Penal. Tráfico internacional de entorpecentes. Associação para o tráfico. Arts. 33, caput e § 1º, incisos i e iii, e 35, caput, da lei nº 11.343/06. Competência da justiça federal. Inépcia da denúncia. Escuta telefônica. Admissibilidade como meio de prova. Autoria. Concurso de pessoas. Cp, art. 29. Condenação de corréus mantida. Dolo eventual. Depoimento de policial. Autoria. Não comprovação. Prova indiciária. Absolvição de corréus. Pena-base. Critérios para exasperação da reprimenda. Reincidência. Confissão espontânea. Crime continuado. Reconhecimento. Majorante do inciso v do art. 40. Absorção. Minorante do art. 33, § 4º. Regime prisional. Substituição da pena privativa de liberdade. Impossibilidade. Perdimento de bens. 1. Havendo prova robusta da origem estrangeira dos entorpecentes cuja importação, aquisição e transporte no País foi concretizado pela associação criminosa de que os acusados eram integrantes, indubitável a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito, bem como a incidência da causa de aumento de pena do art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06. 2. Não é inepta a denúncia que, observados os requisitos do art. 41 do CPP, descreve detalhadamente a ação delitiva, consubstanciada em indícios de autoria e materialidade e com base nos elementos colhidos em sede policial. É pacífico o entendimento de que, nos casos de crimes de autoria coletiva, quando do oferecimento da denúncia, não é imprescindível a individualização da conduta de cada agente, em virtude da dificuldade do Ministério Público, nesta fase processual, dispor de elementos que lhe possibilitem discriminar a participação de cada agente na prática delitiva. Precedentes. 3. A escuta telefônica autorizada judicialmente e executada nos termos da Lei n.º 9.296/96 pode e deve ser admitida como prova da acusação. Possibilidade de demonstração da autoria através da interceptação telefônica, mormente em se tratando de tráfico de drogas, crime de difícil apuração. Não se exige a transcrição integral das conversas monitoradas durante a quebra do sigilo telefônico, sendo suficiente o auto circunstanciado do apurado, a teor do § 2º do art. 6º da Lei. Se o réu teve acesso às degravações das interceptações telefônicas e a ele foi oportunizado impugná-las antes da prolação da sentença condenatória, descabido o argumento de cerceamento de defesa. É da defesa o ônus de indicar as irregularidades na forma como foram transcritas as escutas telefônicas, a teor do art. 156 do CPP, assim como as conversas que, no seu entender, devem ser inutilizadas. Sobre a renovação das autorizações por mais de uma vez, o STF já decidiu pela sua possibilidade desde que devidamente fundamentadas e necessárias, como na hipótese (Inq nº 2.424/RJ). A nenhum réu em processo penal pode ser imposto o dever de se autoincriminar, conforme o princípio da não autoacusação. Não obstante, a recusa do acusado em submeter-se à perícia de voz poderá ser aceita como prova indiciária da autoria. Não se acolhe a tese de nulidade da escuta telefônica pela ausência de identificação dos interlocutores dos diálogos se tal prova não foi realizada exclusivamente em razão da negativa do réu em fornecer material para a realização do exame comparativo. 4. O agente que transporta, sem autorização e em desacordo com determinação legal, produtos químicos destinados à preparação de entorpecentes (cafeína e benzocaína) incorre nas penas no art. 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/06. Impossibilidade de desclassificação da conduta para a figura típica do art. 334, caput, do CP, na modalidade de contrabando. 5. Para integrar o crime de tráfico de drogas, na figura equiparada do art. 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/06, exige-se o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar qualquer uma das ações nele incriminadas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, ciente o sujeito de que se trata de matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas. Admite-se, para tanto, o dolo eventual. 6. Verifica-se o erro de proibição quando o agente tem a crença de que a sua conduta, vedada pelo ordenamento jurídico, é lícita. Impossível acolher a tese quando o cotejo probatório evidencia que o réu era pessoa plenamente capaz de entender a ilicitude dos seus atos. 7. As ações proibidas descritas no caput do art. 28 da Lei nº 11.343/06 também são incriminadas no caput do art. 33 da Lei. Distinguem-se as figuras penais, pois, pelo elemento subjetivo do tipo, contido na expressão para consumo pessoal, exigido somente em relação à norma do art. 28. O § 2º do art. 28 estabelece critérios para avaliar a conduta do agente quanto à mercancia ou ao consumo próprio. Se a acusação não se desincumbe do ônus de provar a narcotraficância, a dúvida se resolve em favor do réu, porquanto o tipo do art. 28 caracteriza-se como uma infração penal sui generis, ou seja, o agente é punido com medidas educativas e não com sanções de natureza jurídico-penal. 8. Incorre nas penas do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 o agente que adquire, importa e/ou transporta substância entorpecente de uso proscrito no País. Ainda que o réu não tenha, ele próprio, transportado a droga, responderá pelo crime de tráfico, pois figura como coautor, tendo a sua participação contribuído para a consecução do resultado criminoso. O crime do art. 33 da Lei n.º 11.343/06 é de ação múltipla e, para sua configuração, basta que o agente pratique qualquer uma das condutas nele incriminadas. Se a infração é executada em concurso de pessoas, não a desnatura o fato de o tóxico ter sido apreendido na posse de outro agente, o qual praticou o verbo proibido na normal penal. 9. Indispensável à configuração do crime de tráfico de drogas o dolo genérico, representado pela vontade livre e consciente de praticar qualquer uma das ações incriminadas no art. 33 da Lei nº 11.343, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, ciente o agente de que se trata de substância entorpecente. Admite-se para integrar o tipo o dolo eventual, caracterizado nos casos em que o sujeito, pelas condições em que perpetrada a conduta, assumiu o risco de que fosse droga a mercadoria transportada. 10. Sujeita-se às sanções do art. 33, § 1º, inciso III, da Lei nº 11.343/03 o sujeito que utiliza de bem de sua propriedade, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico de drogas. 11. A confissão judicial, quando em sintonia com os demais elementos de convicção trazidos ao processo, é válida e deve ser levada em conta pelo julgador tanto como fundamento para uma decisão condenatória como para fins de aplicação da atenuante do art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal. 12. O depoimento do agente policial pode ser admitido como elemento de persuasão do juiz, pois o exercício da função, por si só, não desqualifica, nem torna suspeito seu titular. 13. Os sujeitos que se associam entre si para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o crime do art. 33 da Lei nº 11.343/06 incorrem no tipo penal do art. 35, caput, da Lei. O delito de associação para o tráfico caracteriza-se por um vínculo associativo com características de estabilidade e permanência, cujo conjunto probatório deve ser induvidoso quanto a ser integrado pelo réu. A atuação em comunhão de esforços e unidade de desígnios entre os agentes com vistas à obtenção do resultado ilícito é suficiente para configurar o concurso de pessoas, mas não para integrar a figura do art. 35 da Lei nº 11.343/06. Se para a perfectibilização da infração exige-se a prova da habitualidade nas operações de tráfico, não se pode entender que cada um dos fatos perpetrados pela facção criminosa perfaz um crime autônomo de associação (art. 35), de forma a permitir a condenação do réu, nesta modalidade típica, em concurso material. 14. É formal o crime capitulado no art. 35 da Lei n.º 11.343/06, de forma que a consumação ocorre com a prova efetiva do desígnio de convergência de vontades entre os agentes para o fim de traficar droga. Para a configuração do tipo penal não se exige a comprovação de destinatário do entorpecente, nem a identificação nominal de todos os indivíduos envolvidos na prática ilícita. 15. Da mesma forma que incumbe à acusação provar a existência do fato e demonstrar sua autoria, assim como o elemento subjetivo, é ônus da defesa, a teor do art. 156, 1ª parte, do CPP, certificar a verossimilhança das teses invocadas em seu favor. A técnica genérica de negativa de autoria dissociada do contexto probatório não tem o condão de repelir a sentença condenatória. 16. Consistentes e fartos elementos indiciários constituem elemento hábil a dar suporte à formação de convicção. A tendência de uma maior valorização da prova indiciária é uma perspectiva de natureza global. 17. A despeito de constituírem meio de prova (art. 239 do CPP), só excepcionalmente os indícios se prestam isoladamente a fundamentar um decreto condenatório. Em se tratando de crime de tráfico internacional de drogas e de associação para o tráfico, cujos exacerbados são os apenamentos impostos na Lei, exige-se provas robustas e contundentes a assentar a pretensão acusatória. Hipótese em que a prova indiciária, por sua evidente fragilidade, não permite a condenação de corréus pelos delitos dos arts. 35 e 36 da Lei nº 11.343/06. Se o parquet não se desincumbiu de provar a autoria do fato atribuído ao acusado na denúncia, ônus que lhe é atribuído pelo art. 156 do CPP, impõe-se a absolvição. A escuta telefônica e os depoimentos das testemunhas devem ser admitidos como meio de prova para assentar a tese acusatória. Não obstante, sem amparo em outros dados colhidos na instrução criminal, não se pode atribuir valor absoluto a tais espécies probatórias. Aplicação do princípio in dubio pro reo. 18. Admite-se a aplicação da regra do art. 71 do CP no delito de tráfico de drogas, desde que atendidos os requisitos legais. O lapso temporal de 30 dias fixado, via de regra, pela jurisprudência para o reconhecimento da continuidade delitiva não consiste em um critério matemático peremptório, admitindo elastério. Se os delitos praticados pelo réu são da mesma espécie e, pelas condições de tempo, espaço e modus operandi (CP, art. 71), é possível inferir que o fato subsequente é um simples desdobramento ou ampliação da conduta inicial do agente, deve ser rechaçada a tese da habitualidade criminosa, porquanto configurada a fictio juris do crime continuado. 19. Em se tratando de tráfico de drogas, a quantidade e a natureza da droga apreendida autorizam o agravamento da pena-base. O entendimento desta Corte, no que tange à carga atribuída (acréscimo de meses na pena-base) ao reconhecimento das vetoriais desfavoráveis, orienta-se no sentido de que o peso de cada vetorial é calculado a partir do termo médio entre o mínimo e o máximo da pena cominada, do qual se deduz o mínimo, dividindo-se este resultado pelo número de circunstâncias. A presença de circunstância judicial negativa ao réu justifica um agravamento da pena pouco acima do mínimo legal, ficando tanto mais distante quanto mais forem as diretrizes desfavoráveis. 20. A possibilidade de conhecimento da ilicitude é elemento da culpabilidade, sem o qual o agente será isento de pena, e não se confunde com a culpabilidade do art. 59 do CP, analisada para fins de dosimetria da pena. 21. Ausente nos autos dados que permitam avaliar a personalidade do agente, deve a vetorial ser considerada neutra. 22. Descabido o incremento da pena-base, na análise das circunstâncias do delito, quando o modus operandi empregado pelo réu não destoa da normalidade que a experiência tem revelado em delitos desta espécie. 23. O julgador, ao aplicar a pena-base, não pode valorar os mesmos fatos duplamente, tendo em vista a vedação ao bis in idem. 24. Nos termos do art. 67 do CP, admite-se, na segunda etapa da dosimetria, a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualmente preponderantes. Para tanto, porém, é preciso que o réu, livre e espontaneamente, admita a autoria do fato que lhe é imputado, com todos os elementos integrantes do tipo penal infringido, de forma a contribuir, satisfatoriamente, para a busca da verdade real e para o deslinde da ação penal, não sendo assaz a este fim a mera confissão parcial. 25. A majorante do inciso I do art. 40 da Lei nº 11.343/06 absorve a do inciso V. Se, num único contexto fático, configura-se o tráfico internacional e interestadual, prepondera a causa de aumento do inciso I. 26. Indispensável, para a incidência da regra do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, que o agente satisfaça, simultaneamente, aos requisitos legais. Se não há nos autos prova cabal de que o réu integra organização criminosa, deve ser aplicado o benefício em tela, pois a dúvida resolve-se em favor da defesa. As circunstâncias objetivas do fato ilícito e as subjetivas do agente devem ser sopesadas pelo julgador na fixação do quantum de redução de pena aplicado por força da minorante referida. De outro giro, não deve ser beneficiado com a mitigação de pena o acusado que integra organização criminosa. Impossível o reconhecimento do tráfico minorando quando o réu foi, também, condenado como incurso no art. 35 da Lei. 27. Em recente julgado, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, restando superada a obrigatoriedade de imposição de regime de pena inicial fechado a crimes hediondos e assemelhados. Na fixação do regime prisional ao condenado pela prática do crime de tráfico de drogas serão observados os requisitos do art. 33 do CP, atentando-se, à luz do art. 42 da Lei nº 11.343/06, para a natureza e a quantidade de droga. 28. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente julgado, entendeu pela possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos ao condenado pelo crime de tráfico de drogas, reconhecendo incidentalmente a inconstitucionalidade da expressão vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos, contida no caput do art. 44 da Lei nº 11.343/06 (HC nº 97256/RS, Rel. Min. Ayres Britto, j. em 01.09.2010). Descabida a imposição de sanções alternativas quando não atendido um dos requisitos do art. 44, inciso I, do CP (pena inferior a 04 anos). 29. Havendo robustos indícios de que o veículo foi utilizado para o tráfico de tóxicos e que, portanto, caracteriza-se como instrumento do crime, autorizado está o decreto de perdimento em favor da União, nos termos do caput do art. 62 e do art. 63 da Lei nº 11.343, do parágrafo único do art. 243 da CF e do art. 91, II, alínea a, do CP. Mantido perdimento
Rel. Des. Victor Luiz Dos Santos Laus
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