Direito penal e processual. Preliminares. Nulidade do feito. Investigação conduzida pelo ministério público. Possibilidade. Busca e apreensão determinada por juiz estadual. Interesse da união apurado no curso das investigações. Competência. Desclassificação de concussão para estelionato. Fatos não descritos na denúncia. Impossibilidade de emendatio libelli. Absolvição do crime do art. 316 do cp. Estelionato contra o sus. Fraude na colocação de telas inorgânicas em pacientes que realizaram cirurgia de hérnia inguinal. Condenação mantida. Diárias de acompanhantes. Absolvição. Dosimetria. Pena reduzida em razão da absolvição quanto à concussão e ao estelionato relativo às diárias dos acompanhantes. Substituição por restritivas de direitos. Cabimento. 1. O ministério público tem plena autonomia para apurar os fatos necessários à oferta da denúncia, nos termos da Constituição Federal e na linha de precedentes do STF, STJ e deste TRF, razão pela qual não há falar em nulidade quanto ao ponto. 2. Somente no curso das investigações realizadas pelo Ministério Público Estadual ficou comprovado que as fraudes atingiram órgãos da Administração Federal, tanto é que os autos do procedimento investigatório iniciado no Ministério Público Estadual de Santa Catarina foram remetidos para o Ministério Público Federal. Assim, a competência da Justiça Federal somente ficou evidenciada em momento posterior, de modo que a medida cautelar foi deferida por autoridade competente àquele tempo. 3. A desclassificação de concussão para estelionato ultrapassa os limites dos fatos narrados na peça acusatória, valendo-se de elementos colhidos durante a instrução para concluir que os réus não haviam exigido quantia indevida da paciente (que efetuou o pagamento voluntariamente, para receber atendimento particular), mas, sim, obtido vantagem ilícita em prejuízo do SUS, que foi induzido em erro. Porém, a condenação por prática não narrada na denúncia fere os princípios do contraditório e da ampla defesa, na medida em que aos réus não foi oportunizado que a contestassem, além de violar a correlação entre a exordial e a sentença. Diante desse quadro, é inaplicável o art. 383 do CPP. 4. Deve ser mantida a capitulação contida na denúncia, imputando-se aos réus a prática do crime de concussão (art. 316, CP). Então, uma vez comprovado que o valor pago pela paciente foi voluntário e não consiste em vantagem indevida, a absolvição dos acusados, por atipicidade da conduta, é medida que se impõe, com fulcro no art. 386, III, do CPP. 5. A instrução probatória demonstra a materialidade do estelionato (art. 171, §3º, CP) em relação ao paciente Joel Pereira. As declarações prestadas por ele em juízo dão conta de que o médico Marcos havia lhe garantido que não seria necessária a colocação de tela. Outrossim, justificam esse raciocínio os documentos relativos ao internamento de Joel, nos quais não se percebe da relação de materiais utilizados no procedimento cirúrgico o item “tela inorgânica de polipropileno pequena“, bem como o documento da fl. 677, no campo “Evolução Médica“, local em que são descritos o procedimento realizado e os materiais utilizados. E por fim, do campo “Descrição da Operação“ consta que o procedimento foi realizado pela “Técnica de Marcy“, que consiste no fechamento da hérnia com um ou dois pontos, sem a utilização de tela. De igual forma, a autoria do delito em relação ao réu Marcos Alencar Pelegrini restou demonstrada, uma vez que seu CPF aparece na AIH nos campos “CPF MEDICO SOLIC“ e “CPF MEDICO RESPONSAVEL“, tendo também firmado o Laudo Médico para Emissão da mencionada AIH, bem como os documentos nos quais consta a prescrição dos medicamentos e é descrita a evolução do paciente. 6. Se os pacientes foram, de fato, acompanhados e por isso se cobrou a respectiva quantia do Sistema Único de Saúde, a questão se restringe às condições oferecidas a essas pessoas, às quais não foram disponibilizadas acomodações adequadas. A suposta má qualidade do serviço não obrigatoriamente implica fraude, além de o dano apontado (R$ 12,00 para cada acompanhante) ser de baixíssimo valor, não havendo falar em estelionato contra o SUS. Dessa forma, afasta-se a condenação pela prática do crime previsto no art. 171, §3º, do CP relativamente à cobrança de diárias de acompanhantes, com fulcro no art. 386, III, do CPP. 7. Em decorrência da absolvição quanto à concussão e em relação à cobrança indevida das diárias dos acompanhantes, subsiste apenas a condenação de Marcos pela prática de estelionato referente à fraude na colocação de tela inorgânica no paciente Joel Pereira. Logo, reduzida a pena e preenchidos os requisitos legais, substitui-se a sanção corporal por restritivas de direitos, nas modalidades de prestação pecuniária e de serviços à comunidade.
Rel. P/ac.des. Salise Monteiro Sanchotene
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