Processo penal. Habeas corpus. Estação rádio-base. Números utilizados em determinada localidade. Garantia constitucional (art. 5º, XII). Inaplicabilidade. Prova emprestada. 1. O inc. XII do artigo 5º da CF garante o sigilo das comunicações dos dados, mas não dos dados em si. Interpretação no sentido de que o sigilo se estende aos dados, ou seja, informações, contidas em qualquer suporte, físico ou eletrônico, inviabilizaria a produção de prova em qualquer processo judicial ou administrativo, pois o dispositivo autoriza a flexibilização apenas em relação às comunicações telefônicas, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, em razão de sua instantaneidade e efemeridade. 2. Bem por isso, outras informações, como os dados cadastrais dos usuários, relações de chamadas e números que utilizaram determinada estação rádio base, não estão sujeitos à disciplina da Lei 9.296/96, que regulamenta a parte final do inc. XII do art. 5°. 3. Com muito mais razão não há falar em sigilo - com necessidade de prévia autorização judicial - nas hipóteses em que a informação obtida diretamente pela autoridade policial junto às companhias telefônicas restringiu-se aos números de telefones que foram utilizados em uma determinada localidade, não havendo sequer indicação do proprietário da linha, tampouco do teor das conversas efetivadas. 4. A Constituição somente submete à controle jurisdicional prévio, a chamada reserva de jurisdição, medidas de três ordens, a saber: a interceptação telefônica em sentido estrito (CF, art. 5°, XII); o ingresso em domicílio sem autorização do proprietário e fora dos casos de flagrante delito, desastre ou socorro (CF, art. 5°, XI e CPP, art. 241) e a prisão fora dos casos de flagrante delito, prisão militar ou crime militar (CF, art. 5°, LXI). Há, ainda, casos em que a legislação impõe autorização judicial prévia, como se dá, por exemplo, com a infiltração policial (Lei n° 9.034/95, art. V; Lei n° 11.343/06, art. 53, I). 5. Os demais atos administrativos, incluindo aqueles praticados pela autoridade policial, estão sujeitos apenas a controle jurisdicional a posteriori, ainda que impliquem restrição de direito fundamental. Afirmar que toda restrição a direito fundamental depende de prévia autorização judicial implicaria a paralisação da atuação policial e administrativa, e o banimento do poder de polícia do Estado. 6. Se toda e qualquer restrição da intimidade e da vida privada requeresse autorização judicial, seria necessário, sob pena de paralisação da atuação administrativa, que um juiz atuasse, exemplificativamente: a) em todas as patrulhas policiais, para autorizar eventuais buscas pessoais; b) em todos os postos aduaneiros, incluindo portos, aeroportos e alfândegas terrestres, para autorizar a abertura da bagagem dos viajantes; c) em todos os estabelecimentos prisionais, para examinar a legalidade de eventual revista em celas ou em visitantes. 7. Os direitos fundamentais não são absolutos de modo que a medida tomada pela autoridade policial que implique sua restrição é permitida, desde que seja proporcional, ou seja, necessária, adequada e proporcional em sentido estrito. 8. No caso dos autos, a medida era necessária, pois não havia outro modo de obter informação acerca dos possíveis autores do roubo da carga apreendida. 9. A medida era também adequada, pois serviu aos fins de identificar um grande número de ligações de telefones oriundos de Ribeirão Preto-SP, o que se confirmou como algo atípico no perfil dos usuários da região e levou à identificação de possíveis responsáveis pela autoria do fato. Ainda no requisito da adequação, destaco que a medida não representou uma devassa ou restrição desarrazoada da vida privada e da intimidade de terceiros. Isso porque o pedido limitou-se à obtenção dos números utilizados, partindo daí, após a análise dos dados, o pedido de interceptação, devidamente justificado, em relação a alguns terminais. Como se vê, do fornecimento dos números não resultou prejuízo algum para os demais usuários do serviço. Somente se poderia falar em violação indevida da vida privada se fosse revelada publicamente a localização de algum terceiro, de modo a expor algum fato desabonador, como o fato de estar naquele local e data um cônjuge infiel, um empregado em falta ao serviço ou um aluno gazeteiro. Não há notícia, porém, de qualquer utilização indevida das relações de números obtidas inicialmente as quais, não custa frisar, sequer identificavam os titulares das linhas. 10. Por fim, quanto à proporcionalidade em sentido estrito, verifico que se investigavam crimes graves, de tráfico de drogas e roubo majorado, este cometido com emprego de armas, por uma pluralidade de agentes, em um depósito aduaneiro, por agentes que, dissimuladamente, se fizeram passar por policiais federais, tendo por objeto carga descaminhada apreendida anteriormente, de alto valor. Como se vê, trata-se de delitos graves, pelo menos um deles cometido com ousadia e sofisticação, tendo por objeto bens sob a guarda da administração pública e colocando em risco a integridade corporal e a vida de servidores públicos e de particulares, demonstrando à saciedade que não se tratou de uma restrição desproporcionada. 11. Não há ilegalidade na prova emprestada - interceptação telefônica - quando precedida de autorização judicial, sendo anexada aos autos cópia integral de seu conteúdo, possibilitando o pleno exercício dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.
Rel. Des. José Paulo Baltazar Junior
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