Apelação Criminal Nº 0007835-76.2002.4.03.6102/sp

Penal - processual penal - apropriação indébita previdenciária - artigo 168-a do código penal - parecer ministerial acolhido - reconhecimento da prescrição - decretação da extinção da punibilidade de parte das condutas - autoria, materialidade e dolo comprovados - crime formal - prova do “animus rem sibi habendi“ - desnecessidade - inexigibilidade de conduta diversa não comprovada - recurso do réu improvido. 1. O réu deixou de repassar à Previdência Social as contribuições descontadas de seus empregados nos períodos de 07/95 a 12/98; 07/95 a 12/96; 01/98 a 08/01. A peça acusatória foi recebida em relação ao acusado GUSTAVO ISHIWATARI em 13/07/2005. Consoante preceitua o artigo 110, § 1.º do Código Penal, depois de transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação, a prescrição regula-se pela pena aplicada. 2. Fixadas as penas no mínimo legal, e não levando em conta a exacerbação pela continuidade delitiva, como determina a lei penal, há que se decretar a extinção da punibilidade do réu, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, já que a pena de 02 (dois) anos de reclusão prescreve em 04 (quatro) anos, conforme previsto no artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal prazo já restou ultrapassado em relação as condutas perpetradas antes de 13/07/2001, não subsistindo, mais, em favor do Estado, o direito de punir. Ressalte-se que, em relação as condutas perpetradas a partir de 13/07/2001 em diante, permanece o direito de punir do Estado. 3. Quanto à alegada inconstitucionalidade da figura contida no artigo 168-A, do Código Penal, em razão de prever prisão civil por dívida, trata-se de matéria já pacificada pela jurisprudência de nossos Tribunais, uníssona em afastar qualquer violação a Lei Maior. 4. Os valores relativos às contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e não repassadas ao INSS não constituem dívida do empregador em relação ao órgão previdenciário, até porque tais valores jamais lhe pertenceram, mas, sim, aos empregados, segurados do ente público. Tal conduta, em razão de sua evidente reprovabilidade, merece a punição prevista na lei penal. Jurisprudência : HC 98.03.042733-4 - SP, rel. Des. Suzana Camargo, DJ 17/11/1998, p. 311. 5. Nenhum preceito constitucional deixou de ser observado pelo legislador penal, ao eleger critérios para diferenciar condutas na implementação da política criminal. Assim, a norma é claramente compatível com o devido processo legal, em sua perspectiva material, sendo razoável e proporcional aos fins que almeja. Com efeito, no dispositivo em comento não se pune o não pagamento da contribuição que é devida pelo sujeito ativo, em razão de sua atividade empresarial. O que está em jogo é a contribuição que ele descontou do pagamento efetuado a segurados, seus empregados, a terceiros ou arrecadada ao público. Algo que se descontou do ALHEIO, não algo que é da própria responsabilidade do agente. 6. A materialidade delitiva restou amplamente demonstrada por intermédio da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito (NFLD) nº 35.412.439-0 e dos Discriminativos de Débito e demais documentos que a acompanham, além dos documentos constantes da Representação Fiscal para Fins Penais. 7. A autoria delitiva também está amplamente demonstrada nos autos, haja vista que GUSTAVO ISHIWATARI tinha o dever legal de proceder aos recolhimentos das contribuições previdenciárias, descontadas das folhas de pagamento de seus funcionários,pois, além de figurar como sócio no contrato social com expressivo percentual do capital social, exercia atos de gerência na empresa Restaurante do Anfiteatro Ltda-ME, conforme restou comprovado durante a instrução processual, evidenciando-se, assim, a inquestionável responsabilidade penal do apelante. 8. Na própria versão dos fatos apresentada pelo apelante, tanto na fase em que foi ouvido como testemunha do Juízo, antes de figurar como réu, como na fase posterior, ele confirma que cuidava da parte contábil da empresa juntamente com seu pai (corréu no feito desmembrado). O depoimento da testemunha do Juízo Palmira dos Santos Nascimento, que trabalhou na empresa, também traz a certeza da responsabilidade do acusado. 9. O apelante tinha o poder de decisão sobre os assuntos pertinentes a pagamentos dos débitos previdenciários, situação suficiente a demonstrar o dolo, ao menos genérico, que imbuiu sua conduta, quando optou pelo desconto das contribuições na folha de pagamento aos empregados e nas notas fiscais, e não as repassou à Previdência Social. 10. A conduta típica prevista no artigo 168-A do Diploma Penal, tem natureza formal e se consuma quando o agente deixa de recolher, na época própria, os valores das contribuições previdenciárias descontados de seus empregados, ou seja, trata-se de crime omissivo próprio. Assim, para a configuração do delito, basta que ele não recolha as importâncias retidas dos empregados, que deveriam ser repassadas ao órgão previdenciário. 11. Não possui nenhuma relevância jurídica o fato de o apelante não ter tomado em proveito próprio o numerário devido à autarquia, eis que mero exaurimento do crime, não sendo exigida a presença do animus rem sibi habendi para a caracterização do delito. 12. Os depoimentos colhidos em interrogatório e na prova testemunhal não têm o condão de justificar, por si só, a retenção dos valores relativos a contribuições dos empregados, que, diga-se de passagem, não pertenciam ao acusado. Precedente: T.R.F. 3ª Região, ACR 1999.61.02.000993-5, Rel. Juíza Marianina Galante, DJU 03/12/2002, p. 588. 13. A comprovação das dificuldades financeiras por que passava a empresa, na época do não recolhimento, era ônus da defesa, que, por sua vez, ao contrário do que ora afirma, não demonstrou a ocorrência da inexigibilidade de conduta diversa. Nos casos de crimes que não envolvam diretamente bens jurídicos relacionados à pessoa natural, faz-se necessária uma maior comprovação da inexigibilidade de conduta diversa, o que deveras não ocorreu nestes autos. 14. Parecer ministerial acolhido para decretar a extinção da punibilidade apenas de parte dos delitos praticados pelo réu GUSTAVO ISHIWATARI, ou seja, em relação as condutas perpetradas antes de 13/07/2001, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos termos do artigo 107, inciso IV, c.c. os artigos 109, V, 110, parágrafos 1º e 2º, todos do Código Penal. Recurso do réu desprovido.

Rel. Des. Ramza Tartuce

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