RELATOR: DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS -
PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. CRIME DE DESCAMINHO - ART. 334 DO CÓDIGO PENAL (TANTO NA REDAÇÃO ANTERIOR AO ADVENTO DA LEI Nº 13.008, DE 26 DE JUNHO DE 2014, COMO EM DECORRÊNCIA DA SOBREVINDA DE MENCIONADA LEGISLAÇÃO) - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - PARÂMETROS GERAIS PARA A SUA INCIDÊNCIA DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DE NOSSOS C. TRIBUNAIS SUPERIORES - CRITÉRIOS ESPECÍFICOS PARA INCIDÊNCIA NA SEARA DO CRIME DE DESCAMINHO: VALOR TOTAL DO TRIBUTO ILUDIDO E REITERAÇÃO DELITIVA - ANÁLISE DO CASO CONCRETO - IMPOSSIBILIDADE DE ASSENTAMENTO DA BAGATELA - MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO IMPOSTA AO EMBARGANTE.- O princípio da insignificância (ou da bagatela) demanda ser interpretado à luz dos postulados da mínima intervenção do Direito Penal e da ultima ratio. Isso porque o Direito Penal não pode ser a primeira opção prevista no ordenamento jurídico como forma de debelar uma situação concreta (daí porque sua necessidade de intervenção mínima e no contexto da última fronteira para restabelecer a paz social). Em outras palavras, entende-se que o Direito Penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo para tolher sua autonomia ou sua liberdade na justa medida em que determinados fatos ou determinadas situações ensejam a incidência de outros ramos do Direito (que se mostram aptos a afastar a crise que se instaurou) - na falta de solução adequada à lide instaurada na sociedade (não resolvida, portanto, pela atuação dos demais segmentos do Direito), tem cabimento ser chamado à baila o legislador pátrio a fim de que a conduta não pacificada seja tipificada como delito por meio da edição de uma lei penal incriminadora.- Dentro de tal contexto, a insignificância surge como forma de afastar a aplicação do Direito Penal a fatos de somenos importância (e que, portanto, podem ser debelados com supedâneo nos demais ramos da Ciência Jurídica - fragmentariedade do Direito Penal), afastando a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao reconhecer que ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve pequena ofensa ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade formal, ou seja, a adequação do fato à lei penal incriminadora.- A jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal tem exigido, para a aplicação do referido postulado, o preenchimento concomitante dos seguintes requisitos: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de periculosidade social da ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica. Logo, depreende-se que a incidência da bagatela demanda análise criteriosa caso a caso.- Em sede de delitos contra a ordem tributária e de descaminho, a Administração Tributária edita normas sobre o valor mínimo que permite inscrição em dívida ativa de modo que se tem entendido que, se a Fazenda não executa civilmente importe até certo patamar, não haveria justificativa a permitir a existência de persecução penal - assim, adviria desta constatação a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância que, analisado em conjunto com os postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção estatal na seara penal, teria o condão de afastar a tipicidade penal em determinadas situações.- O quantum fixado pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais vem sendo adotado como parâmetro para fins de aplicação do princípio da bagatela - sob tal viés, o valor a ser considerado deve ser aquele aferido no momento da constituição definitiva do crédito tributário, excluídos os juros e a multa aplicados ao importe do tributo sonegado já no momento da inscrição do crédito em dívida ativa.- Com o advento das Portarias nºs 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda, a 3ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1.688.878/SP, revisou a tese fixada no REsp nº 1.112.748/TO a fim de adequá-la ao entendimento externado pela E. Suprema Corte no sentido de considerar o parâmetro estabelecido nestes atos infralegais, que estabeleceram o patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), como limite para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho.- Na hipótese, todavia, de conduta praticada em contexto de habitualidade delitiva, visualiza-se a obstinação deliberada do agente em se portar em oposição à convivência de acordo com as normas jurídicas. Nesse diapasão, a contumácia criminosa (vale dizer, a escolha do meio de vida criminoso pelo agente) não pode importar em inexpressividade de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal, em mínima ofensividade da conduta, em ausência de periculosidade social e sequer em reduzido grau de reprovabilidade, mas exatamente o seu oposto, inviabilizando a aplicação do princípio da insignificância, o qual se restringe a condutas despidas de ofensividade mínima.- Portanto, em sede de crimes tributários federais e de descaminho, não basta que os valores iludidos no caso concreto sejam inferiores ao paradigma de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para que a conduta seja reputada inofensiva: há, também, que se demonstrar que o agente não atua em contumácia delitiva. A lesão cominada ao Fisco por meio de comedidos delitos adquire vulto pelo desvalor da própria ação global do agente, observável pelo conjunto da obra criminosa decorrente de sua habitualidade em cometer o ilícito.- Precedentes do C. Supremo Tribunal Federal, do E. Superior Tribunal de Justiça e desta E. Corte Regional.- Adentrando ao caso concreto, as provas coligidas aos autos apontam que o embargante reiteradamente comete crimes de descaminho a ponto de sua empresa possuir 09 (nove) procedimentos administrativos fiscais que originaram Representações Fiscais Para Fins Penais (Aduaneiras), aspecto que tem o condão de impossibilitar a aplicação do princípio da insignificância (ainda que o tributo iludido remonte a aproximadamente R$ 11.800,00 - onze mil e oitocentos reais).- Negado provimento aos Embargos Infringentes opostos por SUN SEOB KO.
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