Penal - processual penal - artigo 1º, inciso ii da lei 8.137/90 - omissão de registro de operações de compras e vendas à receita federal não lançados em livros fiscais da empresa - autoria e materialidade do delito amplamente comprovadas - não exigência de prova pericial contábil - elemento subjetivo específico (dolo) - dolo genérico - prova do “animus rem sibi habendi“ - desnecessidade - alegação de desconhecimento da lei - inescusável - inexigibilidade de conduta diversa nos crimes de sonegação fiscal - dificuldades financeiras - não cabimento - extinção da punibilidade por adesão ao programa de parcelamento do débito - inadmissibilidade por exclusão da empresa do programa de parcelamento e ausência de pagamento integral do débito - trancamento da ação penal antes do término do procedimento administrativo-fiscal - independências das instâncias administrativa e penal - procedimento administrativo-fiscal já encerrado há mais de dois anos antes da prolação da sentença - dosimetria da pena - pena-base majorada em primeiro grau em decorrência de circunstância judicial negativa - vulto do “quantum debeatur“ - consequências do delito - possibilidade - impossibilidade de redução do patamar da causa de aumento em decorrência da continuidade delitiva, ex officio - ausência de pedido expresso da defesa nesse sentido - possibilidade de conhecimento de ofício somente de matérias de ordem pública - recurso da defesa desprovido - recurso do mpf parcialmente provido apenas para majoração da pena-base e substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos. 1- A materialidade delitiva está sobejamente comprovada pelo farto conjunto probatório, sobretudo o procedimento administrativo fiscal. 2- É possível inferir que a empresa “DISTRIBUIDORA FARMACÊUTICA MARÍLIA LTDA“, no período de janeiro de 1997 a setembro de 1998 omitiu receitas “face à ausência de registro das operações de compras e vendas em livros fiscais“. 3. Da mesma forma, o Relatório Fiscal oriundo da Delegacia da Receita Federal em Marília/SP (fls.47/51 do apenso), notícia que fora diligenciado junto aos fornecedores da empresa “DISTRIBUIDORA FARMACÊUTICA MARÍLIA LTDA“, sendo constatado a falta de escrituração de 385 (trezentos e oitenta e cinco) pagamentos relativos a compras não registradas efetuadas no período de 01.01.1997 a 30.09.1998. Apurou, ainda, que as duplicatas que possuíam o dígito final “98“ referiam-se às vendas com regular emissão de notas fiscais, porquanto as duplicatas que possuíam o dígito final “05“ ou “5“ referiam-se às vendas sem emissões de notas fiscais, de forma que não foram contabilizadas pelo contribuinte. Por fim, depreende-se do relatório que houve compensação indevida de prejuízos fiscais, pois em “31/12/96 a contribuinte registrava R$ 339.700,92 de prejuízos a compensar (doc. De fls. 180). Tal prejuízo foi totalmente absorvido nos 1º, 2º e 3º Trimestres/97 pelo lucro real e pelas infrações constatadas no presente lançamento (demonstrativo de fls. 17/20). Como a contribuinte compensou prejuízos a partir do 4º Trimestre/97, impõe-se a glosa de tais compensações, vez que todos os prejuízos foram compensados até o 3º Trimestre/97.“ 4. Destarte, diante das irregularidades encontradas, foi lavrado auto de infração relativo ao Imposto de Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ, Programa de Integração Social - PIS, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLLL e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS. 5. Contudo, após o regular trâmite do processo administrativo-fiscal nº 13830.000790/99-51, o Primeiro Conselho de Contribuintes e a Câmara Superior de Recursos Fiscais afastaram integralmente a tributação oriunda da omissão de vendas, mantendo somente as contribuições do PIS e da COFINS decorrentes da omissão de compras, asseverou, nesse sentido, a decisão administrativa final (fls. 319/342). Desta feita, resta amplamente comprovada a materialidade do crime ora sob análise. 6. O crime ora em apreço dispensa exame pericial, pois as provas materiais colhidas, foram hábeis a formar um juízo de convicção, bem como a proporcionar o exercício da ampla defesa. Ademais, é cediço que não se exige a prova pericial para comprovação da materialidade do delito nos crimes que não deixam vestígios, como é o caso dos autos. Outrossim, é irrelevante a obtenção de eventual lucro para se configurar os crimes em questão, não havendo, assim, o que se falar em cerceamento de defesa. Precedente da 2ª Turma desta E. Corte. 7. A autoria delitiva está igualmente comprovada, pois os elementos de prova trazidos aos autos apontam o acusado OSVALDO FERNANDES DE SOUZA como autor das infrações penais descritas na denúncia. 8. Com efeito, o réu, quando interrogado (fls.28/31), afirmou que a gerência da empresa “DISTRIBUIDORA FARMACÊUTICA MARÍLIA LTDA“, era exercida exclusivamente por ele. 9. É possível inferir do Contrato Social da referida empresa (fls. 131/134), que a gerência era exercida exclusivamente pelo sócio OSVALDO FERNANDES DE SOUZA, conforme expresso na cláusula terceira. Deste modo, diante do acima exposto, tem-se como comprovada a autoria e materialidade do delito fiscal em análise. 10.Verifica-se do conjunto probatório a presença do elemento subjetivo do crime ora em comento, qual seja, o dolo genérico consistente na vontade livre e consciente de omitir valores à Receita Federal, caracterizada pela falta de escrituração de pagamentos efetuados, relativos a compras não registradas, bem como a partir das Planilhas de Recebimento preenchidas pelos vendedores da referida empresa, vez que tinha real consciência de estar reduzindo os tributos devidos. Precedentes do Colendo STJ e desta E. Corte Regional. 11. Do mesmo modo, o fato do apelante alegar desconhecimento das normas jurídicas é inescusável face ao cometimento do delito, não o isentando de qualquer responsabilidade criminal. 12. Por outro lado, se considerarmos a remota hipótese de que o apelante desconhecia as normas jurídicas e técnicas do seu ramo de atividade, tal desconhecimento caracterizaria a existência de dolo eventual, pois mesmo tendo dúvidas sobre o valor real a ser declarado, agiu assumindo os riscos da produção do resultado, qual seja, o reconhecimento da declaração feita a menor dos valores tributáveis e o conseqüente dano ao erário. 13.De igual maneira, é de se ressaltar que, nos crimes de sonegação fiscal é incabível a alegação de dificuldades financeiras como forma de justificar determinada conduta tida como criminosa, tornando-se inexigível conduta diversa para a hipótese, excluindo-se assim a culpabilidade pelo referido ato criminoso. Tal entendimento consiste no fato de crimes dessa natureza não consubstanciarem um inadimplemento puro e simples, mas sim o pagamento, a menor, de tributos devidos utilizando-se de artifícios a ludibriar os órgãos de fiscalização e arrecadação de tributos. Precedente desta E. 5ª Turma. 14.No que tange a alegação da defesa de que a punibilidade dos crimes estaria extinta, pois, o débito foi parcelado através dos programas REFIS I e PAES, sendo certo que parte dele (jan/97 a fev/98) foi paga, bem como que de acordo com o art. 83 da L. nº 9.430/95 a ação penal não poderia ser manejada antes do término do processo administrativo instaurado para apurar os fatos, melhor sorte não assiste ao acusado. 15. É suspensa a pretensão punitiva estatal e o curso do prazo prescricional, referente ao crime previsto no art. 1º, inciso II da L. nº 8.137/90, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente estiver incluída no parcelamento, sendo certo que o pagamento integral do débito fiscal, após o início da ação fiscal, configura causa extintiva da punibilidade, nos termos do artigo 9º, da Lei nº 10.684/2003. Igualmente estabeleceram os artigos 68 e 69, ambos da Lei nº 11.941/09, relativamente ao parcelamento dos débitos que especifica que há suspensão da pretensão punitiva estatal e do prazo prescricional dos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, bem como, extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. 16. No presente caso, a contribuinte “DISTRIBUIDORA FARMACÊUTICA MARÍLIA LTDA.“ efetuou, junto à Receita Federal, pedido de parcelamento. Porém, como se pode observar do teor do Ofício nº 781 da Delegacia da Receita Federal em Marília (fls.457), a referida empresa foi excluída do regime de parcelamento denominado Parcelamento Especial - PAES, instituído pela Lei nº 10.684/03, com efeitos a partir de 29.08.06. No mesmo sentido é o Ofício nº 1082 (fls. 694) oriundo do mesmo órgão, informando que a contribuinte em questão deixou de concluir a última etapa do parcelamento que trata a Lei nº 11.941/2009, restando o pedido de parcelamento cancelado. 17. Conclui-se, portanto, que não há que se falar em extinção da punibilidade pelo pagamento. Precedentes da Corte Excelsa e desta E. 5ª Turma. 18. Por outro lado, o artigo 83 da Lei nº 9.430/96 estabelece apenas o momento em que a autoridade tributária deverá necessariamente comunicar o fato delituoso ao Ministério Público Federal, o qual pode promover a ação penal independentemente da representação fiscal, desde que possua elementos relativos suficientes da autoria e prática delitivas. Precedentes desta E. Corte. 19. Ademias, como bem salientado pela i. Procuradora Regional da República, em seu parecer (fls.641/648), quando o feito foi sentenciado o processo administrativo-fiscal já havia terminado há mais de dois anos. 20. Resta sobejamente confirmada a prática pelo apelante OSVALDO FERNANDES DE SOUZA da conduta tipificada no artigo 1º, inciso II, da Lei nº8.137/90. 21. A continuidade delitiva (artigo 71, do Código Penal) deve ser reconhecida, considerando-se a ofensa ao mesmo bem jurídico, e as mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução. Decreto condenatório mantido. 22. Dosimetria da pena. A pena-base foi fixada pelo MM. Juiz singular em seu patamar mínimo, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa, por considerar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal favoráveis ao réu. 23. Porém, consoante aduzido pelo Parquet Federal, as conseqüências do crime foram gravosas, tendo o réu ocasionado a supressão de tributos (PIS e COFINS) no valor de R$149.850,88, na data da autuação fiscal (27.05.1999- fls. 01/04 do apenso), causando prejuízo ao Erário. Precedente desta E. Corte. 24. Assim sendo, nos termos do artigo 59, do Código Penal, a pena-base deve ser exacerbada para 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, por ser medida suficiente para prevenção e repressão do crime. 25. Restou evidente, portanto, que a prova acusatória se mostra hábil a fundamentar um juízo de condenação, impondo-se a manutenção da decisão condenatória de primeiro grau e a majoração da pena-base cominada na sentença, tal como pedido pelo Ministério Público em suas razões de apelo [fls.533/540]. 26. Não há circunstâncias agravantes ou atenuantes na segunda fase da dosimetria da pena. Divergência quanto a redução, ex officio, do percentual da causa de aumento, fixado em primeiro grau, na terceira fase da dosimetria da pena. 27. Divergência apenas acerca da redução da pena, de ofício, realizada pelo E. Relator, ao entender que o quantum do aumento de pena em decorrência da continuidade delitiva era demasiado, razão pela qual, efetuou a redução, de ofício, da causa de aumento de pena prevista no artigo 71 do Código Penal. 28. O Relator dava parcial provimento ao recurso ministerial no que tange a majoração da dosimetria da pena aplicada na r. sentença condenatória de primeiro grau, majorando a pena-base aplicada, reconhecendo que as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal são parcialmente desfavoráveis ao réu, em razão das consequências do crime, tendo o réu ocasionado grande prejuízo aos cofres públicos. No entanto, quanto a causa de aumento em decorrência da continuidade delitiva, ele reduzia o patamar aplicado pelo juiz de primeiro grau para um percentual menor, de 1/5 [um quinto]. 29. O MM. Juiz a quo fixou, na primeira fase da dosimetria da sanção, a pena-base em seu patamar mínimo legal em virtude de circunstâncias judiciais favoráveis [pelo fato do réu possuir bons antecedentes e não ter personalidade voltada à prática de crimes], à luz do artigo 59 do Código Penal, o que resultou na pena de 02 (dois) anos de reclusão, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa. Na segunda fase, não houve o reconhecimento de circunstâncias agravantes ou atenuantes. Já, na terceira fase, houve o aumento decorrente da continuidade delitiva, aumentada a pena no patamar de 2/3 (dois terços), resultando na pena definitiva de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, porém, equivocadamente manteve o pagamento de 10 (dez) dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por apenas uma pena restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade a ser definida pelo Juízo das Execuções Penais, pelo mesmo tempo de duração da pena corporal substituída (fl. 520). 30. Tal pena aplicada em primeiro grau foi inicialmente agravada pelo E. Relator, ao reconhecer, na primeira fase da dosagem da pena, que uma das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal era desfavorável ao réu, qual seja, as graves conseqüências do crime, tendo o réu ocasionado a supressão de tributos (PIS e COFINS) no valor de R$ 149.850,88 [cento e quarenta e nove mil, oitocentos e cinqüenta reais e oitenta e oito centavos], causando grande prejuízo ao Erário, circunstância judicial negativa, apta a autorizar a fixação da pena-base acima do mínimo legal, aumentando a pena corporal em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão, mais o pagamento de 11 (onze) dias-multa, atendendo à pretensão ministerial [Apelo ministerial de fls.533/540). Em seguida na ausência de circunstâncias agravantes ou atenuantes, na terceira fase da dosimetria da pena, porém, ele entendia que o aumento da continuidade delitiva fixado pelo juiz foi exacerbado, razão pela qual reduziu o percentual para 1/5 [um quinto], levando em conta o número de infrações cometidas, o que resultaria numa pena definitiva de 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 12 (doze) dias de reclusão, mais o pagamento de 13 (treze) dias-multa. 31. Anoto que a redução do quantum do aumento de pena em razão da continuidade delitiva foi realizada de ofício, pelo I. Relator, sem haver pedido expresso da defesa O recurso da defesa [fls.551/623] limita-se a pedir a absolvição do apelante por não restar configurada a materialidade delitiva e a intenção dolosa do agente em fraudar o Fisco, e, não houve pedido alternativo ou subsidiário, não se insurgindo a defesa quanto a dosimetria da pena fixada em primeiro grau (fls.509/521), não havendo pedido expresso de redução do quantum do aumento de pena em decorrência da continuidade delitiva. 32. A defesa do apelante postulou, em apertada síntese: a) a absolvição, pois, não estaria comprovada a materialidade delitiva ante a ausência de perícia contábil, que havia sido indeferida pelo juiz sentenciante, caracterizando cerceamento de defesa; b)- o reconhecimento da extinção da punibilidade do crime, pois, o débito foi parcelado através dos programas REFIS I e PAES, sendo certo que parte do débito [jan/97 a fev/98] foi pago; c)- a ação penal não poderia ser deflagrada antes do término do processo administrativo instaurado para apurar os fatos - art. 83 da L. nº 9.430/95. 33. Não é cabível o exame da sentença na parte em que a defesa não se insurgiu quanto a dosagem da pena aplicada, não tendo a sentença, nesse ponto específico, sido hostilizada em suas razões de apelo. 34. Em respeito ao princípio tantum devolutum quantum appellatum, não é possível a alteração, de ofício, dos critérios utilizados pelo juiz na dosimetria da pena, pois não é dado ao julgador inovar no julgamento do recurso, no que diz respeito a matéria não trazida a discussão por ocasião da apelação. 35. É que somente as matérias de ordem pública podem ser conhecidas de ofício pelo julgador, como é o caso, verbi gratia, de nulidades, de prescrição, etc. 36. Assim, com a majoração da pena-base, levada a cabo pelo Relator, para 02 anos e 3 meses de reclusão, mais o pagamento de 11 dias-multa e com a manutenção da causa de aumento prevista no art. 71 do CP, no patamar fixado em primeiro grau, resta a pena do réu OSVALDO FERNANDES DE SOUZA definitivamente fixada em 03 (três) anos e 09 (nove) meses, mais o pagamento de 18 (dezoito) dias-multa. 37. Recurso da defesa desprovido. Recurso ministerial parcialmente provido, para majorar a pena-base aplicada em primeiro grau e substituir a pena privativa de liberdade cominada ao réu, por duas penas restritivas de direito.
Rel. Des. Antonio Cedenho
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