Apelação criminal. Tráfico internacional de entorpecentes. Ingestão de cápsulas. Direito de recorrer em liberdade. Prejudicado. Estado de necessidade exculpante. Afastado. Dosimetria da pena. Pena-base. Fixada no mínimo legal. Aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da lei n. 11.343/06 no percentual mínimo legal. Regime inicial de cumprimento de pena. Alterado para o semiaberto. Exclusão da pena de multa. Impossibilidade. Substituição da pena privativa de liberdade. Requisitos não preenchidos. Recurso da defesa parcialmente provido. I - Prejudicado o pedido de concessão do direito de recorrer em liberdade, em razão do julgamento do presente recurso. II - A materialidade do delito restou demonstrada pelo auto de apresentação e apreensão, pelo laudo preliminar de constatação e pelo laudo de exame de substância definitivo, os quais atestam que a substância apreendida, com ambos os apelantes, por ocasião do flagrante, trata-se de cocaína. III - A perícia técnica limita-se a pequena quantidade extraída de seu total pela simples inviabilidade de se remeter todo o produto ilícito para exame. Essa exigência inevitavelmente comprometeria a razoável duração do processo, uma vez que a perícia completa da substância apreendida naturalmente demandaria tempo considerável para conclusão, sendo certo que, encontrado o produto da perícia nas mesmas circunstâncias do restante, com idênticas características de odor e aspecto, razão não há para questionamento. A apreensão das 958g e 1396g de cocaína foram devidamente relatadas em Auto de Apreensão, relatando que encontravam-se acondicionadas em 50 e 78 cápsulas ingeridas por cada um dos acusados, dos quais constou a assinatura dos réus, do intérprete e de mais de uma testemunha, inexistindo motivos idôneos para questionar-se esse ponto IV - A autoria e o dolo restaram claros e demonstrados. Os apelantes, no dia 2 de agosto de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, foram presos em flagrante, trazendo em seus estômagos, o primeiro 50 (cinqüenta) cápsulas e o segundo 78 (setenta e oito) cápsulas de cocaína. V - O “estado de necessidade exculpante“, defendido pela teoria diferenciadora e de divergente aceitação doutrinária e jurisprudencial, é fundamentado na inexigibilidade de conduta diversa, requisito sem o qual inexiste culpabilidade. Seus adeptos pregam que se for sacrificado um bem de valor maior ao preservado, deve ser analisado o perfil subjetivo do agente e perquirido se diante de seus atributos pessoais era possível ou não lhe exigir conduta diversa da perpetrada. Em caso negativo, exclui-se a culpabilidade com base no estado de necessidade exculpante. Se, no entanto, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste a punição do crime, podendo o magistrado reduzir a pena. Contudo, nosso ordenamento jurídico adotou a teoria unitária, e assim, ou se trata de causa excludente da ilicitude ou de causa de diminuição de pena. E ainda que assim não fosse, melhor sorte não restaria à defesa, tendo em vista que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência de Gideon Johanness Maartens, pessoa jovem (tinha 38 anos na data dos fatos), com perspectivas de melhora em sua vida. VI - Trata-se de apelantes primários, que não ostentam maus antecedentes, bem como as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são desfavoráveis. A quantidade de cocaína (878g e 1.208g), não considerada de grande monta para os padrões de tráfico internacional, não justifica a majoração da pena-base, que, para ambos os réus, deve ser fixada no mínimo legal. VII - O modo como os apelantes transportavam a cocaína, qual seja, através da ingestão de cápsulas dessa substância entorpecente, transformando-os em mero compartimento de carga, com riscos à própria vida, é fato que ao invés de gerar maior censura social, a minora. VIII - Não merece acolhida a tese da defesa no sentido de que a causa de aumento, decorrente da internacionalidade do delito, já é elemento do tipo, na modalidade “exportar“ e, portanto, não pode ser considerado novamente para fins de majoração da pena, na terceira fase da dosimetria da pena, sob pena de se configurar o bis in idem. Isso porque o legislador, em observância aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, distinguiu o tráfico realizado dentro do território nacional, entre Municípios ou Estados, e aquele que ocorre entre diferentes países, pretendendo, desta forma, punir mais severamente este último, já que afeta o interesse de mais de um país. Ademais, a conduta imputada ao réu foi a de “trazer consigo“ e não a de “exportar“, mais uma razão pela qual não há como deixar de fazer incidir a majorante da internacionalidade, prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06. Deve ser mantido o percentual mínimo de 1/6 (um sexto) da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06 (internacionalidade), vez que presente uma única causa de aumento de pena. IX - Tochukwu John Okonkwo e Lawence Echezona Nwafor são primários e não ostentam maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedicam a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integram organização criminosa, apesar de encarregados do transporte da droga. Ademais, caberia à acusação fazer tal comprovação, o que não ocorreu no caso dos autos. Certamente, estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele. Sendo assim, fazem jus à aplicação da causa de redução de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), devido às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto. X - Considerando que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, deve ser fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, “b“, do Código Penal. XI - O pleito da defesa, concernente à exclusão da pena de multa, é totalmente descabido. Isso porque se o apelante foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 33 da Lei n.º 11.343/06, deve incidir nas penas nele cominadas, quais sejam, pena privativa de liberdade, cumulativamente, com a pena de multa. Trata-se, portanto, de elemento inerente ao tipo penal que não pode deixar de ser aplicado pelo magistrado em razão de eventual estado de miserabilidade do acusado. XII - Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos do art. 44 do Código penal, porquanto a pena privativa de liberdade aplicada supera 4 (quatro) anos de reclusão. XIII - Recurso da defesa parcialmente provido para, reduzindo a pena-base para o mínimo legal, bem como aplicando a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), fixar a pena definitiva de ambos os réus em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor mínimo legal.
Rel. Des. José Lunardelli
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