APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009230-30.2007.4.03.6102/SP

RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA -  

Penal. Artigo 171 , § 3 º, do código penal. Artigo 304, c.c. 297, ambos do código penal. Correlação entre a denúncia e sentença. Preliminar rejeitada. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Laudo pericial. Desnecessidade. Artigo 155, cpp. Autoria e materialidade comprovadas. Dolo comprovado. Circunstâncias judiciais. Dosimetria da pena. Recurso da defesa parcialmente provido. Recurso da acusação parcialmente provido. 1. Não há que se falar em violação ao princípio da correlação entre a denúncia e a sentença em razão de uma eventual discrepância entre as datas em que foram recebidas as prestações do benefício e as datas descritas na denúncia, uma vez que a acusação descreve de forma detalhada os fatos delituosos e as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreram, permitindo aos Réus e seus Ilustres Defensores o conhecimento dos fatos imputados e o pleno exercício do direito de defesa. 2. No que tange ao crime de bagatela, o valor do prejuízo causado ao Instituto Nacional do Seguro Social era de aproximadamente R$ 24.777,40 (vinte e sete mil, setecentos e setenta e sete reais e quarenta centavos) em 01/2007 (fls. 80), o que, por si só, já afasta a aplicabilidade do princípio da insignificância ao caso concreto, eis que o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o parâmetro para aplicação do princípio da insignificância para os crimes tributários é o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) de acordo com a Lei nº 10.522/2002. Inaplicabilidade do aludido princípio ainda na hipótese de estelionato perpetrado contra a Previdência Social . Precedentes. 3. Tampouco há que se falar em ofensa ao disposto no artigo 155, do Código de Processo Penal, uma vez que as provas produzidas administrativamente e na fase inquisitorial que foram utilizadas pelo Juízo a quo para a formação de sua convicção são documentais e foram amplamente corroboradas pela prova testemunhal produzida em Juízo. Ademais, referidas provas foram submetidas ao crivo do contraditório e a defesa não trouxe qualquer elemento que pudesse eivar de dúvida a sua validade ou contrariar o seu teor. 4. A autoria e a materialidade do delito restaram devidamente comprovadas através do Relatório de Informações fornecido pelo INSS (fls. 78/80), pelo Ofício 22/2007 do Cartório de Registro Civil da Comarca de Porecatu-PR (fls. 107), pelo auto de prisão em flagrante (fls. 228/239), pelo Laudo de Exame Documentoscópico-Grafotécnico (fls. 260/268), do processo de concessão do benefício de pensão por morte (fls. 01/119 - autos em apenso), em especial das certidões de óbitos (fls. 07 e 80, dos autos em apenso) e das informações prestadas pelos respectivos cartórios relatando a falsidade das certidões (fls. 61 e 112 dos autos em apenso), dos depoimentos prestados, tanto na fase inquisitorial (fls. 183/185, 190, 207/209), quanto em Juízo (mídias de fls. 395, 414 e 519) e dos interrogatórios dos réus (mídia de fls. 541). 5. A jurisprudência emanada por nossas Cortes Superiores e por essa Corte Regional é firme no sentido da desnecessidade de prova pericial para a comprovação da materialidade do delito, quando essa restar suficientemente comprovada por outros elementos de prova, caso dos autos. 6. A corré Mariquinha Melo da Silva encaminhou-se pessoalmente à Agência do Instituto Nacional do Seguro Social com o fim de obter benefício previdenciário, munida dos formulários de requerimento do benefício de pensão por morte e dos diversos documentos necessários, em especial uma certidão de óbito de seu esposo vivo, não se podendo falar que teria agido sem dolo, considerando que o teor de uma certidão de óbito é de conhecimento notório e por todos conhecido. 7. Ademais, instada pela Autarquia Previdenciária a apresentar defesa no que se refere à falsidade da certidão de óbito, a ré demonstra claramente sua vontade livre e consciente no sentido de continuar usufruindo do benefício previdenciário indevido apresentando nova certidão de óbito espúria, o que afasta por completo as alegações de ausência de dolo. 8. Por sua vez, o réu Dionísio Veiga de Paula, afeito às rotinas e procedimentos existentes na Agência do INSS de Jaboticabal-SP (como se depreende do testemunho de O. O. G. J. - fls. 207/211 e mídia de fls. 395), foi o responsável pelo preenchimento dos formulários de requerimento do benefício de pensão por morte e termo de responsabilidade, bem como teria fornecido, por duas vezes, certidões de óbito falsas, sendo importante destacar que foi o responsável pelo recebimento da correspondência do INSS para a apresentação de defesa ou regularização de documentos, o que determinou a apresentação de um documento falso, do que se pode aferir claramente seu dolo para o cometimento do delito. 9. No que se refere às alegações Defensivas de que a inexistência do dolo se consubstanciaria na ausência de provas de que o Apelante pretendia de obter vantagem para si, a simples leitura do tipo penal em discussão já permite afastá-las, considerando que incide na pratica do delito descrito no artigo 171, § 3º, quem obtém, para si ou para outrem, vantagem indevida em detrimento de entidade de direito público. 10. Ademais, ainda que assim não fosse, resta claro dos autos que o apelante Dionísio Veiga de Paula receberia um percentual dos valores recebidos pela ré Mariquinha Melo da Silva, como se depreende de seu interrogatório de fls. 541, quando afirma que o benefício foi cortado antes que os responsáveis para viabilizar a concessão recebessem o combinado. 11. Essa Egrégia Corte tem entendido que cabe à defesa, nos termos do artigo 156 do CPP - Código de Processo Penal, a comprovação das alegações de que o agente teria agido sem dolo para o cometimento do delito, especialmente nos casos em que o conjunto probatório se mostra firme quanto à existência da autoria, da materialidade e do dolo do agente, como no caso concreto. 12. No que tange à aplicabilidade do princípio da consunção, resta patente, no caso dos autos, que houve a absorção do crime de uso de documento falso pelo crime de estelionato quando da apresentação da primeira certidão de óbito espúria, com o fim de obter irregularmente benefício previdenciário, nos termos da Sumula 17, do Superior Tribunal de Justiça. 13. Por sua vez, a apresentação de uma segunda certidão de óbito falsa, após a notificação intimação do INSS para apresentar defesa ou regularizar a documentação, consubstancia-se em uma conduta autônoma, não passível de aplicação do princípio da consunção, eis que praticada após o delito de estelionato já restar consumado e denota claramente a finalidade de não só continuar a receber o benefício indevido, mas também acobertar a conduta anteriormente praticada, garantindo assim a sua impunidade, do que se pode afirmar que a lesividade do falso não se exauriu no crime de estelionato. 14. Considerando que os delitos ocorreram de forma autônoma, com dolos distintos e em situação de tempo diversas, cumpre aplicar o disposto no artigo 69, do Código Penal, no que tange ao concurso de crimes. 15. A teor da súmula 444, do Superior Tribunal de Justiça, "é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base", razão pela qual a eventual existência de inquéritos policiais ou ações penais em andamento não podem ser consideradas em desfavor dos réus. 16. Recurso da acusação e recursos das defesas parcialmente providos.  

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