REL. DES. MARCIO MESQUITA
Penal e processual penal. Apelações da defesa. Crimes contra o sistema financeiro nacional. Artigos 4º e 5º da lei 7.492/86. Prescrição da pretensão punitiva reconhecida em relação ao crime do artigo 5º da lei 7492/86 para o réu jarbas. Preliminar de nulidade por falta de defesa técnica afastada. Preliminar de nulidade por cerceamento de defesa, ao argumento de desigualdade no tratamento das partes não conhecida. Preliminar de nulidade por cerceamento de defesa, em virtude do indeferimento da prova pericial rejeitada. Materialidades dos delitos comprovadas. Autorias comprovadas. Dosimetria da pena. Intelecção da súmula 444 do stj. Culpabilidade. Consequências do crime. Incidência da agravante do artigo 62, i, do cp. Afastada a causa de aumento da continuidade delitiva para o crime de gestão fraudulenta. Pena de multa: proporcionalidade com a pena privativa de liberdade. Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito: não preenchimento dos requisitos legais. 1. Apelações interpostas pelos réus contra sentença que deu aos fatos definição jurídica parcialmente diversa da que constou da denúncia para absolver os réus MARIA e CARLOS com fundamento no artigo 386, IV, do CPP; condenar o réu NELSON à pena de 21 anos e 09 meses de reclusão; o réu CRISTIANO à pena de 12 anos e 09 meses de reclusão; o réu JARBAS à pena de 11 anos e 03meses de reclusão; e a ré VALDELICE à pena de 08 anos de reclusão, todos como incursos nos artigos 4º, caput, e 5ºda Lei n° 7.492/1986, c/c 29, 69 e 71, do Código Penal. 2. Homologado o pedido de desistência do agravo regimental interposto pelo réu, ora apelante, NELSON, interposto contra decisão que rejeitou o pedido de reconhecimento a prescrição da pretensão punitiva estatal, 3. A materialidade do delito de gestão fraudulenta do consórcio Realbrás e de desvio de recursos dos consorciados sob sua posse em proveito próprio e da empresa coligada Exportbrás encontra suporte no conjunto probatório. 4. Rejeitada a preliminar de nulidade do processo por falta de defesa técnica, arguida pela Defesa do réu NELSON ao argumento de que a defesa técnica, exercida pelo primeiro advogado constituído, foi materialmente inexistente. Não é cabível alegar ausência de defesa técnica simplesmente porque a estratégia adotada pelo anterior patrono para refutar as acusações imputadas ao réu não são as mesmas que pretende adotar o atual advogado. A alegação de que houve prejuízo ao acusado, porque não se considerou os requerimentos formulados na defesa prévia, é descabida, uma vez que a defesa não justificou a necessidade de oitiva das testemunhas, bem como porque poderia trazer aos autos a prova pericial pretendida. O réu foi devidamente representado e que o seu direito à defesa foi garantido, não havendo qualquer nulidade a ser sanada. 5. A preliminar de nulidade por cerceamento de defesa, arguida pelo réu ao argumento de desigualdade de tratamento entre partes no reconhecimento da intempestividade da defesa prévia não é de ser conhecida. Tais questões já foram apreciadas por esta Primeira Turma, por ocasião do julgamento do HC 2000.03.00.049048-7, ocasião em que a ordem foi denegada, no sentido de se considerar intempestiva a defesa prévia apresentada por via postal e por não restar configurada a alegada ofensa ao princípio da isonomia processual. A defesa impetrou o HC 18.902/SP perante o Superior Tribunal de Justiça e o HC 81.847 no Supremo Tribunal Federal questionando a matéria, os quais foram denegados. 6. Rejeitada a preliminar de nulidade por cerceamento de defesa em virtude do indeferimento da produção de perícia contábil. O pedido foi formulado na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal (em sua redação original, hoje equivalente ao artigo 402 do referido código, na redação da Lei 11.719/2008), que se presta para que as partes requeiram "as diligências, cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos apurados na instrução". Precedentes. O réu teria condição, independentemente da intervenção do Juízo, de produzir, por sua própria iniciativa, a prova se reputasse a mesma essencial. A prova pericial era desnecessária para a demonstração que o acusado não praticava atos de gestão na empresa, mesmo após ter se desligado formalmente da mesma, tendo em vista os depoimentos das testemunhas e dos demais acusados. 7. A autoria delitiva em relação ao réu NELSON restou devidamente comprovada nos autos, sob o crivo do contraditório e ampla defesa. A alegada transferência do controle societário da Realbrás para Evandro, Inocente e Francisco restou superada com o julgamento da ação anulatória de alteração contratual (processo 919/94 da 7ª Vara Cível da Justiça Estadual da Comarca de São Paulo/SP), com o trancamento da ação falimentar da Realbrás em relação a eles (RHC 8518 e RHC 8559 do Superior Tribunal de Justiça) e em especial pelo julgamento do RHC 10.495/SP pelo STJ, que determinou o trancamento da presente ação penal em relação a Inocente, sendo a ordem estendida para Francisco e Evandro. 8. Não havendo aditamento na denúncia para incluir fatos indicadores da responsabilidade do réu NELSON até a data da liquidação da empresa, não há como manter sua condenação por todo o período, devendo se limitar sua responsabilidade até 23/11/1992. 9. O depoimento prestado pelo auditor tem valor probatório igual ao de qualquer outra testemunha. Idôneo o referido depoimento e, porque coerente e não desmentido pelo restante da prova, são suficientes para embasar o decreto condenatório. 10. Quanto à alegação da defesa de que quando do desligamento de Nelson fez a cessão da empresa com ativos suficientes para cumprir as obrigações, cedendo ao consórcio bens para cobrir eventual prejuízo, foi trazido aos autos apenas e tão somente instrumento da cessão, não havendo nenhuma comprovação de que os bens foram efetivamente transferidos. Mesmo que restasse comprovada a alegada cessão de bens, tal fato não excluiria a tipicidade da conduta, podendo servir, quando muito, de causa de diminuição de pena. E para a configuração de arrependimento posterior, a restituição deveria ser que ser para as vítimas (consorciados) e não para o consórcio. 11. Consoante Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça, "é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". Desta forma, processos em andamento não podem ser considerados como maus antecedentes, conduta social reprovável e personalidade perniciosa do agente. Precedentes. 12. O fato de ter sido apontado "como o principal responsável pela gestão social fraudulenta e principal beneficiário dos desvios de recursos em verdade à agravante do artigo 62, I, do CP. A circunstância de o acusado ter enriquecido indevidamente, constitui circunstância elementar dos crimes praticados. Por outro lado, as consequências provocadas pelo delito são de grande vulto. Pena-base reduzida. 13. Incide a agravante do artigo 62, I, do Código Penal, tendo em vista a comprovação de que o acusado organizou e dirigiu a atividade dos demais agentes, dando ordens verbais e escritas e procurações para os demais acusados, além de ser o principal beneficiário dos valores desviados. Ademais, a organização e direção do réu NELSON com relação demais agentes está implicitamente mencionada na denúncia. Não fere o princípio da congruência entre a imputação e a sentença, a inclusão na sentença de agravante legal não descrita na denúncia, por força do artigo 385 do CPP. Precedentes. 14. Deve ser afastada a continuidade delitiva em relação ao crime de gestão fraudulenta, uma vez que a conduta "gerir" denota a ocorrência de crime habitual. Precedentes. Mantida a causa de aumento do artigo 71 do Código Penal ao crime do artigo 5º da Lei 7.492/1986, uma vez que demonstrado nos autos que o acusado se apropriou dos valores desviados dos consorciados no período de 1989 a 1992. 15. É de se reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal em relação ao crime do artigo 5º da Lei 7.492/1986. O réu JARBAS foi condenado à pena de três anos de reclusão pelo crime do artigo 5º da Lei 7.492/1986, descontado o aumento decorrente da continuidade delitiva (Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal). Haja vista a ausência de causa interruptiva ou suspensiva, operou-se a prescrição entre a data do recebimento da denúncia e a da prolação da sentença condenatória. 16. Quanto ao delito de gestão fraudulenta, a autoria delitiva em relação ao réu JARBAS restou comprovada nos autos. O réu foi inicialmente um dos procuradores da Realbrás e depois se tornou sócio-cotista da empresa. Descabida a alegação de que não houve proveito econômico com o crime, tendo em vista que o crime de gestão fraudulenta independe da obtenção de vantagem por parte do agente. 17. O fato de ter sido apontado "um dos principais executores das ordens ilegais de NELSON"... na perpetração da gestão social fraudulenta e também como beneficiário de parte dos recursos desviados verifica-se se tratar de circunstância elementar do tipo. Por outro lado, as consequências provocadas pelo delito são de grande vulto. Pena-base reduzida. 18. Preliminares rejeitadas. Apelações parcialmente providas.
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