Apelação Criminal Nº 0011813-63.2009.4.03.6119/sp

Penal. Processual penal. Tráfico transnacional de drogas: art. 33, caput, c/c art. 40, i da lei 11343/06. Alegação de afronta ao art. 55: prejuízo não comprovado e superado. Preliminar de nulidade processual rejeitada. Materialidade, autoria e dolo comprovados. Coação moral irresistível não configurada. Mensagem virtual como prova: fragilidade. Condenações mantidas. Pena-base: redução: natureza e quantidade da droga: função predominante. Atenuante da confissão: “quantum“ de redução. Discricionariedade do juiz. Delação premiada: impossibilidade de aplicação: ineficácia. Transnacionalidade do tráfico configurada: crime de ação múltipla: consumação: inexigência de resultado naturalístico: modalidade tentada inexistente. Causa de aumento: art. 40, i: acréscimo: distância entre dois países: descabimento. Redução do patamar para o mínimo legal. Causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da lei 11.343/06: inaplicabilidade: provas de envolvimento dos réus com organização criminosa. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos: impossibilidade: requisitos objetivos e subjetivos não preenchidos. 1 . Para que seja declarada a nulidade do processo decorrente da inobservância da oportunidade de o acusado apresentar defesa preliminar antes do recebimento da denúncia ( art. 55, da Lei 11.343/06, que é relativa), impõe-se a demonstração do prejuízo pela parte que a invoca, devendo ser alegada na primeira oportunidade em que a defesa se manifestar nos autos, sob pena de preclusão. Caso em que, embora a nulidade já tenha sido arguida no momento oportuno, a defesa não demonstrou a existência de prejuízo. Ademais, proferida a sentença condenatória, resulta superado eventual prejuízo advindo do vício alegado. Preliminar rejeitada. 2 . Comprovadas nos autos a materialidade, autoria e dolo do crime de tráfico transnacional de drogas praticado pelos apelantes, presos em flagrante no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, quando se preparavam para embarcar em vôo com destino a Amsterdã/Holanda, transportando, oculta do interior das bagagens, para fins de comércio no exterior, 4.722 g. (quatro mil, setecentos e vinte e dois gramas) de cocaína, sem autorização legal ou regulamentar. 3 . Alegação de coação moral irresistível não comprovada. Para ser aceita como excludente de culpabilidade ou atenuante genérica, deve-se comprovar, por elementos concretos, que tenha sido irresistível , inevitável e insuperável; a ocorrência de um perigo atual de dano grave e injusto não provocado por vontade própria ou que de outro modo o agente não poderia evitar, bem como a inexigibilidade de agir de forma diversa à exigida em lei. 4 . Ameaças supostamente veiculadas pela Internet, em “sites“ de convívio social não são aptas a comprovar a coação moral, posto que podem ser facilmente forjadas, sob a proteção de um anonimato que torna difícil o reconhecimento da autoria. 5 . Condenações mantidas. 6 . A natureza e quantidade da droga, bem como a personalidade e conduta do agente, devem ser preponderantes na fixação das penas pelo crime de tráfico: Art. 42 da Lei 11.343/06. Caso em que a natureza da droga é altamente maléfica e a quantidade, ainda que se considere que cada réu transportava a metade do total, não pode ser considerada pequena, justificando a elevação das penas-base em um ano e dois meses de reclusão. Sendo acentuada a culpabilidade dos réus, e os motivos reprováveis, justifica-se a elevação das penas-base em mais sete meses e quinze dias: Art. 59 do CP. Excluído o acréscimo de dez meses, tendo em vista que não restou comprovado o envolvimento anterior dos réus com o tráfico de drogas. Penas-base redimensionadas, totalizando 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e quinze dias de reclusão. 7 . Mantida a aplicação, na pena da ré Emma, da atenuante da menoridade na data do crime, reduzindo a pena para cinco anos e três meses de reclusão. 8 . O CP não determina as hipóteses em que deve ser aplicada a atenuante da confissão, tampouco o “quantum“ da redução da pena, ficando ao critério do Juiz o valor a ser diminuído da pena-base, à vista das circunstâncias constantes dos autos e aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência para a prevenção e repressão do crime. Pena de Emma reduzida para 5 (cinco) anos de reclusão e a de Liam para 6 (seis) anos, 6 (seis) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. 9 . Nos termos dos artigos 8º, § único, da Lei 8072/90, 14 da Lei 9.807/99 e 41 da Lei 11.343/06, para a aplicação do instituto da delação premiada como causa de redução de pena, exige-se um efetivo e eficaz resultado para a identificação dos partícipes, devendo ser reservado para situações de especial colaboração do réu para o desmantelamento de associações criminosas, não bastando simples prestações de informações sem maiores dados indicativos, para que seja considerada eficaz. Caso em que a colaboração dos réus não produziu os resultados exigidos e não justificam a aplicação do benefício. 10 . O caráter transnacional do tráfico restou evidenciado porque o entorpecente seria transportado entre dois países (Brasil e Holanda), devendo incidir a causa de aumento de pena prevista no inc. I do art. 40 da Lei 11.343/06. O art. 33 da mesma lei descreve diversas ações e não admite tentativa em todas elas. Trata-se de crime de ação múltipla, formal, que se consuma no momento em que o agente o pratica, no qual não se exige a ocorrência de qualquer resultado naturalístico, satisfazendo-se com a ação do agente, da qual presume objetiva e absolutamente o perigo. É desnecessária, para sua configuração, a efetiva saída da droga do território nacional, bastando a comprovação de que estava em vias de exportação. A mera distância entre países não é suficiente para justificar a aplicação dessa causa de aumento em patamar superior ao mínimo legal, reservada para os casos em que o entorpecente saia do território nacional para ser distribuído em mais de um país no exterior. Precedentes da Turma. Reduzido o patamar da causa de aumento derivada da transnacionalidade do tráfico para o mínimo legal (1/6). Pena de Emma Louise Dunt fixada em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão. Pena de Liam Thomas St. John Phillips estabelecida em 7 (sete) anos, 7 (sete) meses e 17 (dezessete) dias de reclusão, mantido o regime inicial de cumprimento. 11 . Penas pecuniárias reduzidas nas mesmas proporções, fixadas em 510 (quinhentos e dez) dias-multa para Emma e em 770 (setecentos e setenta) dias-multa para Liam, no valor unitário fixado pela sentença. 12 . Ainda que não se dediquem a atividades criminosas e não haja notícias de terem praticado anteriormente algum crime, os réus agiram na condição de “mulas“ ao transportar a droga a mando de terceiros, Portanto, integraram, de maneira voluntária, uma estrutura criminosa voltada à prática do tráfico transnacional de drogas, pois fizeram parte da conexão entre os membros da organização, de forma que não preenchem um dos requisitos necessários para gozar da causa de redução de pena do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, que é não integrar organização criminosa, razão pela qual não fazem jus ao benefício. 13 . Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, considerando o não preenchimento do requisito objetivo exigido pelo art.44 do CP. Ainda que assim não fosse, a substituição não se mostra como medida social recomendável, diante do estímulo para a prática do tráfico de drogas, crime que causa grave lesão ao bem jurídico tutelado (saúde pública), não se mostrando como medida social recomendável e suficiente para a prevenção e repressão do delito. 13 . Ainda que se admita a substituição das penas pelo fato de os estrangeiros serem iguais aos brasileiros perante a Constituição Federal, para a concessão será necessário que não estejam em situação irregular no país e que nele possuam residência fixa, o que não foi comprovado nos autos. Precedentes. 14 . Preliminar de nulidade do processo rejeitada. 15. Apelação a que se dá parcial provimento, para reduzir a pena-base dos apelantes e o patamar da causa de aumento decorrente da transnacionalidade do tráfico, fixando a pena de EMMA LOUISE DUNT em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 510 (quinhentos e dez) dias-multa e a de LIAM THOMAS ST. JOHN PHILLIPS em 7 (sete) anos, 7 (sete) meses e 17 (dezessete) dias de reclusão.

Rel. Des. Antonio Cedenho

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