REL. DES. LUIZ STEFANINI
Penal - processo penal - art. 318 do código penal - facilitação de contrabando ou descaminho com infração de dever funcional - alegadas incompetência do juízo e violação ao princípio do juiz natural - preliminares rechaçadas - procedimento administrativo - validade - materialidade, autoria e dolo - comprovação - pena bem dosada - improvimento do recurso. 1.De acordo com a peça acusatória, os denunciados, incluído o apelante, participavam da prática de crimes de facilitação de contrabando e descaminho, visando permitir que o Aeroporto Internacional de Guarulhos fosse utilizado como porta de entrada no país de grande quantidade de produtos estrangeiros sem o pagamento dos tributos devidos. 2. Fatos apurados pela Superintendência da Polícia Federal - Delegacia de Polícia Fazendária em São Paulo - a partir de auditoria realizada e relatada em 09/08/95 pela Alfândega do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos que desvendou as irregularidades havidas nos setores de Bagagem Desacompanhada e de Importação de Amostras e Pequenas encomendas que instruiu o Inquérito Policial e Processo Administrativo instaurado para apuração da conduta dos servidores federais. 3.Insurge-se a defesa contra a remessa da ação penal da 5ª Vara Federal de São Paulo à 2ª Vara Federal de Guarulhos e posterior redistribuição à 6ª Vara Federal de Guarulhos, a eivar de nulidade o quanto processado. Remetidos os autos à 2ª Vara Federal de Guarulhos, por livre distribuição, esta suscitou conflito negativo de competência julgado por este Tribunal em 02/08/2000, que declarou competente o Juízo suscitante de Guarulhos, decisão transitada em julgado que não mais comporta apreciação. 4.A posterior remessa dos autos à 6ª Vara Federal em decorrência dos provimentos nºs 189/99 e 270/05 do CJF3, em razão de criação de novas Varas, não enseja qualquer nulidade. O provimento nº 270/05 estabeleceu em seu art.4º que os processos seriam redistribuídos à 6ª Vara Federal de Guarulhos anteriormente instalada na proporção de um quinto do acervo de processos em tramitação oriundos das 1ª, 2ª, 4ª e 5ª Varas Federais da Subseção Judiciária de Guarulhos, levando-se em consideração a estatística de processos do mês de março de 2005. 5. No presente caso, a modificação da competência se deu, primeiramente, pela criação de Vara Federal competente, no local da ocorrência do fato, sendo por isso remetidos à presente subseção - para livre distribuição - todos os autos de feitos criminais cujos fatos se reputassem nela ocorridos, sem qualquer escolha vinculada, em cumprimento ao determinado no provimento nº 189 de 29/11/1999 do E. Conselho da Justiça Federal. 6. Não se reputa ocorrida qualquer ofensa ao princípio do Juiz Natural, dado que a distribuição foi livre e aleatória e ocasionada pela criação de novas Varas na Subseção Judiciária do local do fato, dando cumprimento à regra de competência do artigo 70 do Código de Processo Penal. 7. O mesmo se aplica à redistribuição dos autos operada pelo provimento nº 270, de 28/04/2005 do E. Conselho da Justiça Federal, em razão do qual foram remetidos a esta 6ª Vara Federal de Guarulhos, já que consistiu também na redistribuição dos feitos entre as novas Varas criadas na Subseção, de forma livre e aleatória, sem qualquer prejuízo ao direito ao julgamento por juiz imparcial. 8. As modificações de competência podem ocorrer desde que observados os requisitos constitucionais e legais e a criação de nova vara federal autoriza a modificação de competência. 9. A redistribuição do processo derivada da criação de nova vara com idêntica competência, nos moldes do Provimento nº 198, de 29/11/1999 editado pela Presidência do e. Conselho da Justiça Federal da Terceira Região, com o fito de igualar os acervos dos Juízos dentro da estrita norma legal, bem como o posterior provimento nº 270, de 28/04/2005 não viola o princípio do juiz natural tampouco consubstancia qualquer ilegalidade. 10.Vale lembrar ainda que a redação do artigo 399, § 2º, do Código de Processo Penal ainda não estava em vigor ao encerramento da instrução criminal que foi presidida e encerrada pela mesma magistrada, bem como que a competência se fixou no local da ocorrência do fato (Guarulhos), em observância ao disposto no art. 2º do Código Penal, sendo a regra geral a de aplicação da lei penal da data do fato criminoso (tempus regit actum). 11. Ademais, não foi apontado específico prejuízo sofrido em relação à defesa do réu, em face das redistribuições operadas, tampouco elementos que pudessem aferir existência de parcialidade nas decisões. 12. Preliminar arguida rechaçada. 13. O procedimento administrativo levado a efeito pela comissão processante que culminou com a demissão do apelante do serviço público não padece de suspeita de inidoneidade ou tendenciosidade, de modo que não há embasamento fático-jurídico, diante da tese de imprestabilidade do apurado. 14. O apelante foi indiciado administrativamente por infração ao dever previsto no artigo 116, inciso XII, da Lei nº 8.112/90, uma vez que admitiu em seu interrogatório na esfera administrativa que, mesmo tendo ciência do esquema fraudulento utilizado por Marceno Augusto Martins e Tânia Scahanof no desembaraço aduaneiro diferenciado de suas cargas, deixou de representar contra a irregularidade, restando conivente com as infrações administrativas perpetradas pelos agentes. 15. As instruções normativas que regulamentam o exercício da profissão de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional possuíam a previsão de que cabia a eles o procedimento de desembaraço aduaneiro e conferência física das bagagens, conforme se vê do conteúdo dos interrogatórios de Vera Lúcia de Baere Caliendo, Antônio Martins de Carvalho e do próprio apelante que admitiu dever examinar os documentos do viajante, os dados, se tinha viajado para o exterior, procedendo à análise do bilhete de passagem e o passaporte, bem como a conferência física das mercadorias a fim de constatar se a carga não tinha destinação comercial. Só assim que se tratava de bagagem. Sendo bagagem esta pode ser isenta e, neste caso, o fiscal preenchia o verso do PDB reconhecendo que se tratava de bagagem desacompanhada isenta de tributos. Se fossem bens tributáveis, isto é bens que não se destinam ao comércio, o fiscal procedia ao cálculo do imposto e era preenchido o DARF. O fiscal então aguardava o seu recolhimento e não restava outra coisa a fazer senão desembaraçar a bagagem autorizando a Infraero entregar o bem ao interessado, promovendo também a baixa da custódia. 16. No que diz com as instruções normativas é de se ressaltar que tanto a IN SFR nº 77, de 08/08/1984, em seu artigo 26 quanto a IN SRF nº 23 de 09/05/1995, em seu artigo 23, determinavam a obrigatoriedade de conferência física das mercadorias a serem desembaraçadas na qualidade de bagagem desacompanhada. 17. A materialidade restou demonstrada pelos elementos que instruíram a inicial acusatória e depoimentos testemunhais. 18. O crime de facilitação de contrabando ou descaminho consubstancia delito de mera conduta, em que a simples violação do dever funcional já o configura, independentemente da consumação do delito de contrabando ou descaminho, restando desnecessária a apreensão das mercadorias. 19. Ainda que o apelante não possuísse atribuições funcionais de natureza fiscal ou alfandegária, ao tempo dos fatos, tinha ele, por óbvio, atribuição funcional e o dever legal que o cargo lhe exigia de adotar as medidas necessárias para impedir a consumação do contrabando ou do descaminho, subsumindo-se a conduta do denunciado ao delito de facilitação de contrabando ou descaminho perpetrado em violação ao regulamento aduaneiro vigente à época dos fatos, o decreto nº 91031, de 05 de março de 1985. 20. Ainda o Decreto-Lei 37/66, na redação dada pelo DL 2472/1988, dispõe que a responsabilidade pela verificação da mercadoria a ser desembaraçada no curso da conferência aduaneira é do Auditor Fiscal do Tesouro Nacional responsável. 21. A autoria restou evidenciada. O acusado, em seu interrogatório judicial negou a autoria do delito narrado na peça acusatória. Referida assertiva restou isolada do conjunto probatório, carecendo de credibilidade. A tese da negativa da autoria não de coaduna com os elementos coligidos aos autos. Os depoimentos das testemunhas de acusação comprovam que o denunciado, com infração de dever funcional, facilitou a internação de mercadorias descaminhadas no país, a teor dos depoimentos testemunhais prestados por Cneio Lucius de Pontes e Souza e Antonio Braniso Sobrinho da comissão de sindicância. 22. A pena foi definitivamente fixada em 7 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto e 25 dias-multa, no valor unitário de 3 salários mínimos, pena que não merece reparos, por ser suficiente para a prevenção e reprovação do crime. 23. Preliminares arguidas rejeitadas. Improvimento do recurso.
Para ler o documento na íntegra, clique aqui!