REVISÃO CRIMINAL / SP 5021825-26.2019.4.03.0000

RELATOR: DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS -  

REVISÃO CRIMINAL. PROTEÇÃO À COISA JULGADA E HIPÓTESES DE CABIMENTO. CASO CONCRETO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA POR DOIS FUNDAMENTOS (COM A CONSEQUENTE APLICAÇÃO DA TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA – PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO): VIOLAÇÃO AOS ARTS. 2º, II, E 5º, AMBOS DA LEI Nº 9.296/1996 – REFUTAMENTO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO QUANTO AO COMETIMENTO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA A TRAFICÂNCIA (ART. 35 C.C. ART. 40, I, AMBOS DA LEI Nº 11.343/2006) – RECHAÇAMENTO. PLEITO DE REDUÇÃO DA PENA-BASE TANTO DO CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS COMO DO DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA A TRAFICÂNCIA – INDEFERIMENTO. PLEITO DE APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006 – AFASTAMENTO. POSTULAÇÃO REVISIONAL JULGADA IMPROCEDENTE. - O Ordenamento Constitucional de 1988 elencou a coisa julgada como direito fundamental do cidadão (art. 5º, XXXVI), conferindo indispensável proteção ao valor segurança jurídica com o escopo de que as relações sociais fossem pacificadas após a exaração de provimento judicial dotado de imutabilidade. Sobrevindo a impossibilidade de apresentação de recurso em face de uma decisão judicial, há que ser reconhecida a imutabilidade do provimento tendo como base a formação tanto de coisa julgada formal (esgotamento da instância) como de coisa julgada material (predicado que torna imutável o que restou decidido pelo Poder Judiciário, prestigiando, assim, a justiça e a ordem social). - Situações excepcionais, fundadas na ponderação de interesses de assento constitucional, permitem o afastamento de tal característica da imutabilidade das decisões exaradas pelo Poder Judiciário a fim de que prevaleça outro interesse (também tutelado constitucionalmente), sendo justamente neste panorama que nosso sistema jurídico prevê a existência de ação rescisória (a permitir o afastamento da coisa julgada no âmbito do Processo Civil) e de revisão criminal (a possibilitar referido afastamento na senda do Processo Penal). - No âmbito do Processo Penal, para que seja possível a reconsideração do que restou decidido sob o manto da coisa julgada, deve ocorrer no caso concreto uma das situações previstas para tanto no ordenamento jurídico como hipótese de cabimento da revisão criminal nos termos do art. 621, do Código de Processo Penal. Assim, permite-se o ajuizamento de revisão criminal fundada em argumentação no sentido de que (a) a sentença proferida encontra-se contrária a texto expresso de lei ou a evidência dos autos; (b) a sentença exarada fundou-se em prova comprovadamente falsa; e (c) houve o surgimento de prova nova, posterior à sentença, de que o condenado seria inocente ou de circunstância que permitiria a diminuição da reprimenda então imposta. - A Revisão Criminal não se mostra como via adequada para que haja um rejulgamento do conjunto fático-probatório constante da relação processual originária, razão pela qual impertinente a formulação de argumentação que já foi apreciada e rechaçada pelo juízo condenatório. Sequer a existência de interpretação controvertida permite a propositura do expediente em tela, pois tal situação (controvérsia de tema na jurisprudência) não se enquadra na ideia necessária para que o instrumento tenha fundamento de validade no inciso I do art. 621 do Código de Processo Penal. - Formula o revisionando pleito de reconhecimento da ilicitude da interceptação telefônica por dois fundamentos: (a) violação ao comando insculpido no art. 2°, II, da Lei nº 9.296/1996 (tendo em vista que o expediente probatório não teria sido a última medida passível de ser adotada com o fito de se obter eventual prova da infração criminal) e (b) violação ao preceito contido no art. 5° da Lei nº 9.296/1996 (haja vista a existência de sucessivas prorrogações de molde que as gravações posteriores ao limite máximo de 30 – trinta – dias seriam ilegais – ademais, acaso se entenda que as prorrogações seriam legítimas, alega a manutenção do vício de nulidade da prova à luz de que as decisões pela continuidade da captação encontrar-se-iam desprovidas de fundamentação, sem se descurar que infindadas prorrogações maculariam, também, o princípio da razoabilidade). Como corolário, havendo o assentamento da nulidade vindicada, requer a incidência da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada com o desiderato de que sejam consideradas nulas todas as demais provas obtidas a partir da interceptação telefônica, o que culminaria na exaração de édito penal absolutório. - A pretensão de reconhecimento de nulidade das interceptações telefônicas foi apreciada quando do julgamento dos apelos então aviados, salientando-se que, a despeito do revisionando não ter impugnado tal meio de obtenção de prova em suas razões recusais (o que acabou sendo levado a efeito por corréus), o órgão fracionário deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região referendou a legalidade das interceptações sob diversos aspectos e fundamentos conforme é possível ser inferido do v. acórdão condenatório então proferido. Dentro de tal contexto, depreende-se que tanto a necessidade de que a interceptação telefônica não fosse a primeira das provas deferidas ao longo da fase inquisitiva (aferição de cumprimento do comando instituído no art. 2°, II, da Lei nº 9.296/1996) como a efetiva constatação de que os ciclos de interceptação foram precedidos por r. decisão judicial devidamente fundamentada (cumprimento do disposto no art. 5° da Lei nº 9.296/1996) foram objeto de análise e de deliberação quando do momento de formação da culpa, razão pela qual impossível objetivar-se que a via estreita revisional seja compreendida como sucedâneo recursal. - Sem prejuízo do exposto, ainda que fosse possível suplantar o óbice anteriormente indicado para adentrar ao mérito revisional propriamente dito, especificamente no que toca à alegação de ofensa ao art. 2°, II, da Lei nº 9.296/1996, as interceptações telefônicas determinadas não foram as primeiras diligências encetadas no apuratório que até então se encontrava em curso, cabendo destacar, ademais, que delitos como os que estavam em apuração demandam investigações que se compaginam do mesmo requinte tecnológico a sufragar o deferimento de interceptações de conversas telefônicas. Precedentes do C. Supremo Tribunal Federal e desta E. Corte Regional. Por sua vez, no que se refere à alegação de ofensa ao art. 5° da Lei nº 9.296/1996, a jurisprudência que se formou sobre o tema firmou-se no sentido de que é possível a ocorrência de sucessivas prorrogações da interceptação telefônica quando o caso concreto assim o demandar, diante das peculiaridades como os delitos então em apuração ocorriam, principalmente se o meio empregado para a sua consecução defluiria do uso da telefonia ou da telemática, cabendo ressaltar, outrossim, a teor do v. acórdão condenatório, que a Quinta Turma desta C. Corte Regional foi assente em sustentar que todas as prorrogações encontraram-se devidamente fundamentadas. - Requer o revisionando sua absolvição no que concerne ao delito de associação para a traficância (art. 35 c.c. art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006), alegando, sinteticamente, que sua condenação teria se baseado em provas que sugeririam dúvidas, especialmente no que se refere à existência de vínculo estável e duradouro. - Ocorre, entretanto, que a presente Revisão Criminal não veio instruída com qualquer elemento de prova na tentativa de descaracterizar aquilo que sobejamente restou assentado na relação processual originária no sentido de que o revisionando foi coautor do crime pelo qual restou condenado, ônus que caberia à sua pessoa, na justa medida em que almeja a desconstituição de édito penal condenatório transitado em julgado (exarado com o respeito ao devido processo legal e seus corolários da ampla defesa e do contraditório). Ademais, lançando mão do conteúdo do v. acórdão condenatório, depreende-se a efetiva comprovação de que ele perpetrou o crime pelo qual foi condenado (art. 35 da Lei nº 11.343/2006), oportunidade em que todo o arcabouço probatório foi devidamente esmiuçado no contexto da infração penal, sendo plenamente possível a delimitação de responsabilidade e a atribuição da autoria delitiva, razão pela qual não prosperam os argumentos ventilados nesta senda a ensejar o deferimento da pretensão absolutória. - Postula o revisionando a redução da pena-base tanto do crime de tráfico internacional de drogas como do delito de associação para a traficância, aduzindo, sinteticamente, os argumentos que seguem: (a) no que tange ao delito do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, aduz que a dosimetria não guardaria razoabilidade e proporcionalidade com o fato criminoso (baseando-se, na realidade, na gravidade abstrata da infração), salientando que as circunstâncias do delito e a quantidade de entorpecente não justificariam o incremento levado a efeito, o que deveria ser concatenado com o fato de que sua conduta social e sua personalidade seriam abonadoras e (b) no que tange ao delito do art. 35 da Lei nº 11.343/2006, alega que a reprimenda foi fixada acima do mínimo legal pelos mesmos fundamentos utilizados para elevar a punição pelo crime de tráfico, o que redundaria em dupla punição defesa pelo ordenamento pátrio. - Segundo o C. Superior Tribunal de Justiça, somente se mostra possível o manejo de Revisão Criminal com o objetivo de se alterar a reprimenda quando constatada prima facie a ocorrência de flagrante ilegalidade ou de manifesto abuso de poder no proceder por meio do qual se levou em consideração para sua fixação. E, dentro de tal contexto, compulsando os autos, não se vislumbra do caso subjacente a ocorrência nem de flagrante ilegalidade nem de manifesto abuso de poder a referendar o provimento desta ação impugnativa autônoma no ponto ora em apreciação, seja no que concerne à dosimetria do delito de tráfico de drogas, seja no que toca à dosimetria do crime de associação para a traficância. - A teor do art. 42 da Lei nº 11.343/2006, o magistrado, quando da fixação da pena-base, observará, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente, sendo importante destacar que o C. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do ARE 666334 RG (Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 03/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-084 DIVULG 05-05-2014 PUBLIC 06-05-2014), de observância obrigatória porque decidido com base na repercussão geral da questão constitucional nele debatida (aplicando-se, por analogia, o comando insculpido no art. 927, III, do Código de Processo Civil), firmou entendimento no sentido de que as circunstâncias da natureza e da quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena (tese fixada). - Mostra-se até mesmo diminuto o quantum de pena-base imposta ao revisionando pelo tráfico internacional de drogas em que condenado, conclusão esta não afastada pelos argumentos aventados nesta via estreita, tendo em vista que o entorpecente apreendido remontava a mais de 5.200 (cinco mil e duzentos) quilos de maconha. Destaque-se que a jurisprudência deste C. Tribunal Regional Federal referenda majoração superior à cominada no caso subjacente, de molde a não proceder o pedido de abrandamento de pena, sequer tendo como supedâneo a valoração benéfica das circunstâncias constantes do art. 59 do Código Penal na justa medida em que a quantidade e a qualidade do estupefaciente, por si só, referendam o incremento da pena-base cominada ao agente infrator da lei penal. - É assente em nossa jurisprudência (C. Superior Tribunal de Justiça e E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região) a possibilidade da plena valoração, com supedâneo no art. 42 da Lei nº 11.343/2006, da quantidade e da qualidade da droga ainda que seja no bojo de tipificação de conduta enquadrada como sendo de associação para a traficância (art. 35 da Lei nº 11.343/2006) sem que tal prática possa ser acoimada de defesa pelo ordenamento jurídico. - Pugna o revisionando pela incidência da figura do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006) ao caso subjacente, argumentando, para tanto, o implemento de todos os requisitos legais, especialmente o fato de que não integraria organização criminosa e nem se dedicaria à prática de atividades ilícitas. Contudo, impossível o acolhimento do pedido na justa medida em que a negativa de se fazer incidir a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 à Ação Penal subjacente encontra ressonância na jurisprudência deste E. Tribunal Regional, que indefere a benesse quando evidenciada pelas circunstâncias em que perpetrada a traficância a participação em organização criminosa, cabendo salientar que o revisionando foi condenado pela execução do crime de associação para o tráfico, o que redunda na constatação de que havia, sim, uma organização criminosa da qual ele pertencia. - Revisão Criminal julgada improcedente.

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