Processo penal. Recurso em sentido estrito. Apropriação de contribuições previdenciárias. Procedimento fiscal pendente de recurso. Débito declarado em gfip. Presença de justa causa. 1. Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que rejeitou a denúncia, na qual se imputa a réu o crime tipificado no artigo 168-A, §1º, inciso I, do Código Penal, sob o fundamento de ausência de justa causa, porque o crédito tributário não foi definitivamente constituído, estando pendente de decisão a impugnação administrativa, com fulcro no artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal. 2. O crime tipificado no artigo 168-A, §1°, inciso I, do Código Penal é delito de natureza formal, que se consuma com o não repasse, à Previdência Social, das contribuições descontadas dos segurados empregados. Precedentes. 3. É certo que o Pleno do Supremo Tribunal Federal proferiu ementa no sentido da necessidade do prévio exaurimento da via administrativa, para que se configure justa causa para o delito de apropriação de contribuição previdenciária (STF, Pleno, Inq-AgR 2537-GO, Rel. Min. Marco Aurélio, j.10.03.2008, DJe 12.06.2008). No entanto, depreende-se do exame do inteiro teor do referido julgado, que a tese da necessidade de prévio exaurimento da via administrativa, como condição de procedibilidade da ação penal no crime do artigo 168-A do Código Penal, foi defendida apenas pelo Relator, sendo que, por fundamentação diversa, o Plenário decidiu por arquivar o inquérito. Isso porque, naquele caso específico, havia informação do INSS de que a exigibilidade do tributo estava suspensa, pois a própria Previdência não tinha certeza no tocante à existência, ou não, da sonegação. Registre-se que, por ocasião do julgamento do Inq-AgR 2537-GO, o Ministro César Peluso ponderou que o crime de apropriação indébita previdenciária tem natureza formal, sustentando que “se há provas de que o empregador reteve importâncias a título de desconto previdenciário e não as repassou à Previdência Social, em tese, pelo menos, comete o delito“. 4. Os débitos relativos à NFLD - Notificação Fiscal de Lançamento de Débito referida na denúncia foram declarados pela própria empresa devedora em Guia do Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social - GFIP e, assim, a existência da dívida em cobrança é confessa. 5. Prevê o artigo 33, §7° da Lei n° 8.212/91, na redação dada pela Lei n° 9.528/97, que “o crédito da seguridade social é constituído por meio de notificação de débito, auto-de-infração, confissão ou documento declaratório de valores devidos e não recolhidos apresentado pelo contribuinte“ e assim, se o contribuinte apresenta a GFIP, reconhece a obrigação de pagar a contribuição declarada. Se esta não for paga integralmente, é o quanto basta para a inscrição do débito em dívida ativa, independentemente de notificação, processo administrativo ou qualquer outra formalidade. 6. Ainda que se entenda que o crime do artigo 168-A do Código Penal é de natureza material, no caso dos autos não há como emprestar à impugnação administrativa a força de obstar o início da ação penal. 7. O Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que o recurso administrativo que impede a instauração da ação penal por crime de apropriação de contribuição previdenciária é aquele que ataca a própria existência do crédito tributário. 8. No presente caso, a despeito de não haver cópia da impugnação administrativa, verifica-se do depoimento da contribuinte que “os valores representados na NFLD mencionada acima são devidos, já que efetivamente as contribuições previdenciárias em, questão não foram pagas“. Dessa forma, não há como obstar o prosseguimento da ação penal. 9. Os fatos narrados na inicial e os documentos anexados, a meu ver, comprovam a materialidade do delito e indícios suficientes de autoria delitiva. A denúncia atendeu aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, contendo a exposição clara e objetiva dos fatos alegadamente delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes e, portanto, deve ser recebida. 10. Recurso provido.
Rel. Des. Silvia Rocha
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