágil argumento de que o verbo “exportar“, contido no caput do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, já conteria a causa da internacionalidade. É que o crime previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/06 caracteriza-se como tipo penal misto alternativo, e o réu foi denunciado e posteriormente condenado pela conduta de trazer consigo substância entorpecente destinada à exportação para a Angola, e não pela conduta de exportar droga. 7. Não há que se suscitar da aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, eis que não se afigura nada razoável, nem aceitável, expor a risco a saúde pública, bem jurídico tutelado pela norma penal, em prol de uma temporária melhora na situação financeira do réu, que não comprovou sequer um fato concreto que demonstrasse a sua necessidade. O conjunto probatório carreado aos autos conduz a inafastável ilação de que o motivo propulsor da atuação criminosa do réu foi a obtenção de dinheiro fácil. 8. A pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior mediante promessa de recompensa evidentemente age animada pela affectio de pertencer a uma organização criminosa. O réu, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbido de receber a droga do fornecedor, transportá-la dentro de seu organismo, devendo entregá-la ao destinatário em Angola, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma. Ademais, o modus operandi do transporte - ingestão de cápsulas contendo a droga - está a revelar a participação de outras pessoas na dinâmica criminosa, permitindo enxergar o pertencimento do réu a grupo criminoso. Nesse sentido, a jurisprudência do STF vem reconhecendo a quantidade de droga e as circunstâncias em que cometido o narcotráfico para fins de afastamento do benefício do § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06: HC 111954, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 10/04/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-082 DIVULG 26-04-2012 PUBLIC 27-04-2012; HC 107605, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 03/04/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-085 DIVULG 02-05-2012 PUBLIC 03-05-2012; HC 103118, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 20/03/2012, DJe-073 DIVULG 13-04-2012 PUBLIC 16-04-2012. 9. O preceito secundário do tipo penal em questão prevê a cominação cumulativa da pena privativa de liberdade e da multa, sendo a imposição desta última, portanto, de caráter obrigatório. Não existe em nosso ordenamento jurídico positivo disposição legal que permita ao juiz “isentar“ os réus da pena de multa em razão da alegada penúria dos mesmos. Trata-se, portanto, de pedido juridicamente impossível, cujo acolhimento implicaria em ofensa ao princípio da legalidade. In casu, o número de dias-multa foi fixado nos termos da legislação em vigor, sendo que no que concerne ao seu valor unitário, o magistrado sentenciante sopesou a capacidade econômica do réu, presumindo-a precária, tanto que o fixou no mínimo previsto em lei. 10. A pena de multa é de aplicação indiscriminada a qualquer traficante, seja nacional ou estrangeiro, que seja condenado no Brasil, não se vislumbrando sentido algum na argüição da inconstitucionalidade da pena de multa sob o frágil argumento de que “impediria“ que o traficante alienígena retornasse ao seu país de origem antes de solvê-la. É que diante do princípio da igualdade (artigo 5º, inciso XLVI, da CF) não se pode privilegiar o estrangeiro em detrimento do nacional, conferindo-lhe uma pena mais doce do que ao brasileiro. 11. Incabível a substituição por pena alternativa em razão da quantidade de pena privativa de liberdade fixada, que excede o limite disposto no inciso I do artigo 44 do Código Penal. 12. É entendimento cediço que ao condenado por crime de tráfico ilícito de entorpecentes é negado o direito de recorrer em liberdade, máxime se o agente respondeu preso a todo o processo em razão de prisão em flagrante - exatamente a hipótese sub judice - ou de prisão preventiva, não havendo de se cogitar em ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula nº 09 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Precedentes. 13. O regime prisional inicial fechado atende aos ditames contidos na Lei nº 11.343/06 e está de acordo com o disposto no artigo 33, § 3º, do Código Penal, sendo incabível a fixação de regime de cumprimento de pena menos severo. 14. Apelação improvida.
Rel. Des. Paulo Domingues
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