RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0008171-51.2013.4.03.6181/SP

REL. DES. MÁRCIO MESQUITA

Penal. Processual penal. Recurso em sentido estrito. Crime de calúnia. Rejeição de denúncia. Aplicação do princípio in dubio pro societate. Liberdade de imprensa que não exclui a possibilidade de responsabilização por crime contra a honra. Crime de natureza formal: prescindibilidade de exame pericial. Falsidade da imputação: prova contrária que cabe ao denunciado, por meio da exceção da verdade. Recurso provido. 1. Recurso em sentido estrito interposto contra decisão que, com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal, rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, pelo crime do artigo 138, caput, com as duas causas especiais de aumento do artigo 141, incisos II e III, e a agravante do artigo 61, inciso II, alínea "a", todos do Código Penal. 2. A denúncia encontra-se formalmente regular, e contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal. 3. Os fatos descritos na denúncia evidenciam a ocorrência de fato típico, qual seja, a imputação falsa, pelos denunciados ao ofendido, da conduta de receber vantagem indevida em razão de exercício do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, fato esse tipificado no artigo 317 do Código Penal (crime de corrupção passiva). 4. Na fase inicial da ação penal vigora o princípio in dubio pro societate, cumprindo ao juiz a verificação da prova da existência do crime e indícios de autoria, bastando para o recebimento da denúncia a mera probabilidade de procedência da ação penal. A rejeição da denúncia somente se justifica diante da absoluta ausência de indícios de autoria, flagrante atipicidade da conduta ou extinção da punibilidade, posto que se existente a prova indiciária, ainda que mínima, a dúvida deve ser resolvida, nesse momento processual, em favor da Acusação. Precedentes. 5. A conclusão pela inexistência de animus caluniandi, mas apenas e tão somente animus narrandi por parte dos denunciados, ou seja, de que estes agiram com mera intenção de informar, e não de caluniar, nessa fase processual, somente seria possível se tal circunstância restasse extreme de dúvidas, constatável ictu oculi, e não é o que ocorre no caso dos autos. 6. Especificamente com relação à imprensa, a Constituição, em seu artigo 220, veda qualquer restrição à informação e qualquer forma de embaraço à liberdade de imprensa, e qualquer censura. É nítida portanto à relevância dada pela Constituição à liberdade de imprensa, dada a importância de uma imprensa livre para a concretização de um Estado verdadeiramente democrático.  7. Contudo, isso não exclui a possibilidade de responsabilização criminal, posto que a liberdade de imprensa não significa imunidade quanto à responsabilização por crimes contra a honra, na forma como tipificados no Código Penal. Entendimento do Supremo Tribunal Federal, reiterado após a declaração de não-recepção, pela Constituição de 1988, da Lei nº 5.250/1967.  8. A revista não se limita a afirmar que o nome do ofendido consta em uma lista de pessoas que teriam recebido dinheiro, mas vai além, e faz um juízo de valor sobre a veracidade da informação contida na lista. Em seu editorial, reafirma o juízo sobre a veracidade da informação obtida na lista, ao concluir que disso decorre ser evidente a suspeição do Ministro. Presentes indícios suficientes de que os denunciados agiram com intenção caluniosa, é o que basta para o recebimento da denúncia. 9. A denúncia imputa aos acusados o crime de calúnia - e não o crime de falsidade material - que é de natureza formal, e prescinde de qualquer exame pericial. O fato criminoso que a denúncia indica ter sido falsamente imputado ao ofendido é ter recebido dinheiro de um esquema de corrupção, inclusive para facilitar a concessão de decisão judicial. 10. O fato criminoso que a denúncia indica ter sido falsamente imputado ao ofendido não é a falsificação da lista; esta circunstância é indicada na denúncia como comprobatória da presença do dolo. Dessa forma, não é cabível a discussão, nesse momento processual, sobre estar ou não demonstrada a falsidade da lista, pelas apontadas incongruências em seu conteúdo. 11. Para a caracterização do delito de calúnia, é necessário que a imputação seja falsa, que o réu saiba desta circunstância e que o fato atribuído ao ofendido seja definido como crime. Contudo, isso não significa que caiba ao ofendido provar a falsidade da imputação. Ao contrário, se o denunciado por crime de calúnia alega que o fato imputado, embora criminoso, é verdadeiro, a ele cabe essa prova, mediante o incidente de exceção da verdade, previsto no §3º do artigo 138 do Código Penal. Precedentes. 12. Se é certo que o crime da calúnia exige, para sua caracterização, que o agente tenha ciência da falsidade da imputação, no caso concreto o que se exige é que os denunciados tenham ciência da falsidade da imputação do recebimento do dinheiro pelo ofendido, em razão de sua função de Ministro do Supremo Tribunal Federal, praticando crime de corrupção passiva - e não da falsidade da lista. E a denúncia aponta indícios suficientes de que os denunciados tinham conhecimento da falsidade da imputação. 13. No sistema processual penal brasileiro, o Ministério Público limita-se ao oferecimento da denúncia, não formulando pedido de condenação do réu em determinada quantidade de pena. Cabe ao Juiz, se procedente a denúncia, proceder à dosimetria da pena considerando, de ofício, todas as circunstâncias, inclusive eventuais antecedentes do réu, independentemente de requerimento expresso da Acusação. Assim, a juntada aos autos das certidões de antecedentes interessa não só à Acusação, mas também ao Juízo. Precedentes. 14. Recurso provido. 

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