APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008911-53.2006.4.03.6181/SP

REL. DES. WILSON ZAUHY -  

Penal. Crime contra o sistema financeiro nacional. Artigo 19, caput e parágrafo único da lei nº 7.492/86. Funcionário da caixa econômica federal. Emissão irregular de cpfs. Obtenção fraudulenta de financiamentos. Materialidade delivitiva comprovada. Autoria provada. Dolo configurado. Desqualificação para o crime previsto no artigo 171 do código penal. Impossibilidade. Distinção entre financiamento e empréstimo. Destinações diversas. Enquadramento das operações como financiamento. Dosimetria da pena. Aplicação do artigo 59 do código penal. Culpabilidade. Reprovabilidade social da conduta. Circunstâncias do crime. Bis in idem. Fraude. Elementar do tipo penal. Exclusão do aumento da pena em razão das circunstâncias do crime. Tentativa. Aplicação da respectiva causa de diminuição da pena. Causa de aumento prevista no parágrafo único do artigo 19 da lei nº 7.942/86. Crime cometido em detrimento de instituição financeira oficial. Caixa econômica federal. Enquadramento. Precedentes de tribunais regionais. Continuidade delitiva. Artigo 71 do código penal. Aplicação consoante o número de infrações cometidas. Pertinência. Pena de multa. Proporcionalidade em relação à pena privativa de liberdade. Artigo 72 do código penal. Não aplicação. Arbitramento do valor do dia-multa no mínimo legal. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Impossibilidade. Regime inicial aberto. Manutenção. Ausência de recurso ministerial. Vedação à reformatio in pejus. Decisão proferida pelo plenário do e. Supremo tribunal federal no hc 126.292. Determinação de expedição de ofício ao juízo de origem para instauração de procedimento de execução da pena. 1. A materialidade delitiva encontra-se comprovada pelos documentos constantes do apenso I do inquérito policial, apenso esse consistente de cópia do procedimento administrativo instaurado pela Caixa Econômica Federal para a apuração de responsabilidade quantos aos fatos noticiados. 2. A autoria também restou provada pela referida prova documental e pela oitiva de testemunhas em Juízo, não tendo o réu contraposto prova suficiente em sentido contrário. 3. O acusado agiu com dolo, predeterminando-se para o ato criminoso, tanto assim que se organizou para fraudar documentos e encaminhar pedidos de financiamento, mediante apresentação - e almejada facilitação no procedimento de aceitação pela instituição financeira, por intermédio de sua participação como empregado da CEF - de documentação pessoal dos clientes e dos imóveis (IPTU) cogitados nos processos de financiamento para reforma dos bens, tudo com o fito de obter os financiamentos em detrimento da instituição financeira e do sistema financeiro, o que efetivamente foi alcançado em relação a dois dos contratos agitados nos autos, evidenciando-se a forma tentada nos outros quatro. 4. Não cabe a desqualificação para o crime de estelionato sob o argumento de tratar-se na espécie de empréstimo e não de financiamento. A diferença básica entre as duas operações está na destinação dos recursos liberados: enquanto o financiamento está atrelado ao custeio de operação específica e determinada, o empréstimo prevê a livre aplicação, pelo tomador, do numerário obtido. 5. Embora os contratos visados na ação delitiva sejam intitulados como "mútuo de dinheiro à pessoa física para aquisição de material de construção mediante utilização de cartão magnético no programa Carta de Crédito Individual - FGTS - com garantia acessória", importante constatar que possuem destinação dos recursos especificamente vinculada "à reforma e/ou ampliação do imóvel residencial localizado ..." (item "C"), prevendo a cláusula primeira, parágrafo primeiro que "O(s) DEVEDOR(ES) declara(m) que os recursos serão aplicados no imóvel descrito na Letra 'C' deste contrato". Assim, o contrato retrata a obrigação de empenho do dinheiro em destinação própria e específica, não estando o tomador livre e desembaraçado para utilização dos recursos obtidos em qualquer finalidade. Evidente que se trata na espécie de financiamento a caracterizar a prática do ilícito previsto no artigo 19 da Lei nº 7.492/86. 6. A conduta assumida pelo réu, além de não constituir elementar do crime, elemento subjetivo do tipo ou mesmo qualificadora do delito, implica uma maior reprovabilidade social a justificar a majoração da pena base (em razão da circunstância judicial descrita no artigo 59 do CP: culpabilidade), já que se valeu da função de empregado, portanto abusando da confiança em si depositada pela instituição financeira, para a prática delitiva. Não se trata aqui, como pretende a Defesa, de alçar o réu a uma posição de garantidor das operações realizadas, mas antes de esperar dele a mínima conduta ética para com o seu empregador e para com a função que desempenhava. No entanto, ultrapassando as suas próprias limitações funcionais, até mesmo por não ser, na dicção da Defesa, "o responsável pela análise dos documentos", extrapolou em sua conduta ao encaminhar propostas de financiamento, acompanhadas de documentação previamente coligida e por ele "averiguada" ao setor respectivo tanto da agência em que laborava (Shopping Itaquera) como das demais envolvidas (Itaquera e Guaianazes), tudo com o fito de obter os financiamento de forma ilícita. 7. A fraude - que deve ser entendida de modo aberto como a utilização de qualquer meio suficiente à caracterização do crime - é elementar do tipo penal. O expediente de que se valeu o acusado ao se utilizar do sistema da CEF para inscrição irregular de CPFs configura a própria fraude que se constitui em elementar do crime, não se vislumbrando excesso que escape ao padrão da figura penal, de modo que considerá-la como circunstância judicial para aumento da pena base implica bis in idem repudiado pelo ordenamento. Deve ser expurgada da pena base, portanto, o acréscimo de 3 meses correspondente à ponderação das circunstâncias do crime. 8. Sem agravantes ou atenuantes na segunda fase da dosimetria. 9. Na terceira fase incidem causas de aumento e diminuição da pena. Corretamente o juiz sentenciante aplicou a causa de diminuição referente à tentativa no patamar de 1/3, por considerar que em relação aos clientes encaminhados às agências Itaquera e Guaianazes os delitos ficaram próximos da consumação, somente não se realizando pela ação diligente de empregados da CEF. 10. Ajustada também se mostrou a aplicação da causa de aumento no importe de 1/3 prevista no parágrafo único do artigo 19 da Lei nº 7.492/86 ("se o crime é cometido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento"). Nessa direção, não prospera a alegação da Defesa de que a Caixa Econômica Federal não está abrangida na previsão legal. A CEF é instituição financeira na forma de empresa pública atrelada ao Estado e vinculada, inclusive, ao Sistema Financeiro Nacional, enquadrando-se, à evidência, no tipo penal descrito. Precedentes (ACR 200304010430764, TRF 4ª Região; ACR 200081000304409, TRF 5ª Região). 11. Adequada a aplicação da causa de aumento no importe de 1/2 em razão da continuidade delitiva (artigo 71 do Código Penal), levando em conta o número de infrações, consoante entendimento doutrinário e jurisprudencial assente. 12. Pertinente o cálculo da pena de multa em proporcionalidade à privativa de liberdade, desprezada a dicção do artigo 72 do Código Penal ("No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente"), conforme entendimento jurisprudencial consolidado. Pena definitiva fixada em 3 anos de reclusão e pagamento de 13 dias-multa. 13. Também correto o arbitramento do valor do dia-multa no mínimo legal. 14. A pleiteada substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito não encontra amparo no caso concreto, considerando o quanto disposto no artigo 44, inciso III do Código Penal. 15. O Juízo a quo fixou o regime inicial aberto para cumprimento da pena. Considerada a culpabilidade do réu (artigo 59 do Código Penal), o regime inicial deveria ser o semiaberto. Contudo, tendo em conta a ausência de recurso ministerial para modificação do julgado nesse ponto e a fim de evitar reformatio in pejus, mantida a decisão nesse quesito. 16. Considerando a recente decisão proferida pelo Plenário do E. Supremo Tribunal Federal no HC 126.292, resta determinada a expedição de ofício ao Juízo de origem para que adote as providências cabíveis quanto à instauração do procedimento de execução da pena, no regime inicial aberto. 17. Apelação a que se dá parcial provimento para o efeito de afastar a exasperação da pena decorrente da ponderação sobre as circunstâncias do crime, restando a pena definitiva fixada em 3 anos de reclusão e pagamento de 13 dias-multa.  

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