RELATOR: DESEMBARGADOR JOSÉ LUNARDELLI -
PENAL. PROCESSO PENAL. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA. CAPACIDADE DE ENTENDIMENTO DO CARÁTER ILÍCITO DOS FATOS E DE AUTODETERMINAÇÃO ATESTADA EM LAUDO MÉDICO. CRIME DE QUADRILHA. CRIME DE CONCUSSÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA. VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE, DAS CIRCUNSTÂNCIAS E DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME DE QUADRILHA. AGRAVANTE DO ARTIGO 61, INCISO II, ALÍNEA G, DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO DA FRAÇÃO. CRIME DE CONCUSSÃO. VALORAÇÃO NEGATIVA DA PERSONALIDADE DO AGENTE. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. CONCURSO MATERIAL. DETRAÇÃO. REGIME SEMIABERTO. INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. APELO DA DEFESA A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.1. Cuida-se de apelação criminal interposta pela defesa de LEE MEN TAK contra decisão que julgou procedente a denúncia, para condenar o réu como incurso nas sanções dos artigos 288 e 316 do Código Penal, à pena total de 7 (sete) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 175 (cento e setenta e cinco) dias-multa, com valor unitário estabelecido em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do crime.2. Aduz a defesa a ocorrência de cerceamento de defesa em razão do indeferimento da realização de nova perícia para aferição da saúde mental e capacidade de autodeterminação do réu à época dos fatos. A questão central a ser dirimida através do laudo pericial consiste em examinar se, ao tempo do crime, o apelante era capaz de entender o caráter ilícito do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento. No incidente de insanidade mental instaurado foi produzido laudo pericial, no qual se registrou que "não há elementos que indiquem abolição ou prejuízo da capacidade de entendimento e autodeterminação do examinando, no momento da ação ilícita da qual é acusado", além de afirmar textualmente que o réu, no período compreendido entre 22 de maio e 17 de setembro de 2009 "não apresentava prejuízo de sua capacidade de entendimento e determinação e era capaz de compreender o caráter ilícito dos fatos". Não restou demonstrada pela defesa nenhuma irregularidade a macular as conclusões da perícia e ensejar o refazimento desta.3. As interceptações telefônicas revelam o prévio ajuste e concertação dos denunciados, com ânimo de permanência e o fim específico de praticar as condutas de descaminho, no mínimo durante o período compreendido entre 22/05/2009 e 17/09/2009, comprovando à saciedade as alegações formuladas pela acusação na peça exordial. Assim, mantenho a condenação do réu pela prática do crime previsto no artigo 288 do Código Penal, na redação vigente à época dos fatos.4. A interceptação telefônica registrou conversa na qual o réu exigiu vantagem patrimonial de comerciante para excluir seu estabelecimento de uma operação policial.5. O crime de concussão tem natureza formal, que prescinde do efetivo recebimento da vantagem para sua consumação ou do encaminhamento desta para finalidades ímprobas, bastando, como ocorreu no caso, a exigência da vantagem indevida pelo funcionário público.6. É igualmente prescindível que a vítima conhecesse quais as funções exercidas pelo réu no Ministério Público do Estado de São Paulo, sendo suficiente que ela soubesse que ele trabalhava em um órgão público de persecução e tinha proximidade com policiais, e tivesse receio de sofrer operação policial, com apreensão de bens e fechamento de sua loja.7. O objetivo de obter vantagem indevida é claro, de modo que todas as circunstâncias fáticas evidenciam o dolo da concussão. De rigor, portanto, a manutenção da condenação do réu pela prática do delito do artigo 316 do Código Penal. Passo à dosimetria.8. Dosimetria do crime do artigo 288 do CP. Valoração negativa das circunstâncias do crime. O fato de ter havido cooptação de um funcionário público que prestava à quadrilha informações relevantes acerca da atuação do Ministério Público e de órgãos policiais na repressão à atividade ilícita desenvolvida justifica a exasperação da pena, inclusive em razão do prejuízo causado à credibilidade da instituição que o servidor integrava. Além disso, o fato de a quadrilha apresentar grande dimensão, com movimentação de altas quantias, também se refere às circunstâncias do crime, justificando a exasperação da pena. Destacam-se a organização, o poder econômico, e o grau de coordenação do grupo criminoso, integrado por 09 (nove) indivíduos.9. Valoração negativa das consequências do delito, uma vez que os valores de tributos iludidos pela quadrilha superam o ordinário em crimes dessa natureza.10. Valoração negativa da culpabilidade, em razão de o acusado ter inserido o corréu LI KWOK KWEN dentro da sede do MPSP e o apresentado ao Promotor de Justiça que dirigia o Centro de Apoio Operacional à Execução à época dos fatos. Pena exasperada para 2 (dois) anos de reclusão.11. Na segunda fase da dosimetria, mantenho o reconhecimento da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea g, da lei penal. Entretanto, no que diz respeito à fração da exasperação da pena, entendo que a redução para a fração de 1/6 (um sexto) se revela adequada aos fatos em análise, resultando na pena intermediária de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, que se torna definitiva, ausentes causas de aumento ou diminuição.12. Dosimetria do crime do artigo 316 do Código Penal. Valoração negativa da personalidade do réu. Laudo pericial que apontou no periciando alguns aspectos da personalidade histérica, como afetividade superficial e lábil, dramatização, teatralidade, expressão exagerada das emoções, sugestionabilidade, egocentrismo, autocomplacência, falta de consideração para com o outro, desejo permanente de ser apreciado e de constituir-se no objeto de atenção e tendência a se sentir facilmente ferido.13. Afastada a valoração negativa das circunstâncias e consequências do crime. O delito de concussão foi inserido no título dos crimes contra a Administração Pública. O sujeito passivo do crime em comento é, primariamente o Estado, e o bem jurídico tutelado é a moralidade e a probidade administrativa. Assim, entendo que o risco à credibilidade da instituição é inerente ao tipo penal, e não desborda o ordinário em crimes análogos, pelo que não pode ser utilizado como fundamento para valorar negativamente as consequências do crime. A insistência do réu ao exigir os valores indevidos do comerciante é inerente ao tipo sob análise, não se prestando à exasperação da pena. Pena definitivamente estabelecida no patamar de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e em 13 (treze) dias-multa.14. Em conformidade com o artigo 69 do Código Penal, obtém-se a pena definitiva de 5 (cinco) anos de reclusão, além do pagamento de 13 (treze) dias-multa.15. Tendo em vista o novo quantum da pena, deve ser estabelecido o regime inicial semiaberto para o seu cumprimento, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal.16. A detração prevista no artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal não altera o patamar abstratamente previsto pelo legislador ordinário para a fixação do regime prisional, conforme intervalos previstos nas alíneas do § 3º do artigo 33 do Código Penal.17. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, na medida em que a pena definitiva supera quatro anos de reclusão e, portanto, não preenche os requisitos do art. 44 do Código Penal.18. Recurso defensivo a que se dá parcial provimento.
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