Apelação Criminal Nº 0011110-48.2006.4.03.6181/sp

Penal - processual penal - quadrilha - artigo 288, cp - roubo - art. 157, § 2º, incisos i e ii cp - princípio da identidade física do juiz - inépcia da denúncia - transcrição - interceptações telefônicas - desnecessidade de novo interrogatório - fundamentação da sentença - autoria e materialidade delitivas comprovadas - prova testemunhal - validade - uso de arma de fogo - concurso de agentes - artigo 59 código penal - circunstâncias judiciais desfavoráveis - súmula 444 stj - artigo 70, código penal - incidência - artigo 71, parágrafo único, código penal - juízo das execuções penais - prisão cautelar - requisitos presentes - pagamento de indenização - impossibilidade - recursos das defesas parcialmente providos - recurso ministerial parcialmente provido. 1. A sucessão de magistrados no processamento e julgamento do feito decorreu de circunstâncias necessárias à administração da justiça, sendo certo que a movimentação dos juízes na titularidade da Vara não poderia acarretar a suspensão do processo, privilegiando a identidade física do juiz, em detrimento da celeridade processual, alçada à condição de garantia constitucional, especialmente em ação penal com diversos réus presos. Aplicação subsidiária do artigo 132, do Código de Processo Civil. 2. A denúncia descreveu, suficientemente, a conduta imputada aos apelantes, que se reuniram previamente para a prática reiterada de delitos e, em concurso de agentes e mediante grave ameaça pelo uso de arma de fogo, subtraíram para si ou para outrem, valores da agência Nossa Senhora do Sabará, da Caixa Econômica Federal, na data de 04 de julho de 2006. 3. Os acontecimentos circunstanciais, assim como a participação de cada um dos agentes se revelaram, de forma completa, no decorrer da ação penal, tendo sido amplamente observados o contraditório e a ampla defesa, não se podendo falar em qualquer prejuízo às defesas ou em existência de nulidade, nos termos do artigo 563, do Código de Processo Penal. 4. Todo o conteúdo das interceptações telefônicas foi disponibilizado às partes, o que garantiu o acesso irrestrito a todas as informações ali contidas, demonstrando assim total observância dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. 5. Os diversos depoimentos e reconhecimentos realizados se mostraram suficientes para comprovar a incessante atuação da quadrilha, motivo pelo qual as interceptações telefônicas não serão sequer mencionadas por esta Relatora, na fundamentação do voto. 6. Em que pese a imediata aplicabilidade da norma processual que entra em vigor no decorrer do processo, os atos praticados na vigência da redação anterior da norma se revestem de plena validade, nos termos do artigo 2º do Código de Processo Penal. 7. Nenhuma razão assiste à defesa, no que concerne a preliminar de nulidade arguida em face da suposta deficiência na fundamentação da sentença. A r. sentença atacada foi exaustiva em sua motivação. Foram suficientemente apreciadas todas as questões de fato e de direito apresentadas pela acusação e pela defesa. Foram analisados e valorados, com clareza, os elementos de prova, e devidamente sopesados com fundamento no artigo 59 do Código Penal, o que afasta a pretendida nulidade. 8. Preliminares Rejeitadas. 9. A autoria e a materialidade delitivas restaram bem demonstradas pelo Boletim de Ocorrência (fls. 19/23), pelos autos de reconhecimento fotográficos (fls. 83/84, 86/87, 97/98, 99/100, 134/135, 137, 138/139, 141/142, 143/144), pelo Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 360/361), pelos Autos de Reconhecimento Pessoal (fls. 362/363, 365/365, 366/368, 369/370, 371/373, 374/375, 376/377, 378/379, 380/381, 382/383, 384/385), pelos Boletins de Ocorrência de Autoria Conhecida (fls. 387/389, 402/406, 423/425, 426/431), pelo Auto de Prisão em Flagrante (fls. 703/707), pelos Laudos de Exame de Equipamento Computacional (fls. 1445/1447, 1448/1451, 1452/1453, 1587/1598) e pelos diversos interrogatórios e depoimentos prestados nos autos. 10. A prova produzida na fase inquisitorial foi plenamente corroborada em Juízo, onde as testemunhas confirmaram os reconhecimentos efetuados, assim como a lisura do procedimento realizado na fase inquisitorial, restando garantido o contraditório e a ampla defesa. 11. Nos crimes contra o patrimônio, a palavra da vítima assume especial relevância, notadamente quando firmes e harmônicos os depoimentos, como ocorreu no caso presente. 12. Ao contrário do ocorrido com os demais denunciados, o conjunto probatório colacionado contra o apelado Fábio Barbosa dos Santos se mostra frágil, uma vez que ele somente foi reconhecido fotograficamente perante a autoridade policial, sendo certo que as testemunhas, mesmo sendo possível, não o reconheceram pessoalmente, quer seja em sede policial, quer seja em juízo, motivo pelo qual deve ser mantida a absolvição do apelante pela prática do delito de roubo. 13. No que se refere à materialidade do delito, como já se afirmou, restou comprovada pela prova colacionada aos autos, em especial a prova testemunhal e o procedimento administrativo efetuado pela Caixa Econômica Federal. 14. A materialidade do delito de roubo pode ser satisfatoriamente comprovada através de quaisquer elementos de prova idôneos, não havendo que se falar na imprescindibilidade do exame de corpo de delito. 15. Não merecem guarida as afirmações de que haveria a necessidade de apreensão das armas utilizadas para a configuração da causa de aumento previsto no artigo 157, § 2º, inciso II, CP, uma vez que tal fato restou cabalmente demonstrado por meio dos depoimentos claros e firmes juntados aos autos. 16. A majorante prevista no inciso I, do § 2º, do artigo 157, do Código Penal, resta caracterizada em relação a todos os apelantes, mesmo que algum deles não tenha realizado o efetivo uso de arma para intimidar as vítimas, quando do cometimento do delito. Referida causa de aumento tem incidência em decorrência do maior perigo real causado pela conduta criminosa, e, no caso em tela, restou evidente que o uso das armas serviu ao intento de todos os agentes, que as utilizaram para impossibilitar a reação das vítimas. 17. O concurso de agentes para a prática do delito está perfeitamente descrito na denúncia, o que se percebe pela simples leitura da peça inicial, tendo sido confirmado pelo robusto conjunto probatório produzido no decorrer da instrução processual. 18. Não se pode impor ao julgador a classificação do crime efetuada pelo Ministério Público quando do oferecimento da denúncia. 19. Assiste razão ao órgão acusador, quanto alega a ocorrência de ofensa ao patrimônio de mais de uma vítima, devendo ser aplicado o concurso formal de crimes, em decorrência da prática do delito de roubo contra a Caixa Econômica Federal e contra a empresa de vigilância responsável pela segurança da agência Nossa Senhora do Sabará, na data dos fatos. 20. O grau de profissionalismo apresentado pelo bando formado pelos acusados e outros permite afirmar, com total segurança, que os réus possuíam plena ciência de que os vigilantes não faziam parte do quadro de funcionários da Caixa Econômica Federal, e que as armas por eles empunhadas eram de propriedade da empresa contratada para realizar a segurança do banco. 21. O relatório apresentado pela Polícia Federal, de fls.148/162, descreve a existência de vigilantes participando da quadrilha, confirmando a plena ciência por parte dos apelantes sobre o funcionamento do sistema de vigilância do banco e a existência de uma segunda pessoa jurídica atuando na segurança da agência. 22. O roubo das armas dos vigilantes faz parte do modus operandi da quadrilha (que chegou a roubar a mesma agência bancária por duas vezes), o que demonstra claramente a existência, desde o início, do dolo para a perpetração do roubo das armas de fogo da empresa de vigilância, além do roubo dos valores em dinheiro existentes na agência bancária. 23. Os apelantes foram reconhecidos por diversas testemunhas, as quais afirmaram que vários dos réus participaram de mais um assalto à mesma agência bancária, do que se pode afirmar a existência de prévia associação entre eles. 24. O édito condenatório elenca de forma bem elucidativa a prova produzida nos autos, no tocante à existência da prévia associação entre os apelantes para a prática reiterada de delitos. 25. As testemunhas descreveram uma ação criminosa extremamente complexa e ousada, perpetrada com organização e disciplina, do que se pode afirmar que a ação fora cuidadosamente planejada pelos réus, que sabiam exatamente suas funções, sendo certa a prévia associação, com anterior planejamento e divisão de tarefas. 26. Uma vez caracterizada a prévia associação entre os apelantes, o seu reconhecimento como autores de mais de uma ação criminosa, contra a mesma instituição bancária, torna patente a autoria e a materialidade do delito descrito no artigo 288, do Código Penal, como ficou reconhecido na decisão de primeiro grau. 27. No que tange aos apelantes FERNANDO HENRIQUE DELECRODE, LUIZ VIEIRA PANTOJO JÚNIOR, JOSÉ JÚLIO DO NASCIMENTO, PAULO RODRIGUES DA SILVA E ALEXANDRE OLIVEIRA FONSECA, a prova produzida na fase inquisitorial foi corroborada perante o Juízo. 28. De rigor, portanto, a manutenção da sentença no que tange à condenação desses réus também pela prática do delito descrito no artigo 288, e parágrafo único, do Código Penal. 29. Por outro lado, a prova produzida em juízo contra os apelados Fábio Barbosa dos Santos, Fábio Mota Pereira, Peterson Martins Miranda, José Carlos de Oliveira, Adeildo Holanda Monteiro e Ricardo dos Santos não se mostra robusta o suficiente para embasar um édito condenatório pela prática do delito descrito no artigo 288, do Código Penal. 30. Em que pese a importância da prova produzida na fase inquisitorial, é de rigor a sua reprodução perante o Juízo, momento em que serão observados o contraditório e a ampla defesa, nos termos do artigo 155, do Código de Processo Penal, dispositivo que possui especial relevância quando se trata de prova testemunhal, passível de ser refeita durante o contraditório. 31. A existência de inquéritos policiais e processos criminais em andamento não se consubstanciam em circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos da Súmula 444, do Superior Tribunal de Justiça. 32. Não procedem as alegações defensivas sobre a ocorrência de bis in idem na aplicação da agravante decorrente da reincidência e do reconhecimento de maus antecedentes na fixação da pena base, uma vez que há mais de uma condenação contra o apelante Luiz Vieira Pantojo Júnior, tendo sido utilizada uma condenação diferente para cada gravame. 33. No que tange à fixação da indenização prevista no inciso IV, do artigo 387, do Código de Processo Penal, verifico que a Defensoria Pública da União se insurge contra o valor fixado no procedimento administrativo realizado pela Caixa Econômica Federal, adotado pelo Juízo “a quo“ na r. sentença. 34. Tendo em vista que não foi oportunizada aos réus qualquer manifestação sobre os valores fixados, a fixação do valor a ser indenizado deve ser remetida ao juízo cível, a fim de se evitar qualquer alegação posterior de nulidade do feito. 35. Reconhecida a participação dos apelantes em uma quadrilha extremamente organizada e atuante, em especial na prática de delitos de roubo, verifico que a prisão dos apelantes se faz necessária para a manutenção da ordem pública e para a aplicação da lei penal. 36. Quanto ao pedido para a aplicação da continuidade delitiva a outros delitos que foram processados e julgados em feitos diversos, deverá ser direcionado ao Juízo das Execuções Penais, após o trânsito em julgado das ações penais. 37. Recursos interpostos pelo Ministério Público Federal e pelas defesas parcialmente providos.

Rel. Des. Ramza Tartuce

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