Processo penal. Habeas corpus. Direito de apelar em liberdade. Réu que respondeu preso ao processo: impossibilidade. Distinção dos agentes entre os de classe social privilegiada e desprivilegiada: diferenciação despida de fundamento legal e constitucional, no que diz respeito à reprovabilidade de crimes. Condição econômico-financeira do réu: justificativa apenas para a fixação, com maior gravame, do valor do dia-multa. Inexistência de registros criminais anteriores. Avaliação negativa da conduta social e personalidade do paciente: incongruência. Pena fixada acima do mínimo legal. Regime semiaberto: possibilidade. Ausência de demonstração cabal de que a sentença concedeu pedido não formulado na denúncia. Julgamento extra petita: descabimento. 1. Habeas Corpus impetrado contra ato do Juiz Federal da 2ª Vara de São José do Rio Preto, que, ao proferir sentença condenatória, estabeleceu regime inicial fechado para cumprimento da pena e negou o direito de recorrer em liberdade. 2. Quanto ao pedido de apelar em liberdade, adota-se entendimento prevalente na Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região no sentido do cabimento do habeas corpus. 3. O preenchimento dos requisitos da prova da materialidade e da autoria delitiva imputadas ao paciente pode ser extraído da própria condenação de primeiro grau, dando-o como incurso nas penas do artigo 288 do Código Penal, com as sanções cominadas no artigo 8º da Lei nº 8.072/1990. 4. O paciente respondeu preso ao processo. Não tem direito de apelar em liberdade o réu que, justificadamente, respondeu preso ao processo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 5. Quanto ao pedido de fixação de regime inicial semiaberto, verifica-se ser o caso de concessão da ordem. Relativamente à culpabilidade do paciente, o MM. Juiz a quo traz como motivação para o agravamento da pena-base o fato de Mauro provir de classe social privilegiada, ostentar aptidão financeira, intelectual e o vigor da juventude para o exercício de atividades lícitas, mas, ainda assim, escolher o caminho do crime. 6. A fundamentação indicada é inapta para o agravamento da pena, A distinção dos agentes entre os de classe social privilegiada e desprivilegiada, entre os que possuem acesso à educação ou não, entre ricos e pobres e entre jovens e idosos levaria a uma diferenciação despida de fundamento legal e constitucional, no que diz respeito à reprovabilidade de crimes. 7. É certo que a Constituição Federal elenca entre os objetivos fundamentais da República a erradicação da pobreza e marginalização e a redução das desigualdades sociais. Isso justifica a adoção de critérios de discriminação que busquem favorecer os brasileiros mais pobres, em busca da redução das desigualdades (como por exemplo, imposto de renda progressivo, programas assistenciais de complementação de renda e ações afirmativas). Mas também inclui entre os objetivos da República a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e, portanto, não há como justificar, no âmbito penal, que o réu receba pena mais gravosa pelo fato de ser jovem ou rico. 8. A condição econômico-financeira do réu justifica apenas a fixação, com maior gravame, do valor do dia-multa, nos termos do artigo 60 do Código Penal. 9. A motivação apresentada para a avaliação negativa da conduta social e personalidade do paciente Mauro revela-se absolutamente incongruente, diante do reconhecimento, na própria sentença, da inexistência de registros criminais anteriores em nome do paciente. O ilícito sob julgamento na ação penal não pode servir de justificativa para a conclusão de “propensão à prática de ilícitos penais“, pois constitui o único registro criminal contra o paciente, como reconhecido na sentença, considerando-se que o exame da conduta social e da personalidade do agente, quanto ao aspecto da existência de registros criminais, deve pautar-se em acontecimentos anteriores ao crime e não ao próprio crime sob julgamento. 10. Nem mesmo inquéritos e ações penais em andamento justificam a valoração negativa da personalidade do réu. Precedentes. 11. O lucro fácil é o móvel natural daqueles que se organizam para o tráfico de substâncias entorpecentes, não justificando a majoração da pena. Precedentes. 12. Da avaliação das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, embora a pena tenha ficado acima do mínimo legal, é o caso de fixação de regime semiaberto para o desconto da pena reclusiva. A pena de quatro anos e seis meses de reclusão agregada à favorabilidade majoritária das circunstâncias judiciais leva à fixação de regime inicial de cumprimento semiaberto, nos termos do artigo 33, §2º, “b“ e §3º do Código Penal. É de se deferir a ordem para alterar o regime de cumprimento de pena. 13. Quanto à alegação de julgamento extra petita: não há demonstração cabal de que a sentença concedeu pedido não formulado na denúncia, qual seja, a condenação por crime de quadrilha voltada à prática de crime equiparado a hediondo - tráfico de drogas. 14. Ordem parcialmente concedida.
Rel. Des. Márcio Mesquita
Para ler o documento na íntegra, clique aqui!