Penal. Apelação criminal. Tráfico transnacional de drogas: art. 33, caput, c/c art. 40, i da lei 11.343/06. Materialidade e autoria comprovadas. Laudo pericial elaborado em parte do volume total da droga: regularidade: substância inalterada: materialidade delitiva comprovada. Autoria e dolo inequívocos. Estado de necessidade justificante e exculpante : requisitos não preenchidos. Condenação mantida. Dosimetria da pena: natureza e quantidade da droga: função predominante. Circunstâncias do fato: ingestão: elevação da pena-base. Confissão: prisão em flagrante: irrelevância: fundamento da condenação: manutenção da atenuante: “quantum“: ausência de critérios legais: valoração das circunstâncias e princípios da proporcionalidade, razoabilidade e suficiência para a prevenção e repressão do crime. Transnacionalidade: conduta de “exportar“ drogas: causa de aumento do inc. I do art. 40 da lei 11.343/06: compatibilidade com o núcleo do art. 33 da lei 11.343/06: crime de ação múltipla: inexistência de “bis in idem“. Distância entre países: ausência de provas de distribuição da droga por mais de um pais: aplicação da causa de aumento da transnacionalidade no patamar mínimo. § 4º do art. 33 da lei 11.343/06: inaplicabilidade: “mula“: provas de envolvimento com organização criminosa: exclusão do benefício. Pena de multa: preceito secundário: legalidade. Manutenção. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos: impossibilidade. Direito de recorrer em liberdade: vedação decorrente de preceito constitucional e de lei especial: cf art. 5º, xliii, art. 2º, ii, da lei 8.072/90, arts. 33, § 1º, 34, 37 e 59 da lei 11.343/06. 1 . Comprovadas nos autos a materialidade, autoria e dolo do crime previsto no art. 33, caput, c/c o art. 40, I, da Lei 11.343/06 praticado pelo réu, preso em flagrante no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, quando prestes a embarcar em vôo para Casablanca/Marrocos, trazendo consigo, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo, no exterior, 1.110 g. (mil e cento e dez gramas) de cocaína, contida em 73 (setenta e três) cápsulas que havia ingerido. 2 . Os laudos de exame toxicológico não são realizados na totalidade da droga, mas sim em amostras. A cocaína, quando apresentada na forma sólida, não é uma peça única, mas sim um pó, com diversas partículas compactadas. Ainda que ocorra a mistura de outros elementos químicos, a natureza da substância entorpecente não é alterada. Realizada a perícia em parte do volume, extrai-se o resultado para o todo, não se podendo falar em dúvidas acerca da materialidade do crime. 3 . Estado de necessidade não comprovado, quer como causa de exclusão de ilicitude, quer como causa de redução de pena, diante da falta de comprovação da existência de um conflito entre bens igualmente amparados pela lei, em decorrência de uma situação de perigo que o agente não provocou voluntariamente, nem poderia de outro modo evitar, por não se exigir o perecimento do bem do qual o agente é titular. Meras alegações de dificuldades financeiras, cuja gravidade e intensidade não é possível aferir, não são aptas a atrair a aplicação do estado de necessidade . 4 . Condenação mantida. 5 . O julgador, na individualização da pena, deve examinar detidamente os elementos que dizem respeito ao fato, segundo os critérios estabelecidos pelo artigo 59 do CP. No caso de tráfico de drogas, há ainda que observar o artigo 42 da Lei 11.343/06, o qual determina expressamente que o Juiz, na fixação da pena, deve considerar, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP, a natureza e quantidade da droga, bem como a personalidade e conduta do agente. Apesar da primariedade e bons antecedentes, o acusado não faz jus à fixação da pena-base no mínimo legal, considerando-se a natureza e quantidade da droga que transportava, bem como as circunstâncias do fato. 6 . Não pode ser considerada pequena a quantidade apreendida nestes autos, se comparada às quantidades normalmente portadas pelo criminoso no tráfico urbano de varejo, quando é vendida diretamente aos consumidores pelos pequenos traficantes. Ainda que o réu, na qualidade de “mula“ do tráfico , não decida acerca da quantidade da droga que irá transportar, é inegável que possui consciência, por agir mediante promessa de pagamento, que estava colaborando com a atuação de uma organização voltada ao tráfico de entorpecentes. 7 . A cocaína é tão maléfica ao organismo quanto as demais que são usualmente traficadas, pois vicia facilmente, sendo alta sua lesividade à saúde dos usuários, Por outro lado, a que é normalmente exportada possui grau de pureza altíssimo, sendo misturada a outras substâncias antes da entrega ao consumidor para elevar o rendimento. Pena-base elevada para seis anos de reclusão. 8 . Ainda que o réu seja preso em flagrante e que a autoria criminosa seja conhecida, a atenuante da confissão deve ser mantida quando efetivamente ocorreu e contribuiu para a formação do convencimento do Juiz acerca da autoria delitiva. Precedentes. 9 . Não existem critérios legais para a valoração do “quantum“ a ser aplicado em razão das atenuantes, devendo ser consideradas as circunstâncias dos autos e os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência para a prevenção e repressão do crime, bem como a relevância probatória da confissão. Mantida a atenuante da confissão espontânea no patamar eleito pelo Juiz. Pena reduzida para cinco anos e seis meses de reclusão. 10 . Não se há de falar que a aplicação da causa de aumento de pena do art. 40, I, da Lei de drogas configura dupla punição pelo mesmo fato ante o argumento de que a conduta de “exportar“ está contida no núcleo do art. 33 da Lei 11343/06, que é crime de ação múltipla e prevê a conduta imputada ao réu, a de transportar ou trazer consigo o entorpecente quando estava em vias de embarcar para o exterior. 11. A simples distância entre países não justifica a aplicação da causa de aumento do inciso I do art. 40 da lei de drogas em patamar acima do mínimo, admitindo-se apenas nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior. O legislador previu, nos incisos desse artigo, uma série de causas de aumento de pena, que justificam um aumento variável de um a dois terços, porém não estabeleceu os parâmetros para a quantificação do percentual. O índice de aumento deve ser calculado de acordo com as circunstâncias especificamente relacionadas com a causa de aumento, (e não às do crime), e variar de acordo com a quantidade de majorantes que estiverem presentes, de forma que na incidência de apenas um inciso não se justifica a elevação do percentual mínimo. Caso em que o réu foi preso com a droga ainda em território brasileiro e, em que pese sua intenção de levá-la a outro continente, não está comprovado que pretendesse difundi-la em mais de um país. Mantida a aplicação da causa de aumento em sexto, elevando a pena para 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão e 650 (seiscentos e cinqüenta dias-multa, no valor unitário fixado pela sentença. 12 . Excluída a aplicação da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. Ainda que não se dedique a atividades criminosas e não haja notícias de ter praticado anteriormente algum crime, o réu, ao transportar a droga, integrou, de maneira voluntária, uma estrutura criminosa voltada à prática do tráfico transnacional de drogas, pois promoveu a conexão entre os membros da organização, de forma que não preencheram um dos requisitos necessários para gozar do benefício, que é o de “não integrar organização criminosa“. 13 . A imposição de pagamento de pena pecuniária para os crimes não ofende a proibição constitucional de prisão civil por dívida (art. 5º, LXVII, da CF), uma vez que não se está punindo a inadimplência civil, mas sim a prática de um delito. A aplicação da pena pecuniária decorre do preceito secundário expresso no art. 33 da lei de drogas, previsão legal e incondicional, que incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade , independentemente da situação econômica do réu. 14 . Nos termos do art. 51 do CP, a pena de multa é considerada dívida de valor após o trânsito em julgado da condenação, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, de forma que a pena pecuniária prevista no preceito secundário de um tipo penal não pode ser convertida em pena privativa de liberdade caso não seja paga, cabendo sua execução na forma da legislação tributária, razão pela qual não há possibilidades de que a ré permaneça custodiada por período superior ao da condenação. Pena pecuniária fixada em seiscentos e cinquenta dias-multa, no valor unitário estabelecido pela sentença. 15 . Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. A conversão não se mostra como medida social recomendável, diante do estímulo para a prática do tráfico de drogas, crime que causa grave lesão ao bem jurídico tutelado (saúde pública), sendo insuficiente para a prevenção e repressão do delito. Ainda que se admita a substituição das penas pelo fato de os estrangeiros serem iguais aos brasileiros perante a Constituição Federal, para a concessão será necessário que não estejam em situação irregular no país e que nele possuam residência fixa. 16. O Plenário do STF declarou, através do “habeas corpus“ 97256, pela via incidental, a inconstitucionalidade da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos“ contida no parágrafo 4º do art. 33, da Lei nº 11.343/06, bem como da expressão “vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos“, constante do art. 44 da mesma lei. Contudo, a ordem não foi concedida para assegurar ao paciente a imediata substituição, mas sim para remover o óbice contido na Lei 11.343/06, devolvendo ao Juízo das Execuções Criminais a tarefa de auferir o preenchimento das condições objetivas e subjetivas para a concessão. 16 . Caso em que as particularidades do crime não recomendam a substituição, tendo em vista o grau elevado de culpabilidade do réu, com provas contundentes de que participou de uma organização criminosa complexa. 17 . A proibição da liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, decorre da própria proibição de fiança imposta pela CF, art. 5º, XLIII. O art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90 nada mais fez do que atender à norma constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos. 18 . A Lei nº 11.343/2006, que é específica para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no artigo 44 estabelece que os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º e 34 a 37 são insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória. Dispõe ainda o artigo 59 da mesma lei que, nos crimes de tráfico , o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória. Contudo, não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes. Sobrevindo sentença penal condenatória, um de seus efeitos é a manutenção da custódia do réu para apelar, o que não constitui ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula 09 do STJ, de forma que eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória, quando outros elementos recomendam a prisão. 19 . A vigência da Lei nº 11.464/07, que deu nova redação ao artigo 2º, II, da Lei 8.702/90 afastando a vedação à liberdade provisória aos crimes equiparados a hediondos, não revogou o disposto no artigo 44 da lei 11.343/06 em relação à liberdade provisória, já que a Lei 11.343/06 se trata de legislação especial, que expressamente veda essa concessão aos acusados de tráfico de drogas, não se havendo que falar que o artigo 44 da lei de drogas foi derrogado tacitamente pela Lei 11.464/2007, ou em inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, uma vez que é fruto da regra constitucional prevista no art. 5º, inc. XLIII da Constituição Federal, e de uma política criminal mais rigorosa de repressão aos crimes de tráfico . 20 . Caso em que o acusado foi preso em flagrante e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. Ademais,é estrangeiro, sem vínculos com o distrito da culpa, com fortes possibilidades de se evadir se for solto, razão pela qual sua prisão tem por finalidade assegurar a aplicação da lei penal e o próprio resultado do processo, com o cumprimento integral da pena. 21 . Apelação da defesa a que se nega provimento. 22 . Apelação ministerial a que se dá parcial provimento para majorar a pena-base e não aplicar a causa de redução do § 4º, da Lei 11.343/06, fixando a pena do réu definitivamente em seis anos e cinco meses de reclusão e seiscentos e cinquenta dias-multa.
Rel. Des. Luiz Stefanini
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