APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000261-08.1995.404.7205/SC

Penal e processual penal. Delitos capitulados no artigo 12, § 2º, ii, da lei nº 6.368/76 (consentir que alguém utilize sua propriedade para a produção de entorpecentes - ecstasy), e no artigo 14 da mesma lei (associação para o tráfico). Nulidades inocorrentes. Valide dos atos processuais realizados pela justiça estadual, no exercício da competência federal delegada, no período de vigência desta. Cerceamento de defesa inocorrente. Indeferimento de perícia devidamente fundamentado. Inexistência de motivos para a nomeação de curador a um dos réus. Inocorrência de falta de adequada fundamentação da sentença penal condenatória. Tráfico de entorpecentes. Laboratório de produção de ecstasy, mediante o processamento do óleo de sassafraz. Consentimento para que terceiros se utilizem, para tal fim, de empresa regular de fachada. Materialidade e autoria comprovados. Reenquadramento dos fatos no artigo 12, § 2º, inciso ii, da lei 6.368/76, com a incidência da majorante inscrita no art. 18, inciso i, da mesma lei (internacionalidade). Inocorrência de bis in idem, em face da aplicação da referida majorante ao delito antes mencionado. Associação para fins de tráfico (artigo 14 da lei 6.368/76). Vínculo assocativo demonstrado. Não incidência da majorante de que trata o artigo 18, inciso, da lei nº 6.368/76, ao delito de associação para o tráfico. Pena-base. Não caracterização de ofensa ao princípio da individualização da pena. Culpabilidade, circunstâncias e consequências do delito consideradas como circunstâncias judiciais desfavoráveis. Inaplicabilidade: a) das atenuantes de que tratam os artigos 65, inciso i, e 66, ambos do código penal; b) da minorante prevista no artigo 29, § 1º, do mesmo código; c) da minorante de que trata o artigo 33, § 4º, da lei 11.343/06.  1. Não procede a alegação de nulidade do feito por ter cessado a competência delegada da Justiça Estadual para o processamento com a promulgação do Decreto 5.015/04, que ratificou a dita Convenção de Palermo, pois os réus foram denunciados e condenados por associação para fins de tráfico e não por integrar organização criminosa nos estritos termos do citado Decreto. Além disso, como os fatos imputados são anteriores à edição da dita norma, a qual não pode retroagir, como já decidido pelos Tribunais Superiores.  2. Não se verifica prejuízo efetivo à defesa se prescindível a prova técnica, como é o caso.  3. Não se verifica nulidade pela ausência de nomeação de curador após notícia de incapacidade relativa do primeiro apelante em outro fato. Isso porque, nos presentes autos, em nenhum momento se suscitou dúvida acerca da sanidade do acusado, que não demonstrou ser portador de qualquer deficiência mental ou distúrbio que comprometesse a capacidade de compreender os fatos imputados.  4. Não se verifica a alegada nulidade da sentença, pois, no caso, não se trata de discussão quanto à ausência de motivação válida propriamente e, sim, de divergência em relação à sua suficiência e às conclusões do magistrado.  5. A existência do tráfico internacional de drogas e da associação criminosa restou devidamente comprovada, restando claro pela documentação e depoimentos coligidos que a real atividade da empresa regularmente constituída/administrada pelos réus era a produção de MDMA (ecstasy), através de processo dividido em fases, com vínculo estável e permanente entre os agentes para tal fim, entre estes incluídos os denunciados estrangeiros.  6. O comprovado fato de os estrangeiros comandarem o processo de produção, longe de afastar a responsabilidade dos apelantes pelos crimes, é mais um elemento a indicar que conheciam a real atividade da empresa.  7. Embora inexistam elementos implicando diretamente os apelantes no processo de síntese da droga ou na sua exportação, não podendo ser responsabilizados pela prática do ilícito inscrito no art. 12, caput, da Lei 6.368/76, há elementos bastantes demonstrando que, conscientemente, consentiram que a empresa por eles constituída e administrada fosse utilizada para o tráfico internacional de entorpecentes, enquadrando-se sua conduta no inciso II do § 2º do art. 12.  8. Para a configuração do crime previsto no art. 14 da Lei 6.368/76, basta que se verifique uma organização rudimentar e a predisposição para o agir criminoso de forma reiterada, o que, a despeito das alegações defensivas, restou incontroverso nos autos.  9. De fato, a forma de constituição da empresa, as condições em que se desenvolviam as atividades, a atuação dos estrangeiros na produção, sem qualquer vínculo formal, a manutenção com recursos provindos do exterior, a importação de equipamentos e insumos, a constante entrada de produtos químicos e a falta de saída de qualquer produto final, especialmente diante das condições pessoais dos acusados, homens de formação superior em Direito e Ciências Contábeis, com larga experiência profissional, tornam difícil aceitar a tese defensiva de que acreditavam haver simples produção de essência para perfumes, agindo em erro de tipo.  10. Valoração no sentido de que os réus sabiam da fabricação do entorpecente na sede da empresa constituída para tal fim, que consentiram com tal atividade, e que seu papel na associação criminosa era justamente conferir aparência de legalidade ao 'negócio', emprestando seu conhecimento e conceito social de que gozavam para a manutenção das atividades do grupo sem gerar suspeitas.  11. A internacionalidade do tráfico de drogas restou fartamente comprovada pela cooperação dos denunciados estrangeiros e pela importação de equipamentos e matérias-primas.  12. Não há falar em bis in idem na incidência da majorante em questão, porquanto plenamente possível a prática do tráfico voltado ao mercado interno e, no caso, a conduta dos réus visava o exterior e contava com a atuação de estrangeiros, o que reclama apenamento diferenciado.  13. No entanto, quanto à associação para o tráfico, descabe a aplicação da causa de aumento relativa à internacionalidade, pois o termo "tráfico" empregado no caput do art. 18, tecnicamente, define apenas o crime tipificado no art. 12 da Lei nº 6.368/76. Precedentes.  14. Em relação à culpabilidade (vetorial de caráter subjetivo), a sentença examinou a situação pessoal de cada um dos réus, considerando que o primeiro apelante é advogado e o segundo é advogado e contador, revelando culpabilidade acentuada, o que deve ser mantido por serem profissionais com formação superior.  15. Quanto às circunstâncias do crime, vetorial de caráter eminentemente objetivo, comum a ambos os acusados, mantém-se igualmente o julgamento de desfavorabilidade, em face de todo o conjunto de ações e de planejamento da empreitada criminosa, ousada e pioneira no Brasil, inclusive mediante a constituição de empresa de fachada para ocultar as atividades ilícitas.  16. As consequências são gravíssimas, nada havendo a acrescentar aos fundamentos da sentença.  17. No caso, três das oito circunstâncias judiciais são extremamente negativas, justificando a exasperação em patamar superior ao usualmente aplicado em casos que não se revestem de tamanha gravidade. Penas-bases mantidas.  18. Inaplicável a atenuante prevista no art. 66 do CP, porquanto o pleito do primeiro apelante tem conotação subjetiva que não se enquadra no conceito de "circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime".  19. A atenuante etária (art. 65, I, CP) somente se aplica ao réu que tiver 70 anos de idade na data da sentença (o que não é o caso do segundo apelante), conforme reiterado entendimento do STJ e do STF.  20. Não verificada hipótese de participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP) a ensejar a pretendida redução das penas do segundo apelante. Sua participação na empreitada delituosa foi relevante, incorrendo nas penas cominadas na medida de sua culpabilidade, bem dosada na sentença.  21. A pretensão de ambos os apelantes, de incidência da causa de redução de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, não procede. A uma, porque ambos estão sendo condenados pela participação em associação criminosa para o tráfico, incorrendo no óbice previsto na parte final desse dispositivo. A duas, porque não é cabível a combinação de leis, conforme assentado pelo Plenário do STF no julgamento do RE 600817 (Rel. Min. Lewandowki, j. 07.11.2013).  

REL. DES. SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

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