APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0011627-63.2001.4.03.6105/SP

REL. DES. MÁRCIO MESQUITA -

Penal. Constitucional. Crime contra a ordem tributária. Lançamento fiscal com base em extratos bancários obtidos mediante quebra do sigilo bancário por ordem judicial. Requerimento do mpf baseado em informações sobre a movimentação financeira obtida diretamente pela receita federal. Licitude da prova. Movimentação financeira. Prova da materialidade e autoria. Coação moral irresistível: não comprovada. Recurso desprovido. 1. Apelação da Defesa contra sentença que condenou o réu como incurso no artigo 1º, I, c.c. o artigo 12, I, ambos da Lei 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal, à pena de 02 anos e 08 meses de reclusão. 2. O artigo 11, §2º, da Lei nº 9.311/1996 fixa a obrigação das instituições responsáveis de prestarem "à Secretaria da Receita Federal as informações necessárias à identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações". 3. A Lei nº 10.174/2001 alterou a redação do referido dispositivo, dispondo que "a Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada a sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições". 4. O artigo da Lei nº 9.430/1996 considera omissão de receita ou rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimentos em relação aos quais o titular não comprove a origem dos recursos, mediante documentação hábil e idônea, quando regularmente intimado. 5. O artigo 8º da Lei nº 8.021/1990 estabelecia que "iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art.38 da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964". 6. A Lei complementar n° 105/2001, revogou o artigo 38 da Lei nº 4.595/1964, que tratava do sigilo das operações efetuadas por instituições financeiras, estabelecendo ainda, que "não constitui violação do dever de sigilo o fornecimento das informações de que trata o §2º do art.11 da Lei nº 9.311". Dispôs ainda que "as autoridades e os agentes fiscais e tributários... somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes à contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente", assinalando que "os resultados dos exames, as informações e documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo" (art.6°, caput e parágrafo único). 7. Estabelece a Constituição, em seu artigo 145, parágrafo 1º, que é "facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte". A legislação referida respeitou os direitos individuais. 8. O sigilo bancário não se encontra ao abrigo da garantia insculpida no inciso XII do artigo 5º da Constituição, que protege as comunicações de dados, bem como as comunicações telegráficas e a correspondência, vedando a interceptação das mesmas, ainda que por ordem judicial, permitindo-se esta apenas para a interceptação de comunicações telefônicas. Não se encontra vedado, contudo o acesso aos dados em si, como também não se encontra impedido o acesso à correspondência já recebida, e aos registros decorrentes das comunicações telegráficas já consumadas. 9. A prosperar a tese de que o acesso aos dados bancários - e não somente a interceptação da comunicação de dados - seja vedada pelo inciso XII do artigo 5º da Constituição, forçoso seria concluir que nem mesmo por ordem judicial seria possível a quebra do sigilo bancário, o que configura se absurdo. Precedente do Supremo Tribunal Federal. 10. A legislação questionada tampouco atinge a garantia constante do inciso X do artigo 5° da Carta. É certo que os dados bancários podem revelar fatos afetos à vida privada e à intimidade das pessoas. Contudo, a legislação assegurou a preservação da privacidade ao vedar a inserção, nas informações a serem prestadas pelas instituições financeiras, de qualquer elemento que permita identificar a origem dos recursos ou a natureza dos gastos. 11. De posse desses dados, que não implicam em invasão da privacidade do correntista, poderão as autoridades fiscais ter acesso aos registros de dados das instituições financeiras, desde que haja processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso, e que o acesso seja considerado indispensável, o que só ocorre se o próprio contribuinte não fornecer à autoridade fiscal os elementos suficientes para verificação ou não da ocorrência de fato gerador a justificar o lançamento de tributos ou contribuições. 12. Constitui-se em mero sofisma a tese de que não ocorre quebra do sigilo em razão da obrigação da autoridade tributária de conservar o sigilo de tais informações. Ainda que conserve o caráter sigiloso, a ampliação do acesso aos dados em questão, que das mãos apenas das instituições financeiras passam também à autoridade tributária, configura evidentemente quebra da do sigilo bancário. 13. Os direitos e garantias individuais, inclusive o direito à privacidade, não se revestem de caráter absoluto, cedendo em razão do interesse público, ou diante de conflitos entre as próprias liberdades públicas, merecendo cuidadosa interpretação, de forma a harmonizar os preceitos, sem que prevaleça um deles, anulando os demais. 14. A legislação questionada respeitou os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, uma vez que restringiu o direito à privacidade apenas na medida em que é necessário à satisfação do interesse na arrecadação tributária, interesse público expressamente prestigiado no parágrafo 1º do artigo 145 da Carta. 15. A quebra do sigilo tampouco está incluída no princípio constitucional da reserva de jurisdição. É certo que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 389808, assentou, por apertada maioria (cinco votos a quatro) que "conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal - parte na relação jurídico tributária - o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte". Contudo, a questão ainda está por ser decidida, pelo próprio Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no RE 601314, pendente de julgamento. 16. Não há que se confundir aplicação imediata da norma com efeito retroativo. A lei nova que regula a matéria de processo administrativo tributário aplica-se imediatamente, ainda que no processo discutam-se fatos anteriores à vigência da lei, não significando isso aplicação retroativa. 17. Tratando-se de norma tributária de natureza procedimental, sua aplicação é imediata, a teor do disposto no artigo 144, §1º, do Código Tributário Nacional. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. 18. A quebra de sigilo bancário foi realizada no curso do procedimento administrativo fiscal para viabilizar a apuração da sonegação fiscal somente após tentativas da autoridade fiscal intimar o contribuinte a apresentar os extratos bancários que deram origem à movimentação financeira. 19. A representação fiscal para fins penais foi instaurada a partir de peças de informação extraídas do mandado de segurança impetrado pelo próprio contribuinte, com o objetivo de obstar o procedimento de fiscalização, tendo o MPF requerido judicialmente a decretação da quebra de sigilo bancário, o que foi deferido, sendo a ação da ação da autoridade tributária, portanto, absolutamente regular. 20. A Terceira Turma deste Tribunal já considerou a legalidade do procedimento adotado pela Receita Federal, por ocasião do julgamento da apelação em mandado de segurança 0003136-67.2001.4.03.6105, com trânsito em julgado. 21. Materialidade delitiva comprovada pela Representação Fiscal Para Fins Penais, em especial pelo termo de verificação e Constatação Fiscal, extrato de movimentação bancária, no qual se apurou a existência de diversos depósitos bancários de valores cuja origem não foi comprovada, tendo o acusado se declarado isento no período. O julgamento do recurso administrativo e ofício da Receita Federal também dão conta da constituição definitiva do crédito tributário, perfazendo um débito fiscal no valor de R$ 750.640,60 e valor consolidado em R$ 2.172.113,68. 22. Autoria comprovada nos autos. Os extratos bancários demonstram uma intensa movimentação bancária para quem se declarou isento do imposto. O acusado foi intimado quando do início do procedimento administrativo fiscal para comprovar a origem do rendimento, mas não o fez. Em juízo, também não produziu qualquer prova capaz de esclarecer a origem da movimentação financeira. 23. O Código Tributário Nacional, em seu artigo 44, estabelece a base de cálculo do imposto sobre a renda e proventos de qualquer naturezacomo sendo "o montante, real, arbitrado, ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis". A Lei 9.430/1996 prevê a possibilidade de a renda arbitrada fundar-se em depósitos bancários efetuados em conta do contribuinte, sem a demonstração da origem dos recursos. Assim, o lançamento por arbitramento é válido, tanto para fins tributários, como para fazer prova da materialidade do crime de sonegação fiscal. 24. Se a autoridade tributária verifica a incompatibilidade entre a movimentação financeira do contribuinte e a renda declarada, e promove o lançamento, apontado a omissão de renda, não é de se exigir que o Ministério Público Federal aponte qual a natureza da renda omitida. Não há como ter o lançamento como válido para fins tributários, mas não válido para fins penais, porque baseado em presunção legal. Seria demais exigir-se que a Acusação investigue e descubra a natureza da renda omitida pelo réu - se tais depósitos foram provenientes de operações de câmbio, ou de trabalho assalariado, de trabalho sem vínculo empregatício, de aluguéis ou de outros rendimentos de capitais. 25. É certo que o Juiz penal não está vinculado à autoridade administrativa e pode, diante de prova em sentido contrário, convencer-se de que a movimentação financeira do contribuinte não constitui renda e, portanto, não obstante estar o crédito tributário definitivamente constituído, entender que não houve sonegação. Contudo, tal prova cabe à Defesa, e não à Acusação. 26. Não se trata de transferência indevida do ônus da prova. A Acusação desincumbiu-se da prova que lhe competia: trouxe aos autos prova de que o réu movimentou valores de grande monta em suas contas correntes, e de que apresentou declarações de imposto de renda absolutamente incompatíveis com os valores da movimentação financeira. O que mais é preciso fazer para provar a sonegação? Dizer de qual atividade provieram os depósitos na conta corrente do réu? Evidentemente que não 27. Ao réu é que caberia provar que, não obstante a absoluta incompatibilidade entre a movimentação financeira e as declarações de rendimentos apresentadas ao Fisco, os valores depositados em conta corrente não constituem renda, afastando assim a presunção legal. E, no caso dos autos, o réu não trouxe qualquer prova firme, apta a abalar o lançamento efetuado. 28. Não há como dar guarida à pretensão de aplicação da excludente de culpabilidade decorrente da coação irresistível, porquanto o acusado não fez qualquer prova da existência da ameaça de dano grave, contra si ou sua família, inevitável e irresistível. 29. O elevado montante do tributo sonegado justifica a aplicação da causa de aumento de pena do artigo 12, inciso I da Lei nº 8.137/1990. Precedentes. 30. Apelação improvida.  

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