RELATOR : DESEMBARGADOR PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA -
Penal. Persecução decorrente do furto ao banco central em fortaleza (ce). Familiares e amigos de um dos furtadores que, conquanto não tenham tomado Parte no furto em si, sofreram a imputação de cometimento dos crimes de lavagem De dinheiro, de formação de quadrilha e de falsificação de documentos. Nem todos Estão com a própria culpa devidamente demonstrada, mas apenas alguns. Nem todas As condutas narradas configuram branqueamento de capitais, mas apenas algumas. Não houve quadrilha, nem tampouco crime autônomo de falsificação de Documentos. Pacial provimento de 03 (três) apelos, provimento integral dos demais. 1. Segundo o MPF, WANDERLEI TEIXEIRA DE ALMEIDA, PATRÍCIA LÚCIA DOS SANTOS ALMEIDA, SÉRGIO CORREIA DE MEDEIROS, ÂNGELA FORTUNATO CAMARGO DE OLIVEIRA, JOSÉ VIEIRA DA SILVA e ALECI VIEIRA DE ALMEIDA -- parentes e amigos de Edson Teixeira de Almeida, um dos que participou do furto ao BACEN ocorrido em Fortaleza (CE) -- teriam branqueado parte dos valores os quais, depois da divisão do butim, couberam ao último. Os seis teriam praticando ainda os crimes de quadrilha e, um deles, também o crime de falsificação de documentos; 2. Os réus foram condenados nos seguintes termos: 2.1) WANDERLEI TEIXEIRA DE ALMEIDA - 57 (cinquenta e sete) anos de reclusão, com regime inicial fechado, mais 1.400 (um mil e quatrocentos) dias-multa, ao valor unitário de um salário mínimo; 2.2) PATRÍCIA LÚCIA DOS SANTOS ALMEIDA - 22 (vinte e dois) anos de reclusão, com regime inicial fechado, mais 630 (seiscentos e trinta) dias-multa, ao valor unitário de 1/2 (meio) salário mínimo; 2.3) SÉRGIO CORREIA DE MEDEIROS e ÂNGELA FORTUNATO CAMARGO DE OLIVEIRA - 19 (dezenove) anos de reclusão, com regime inicial fechado, mais 540 (quinhentos e quarenta) dias-multa, ao valor unitário de 1/2 (meio) salário mínimo; 2.4) ALECI VIEIRA DE ALMEIDA - 07 (sete) anos de reclusão, com regime inicial semiaberto, mais 200 (duzentos) dias-multa, ao valor unitário de 1/2 (meio) salário mínimo; 2.5) JOSÉ VIEIRA DA SILVA - 47 (quarenta e sete) anos de reclusão, em regime inicial fechado, mais 1.300 (um mil e trezentos) dias-multa, ao valor unitário de 1/2 (meio) salário mínimo. 3. As preliminares agitadas nos recursos não merecem prosperar: 1.1) INÉPCIA DA DENÚNCIA: era inviável a individualização da conduta ao ensejo da imputação, máxime pela complexidade subjetiva dos laços familiares que envolviam os acusados; o processo serviu ao propósito de depurar a responsabilidade de cada um, quando houve responsabilidade; 1.2) PRETENSA NULIDADE DAS PROVAS: inexiste qualquer ilegalidade nas escutas telefônicas realizadas, seja porque (i) a quebra de sigilo inicial e suas prorrogações foram devidamente fundamentadas, seja porque (ii) o próprio ato de prorrogar a interceptação assenta-se na mais que induvidosa complexidade da causa (subjetivamente abrangente), seja, enfim, porque (iii) os diálogos relevantes foram transcritos e trazidos aos autos, o que acabou permitindo regular contraditório sobre todos eles; 1.3) AUSÊNCIA DE JUDICIALIZAÇÃO DOS ELEMENTOS DE PROVA COLHIDOS AINDA NO INQUÉRITO: certas evidências são naturalmente irrepetíveis, não se lhes exigindo a renovação durante a tramitação do processo; 1.4) CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA: não sucede, porque os réus puderam, sem qualquer embaraço, realizar as movimentações legalmente facultadas à resistência, dentre as quais não estão aquelas de natureza meramente procrastinatória. 4. A imputação principal (lavagem) é juridicamente sustentável: 4.1) ainda quando o "furto" não estivesse entre no rol dos ilícitos "antecedentes" à época dos gastos apurados neste processo, a permitir o cometimento do crime "posterior" de lavagem de dinheiro mercê da prática gestos de ocultação e/ou dissimulação da res furtiva, o fato é que o MPF pretendeu configurado o branqueamento de capitais porque o crime anterior (o furto ao BACEN) teria sido cometido por "organização criminosa", o que já permitiu, por si, a incidência da norma penal incriminadora (Lei 9613/1998, Art. 1º, VII); 4.2) não há, aliás, inconstitucionalidade na Lei 9613/1998, Art. 1º, VII, sobretudo porque o conceito de "organização criminosa", que aquele diploma não define, foi suficientemente aperfeiçoado através da Convenção de Palermo, aprovada pelo Decreto Legislativo 231/03 e promulgada pelo Decreto 5015/04, donde a inocorrência da vulneração à taxatividade constitucional (Art. 5º, XXXIX). Ainda quando exista alguma contribuição doutrinária em sentido contrário, apontando a pretensa inconstitucionalidade da referida lei e/ou de sua aplicação, a jurisprudência parece caminhar na direção de sua constitucionalidade, cf. HC 77.771-SP, do STJ; 5. Acertou, pois, a sentença: 5.1) quando rechaçou o argumento, pueril, de que os réus não participaram de organização criminosa: não é preciso que tivessem atuado em ORCRIM para que a lavagem fosse viável, mas que o dinheiro fosse egresso de uma (era o caso); 5.2) quando refutou o argumento de que os réus não sabiam do furto, porque todos os indícios, todas as provas, apontam em sentido contrário; 5.3) quando condenou WANDERLEI TEIXEIRA DE ALMEIDA (duas vezes, em concurso material) pela lavagem praticada através do "RESTAURANTE E CHOPERIA CANAÃ LTDA. ME" e do "AUTO POSTO CANAÃ" (Lei 9613/98, Art. 1º, VII, § 2º, I); 5.4) quando condenou SÉRGIO CORREIA DE MEDEIROS pelo crime de lavagem praticado através da "GRANJA NOSSA SENHORA APARECIDA LTDA" (Lei 9613/98, Art. 1º, VII, § 2º, I); 5.5) quando condenou JOSÉ VIEIRA DA SILVA pelo crime de lavagem no auxílio à conversão do dinheiro furtado na empresa "EXPLOSÃO VEÍCULOS LTDA" (Lei 9613/98, Art. 1º, VII, § 1º, I); 5.6) quando decretou o perdimento de todos os bens apanhados (fls. 1529 e 1530); 6. Errou a sentença, porém (a partir das penas cominadas, algumas superiores àquelas que foram destinadas aos próprios "assaltantes" do BACEN, revelando evidente desproporcionalidade): 6.1) quando pretendeu configurada a lavagem em alguns gestos que representavam mera usufruição do dinheiro furtado, sem qualquer compromisso com o propósito de sua ocultação e/ou dissimulação; 6.2) quanto a algumas compras, feitas apenas para permitir que o mecanismo real de lavagem (já punido) tivesse lugar (non bis in idem, consunção); 6.3) quando também responsabilizou um contador (JOSÉ VIEIRA) por certos documentos falsos que apenas tinha consigo, mas que foram apresentados por clientes, o mesmo acontecendo quanto a outros documentos contrafeitos utilizados na elaboração do próprio mecanismo de lavagem já punido (non bis in idem, consunção) -- a responsabilidade de JOSÉ VIEIRA deve ficar restrita à sua participação (real, demonstrada) na formalização de "EXPLOSÃO VEÍCULOS LTDA"; 6.4) quando viu presente uma quadrilha sem que tivesse sido demonstrada qualquer estabilidade anímica entre os supostos integrantes, qualquer gestual tendente à consertação criminosa, qualquer ânimo associativista criminoso; 6.5) quando condenou esposas (PATRÍCIA LÚCIA e ÂNGELA FORTUNATO) que, diante da prova realizada, não tiveram nenhum protagonismo para além da necessária convivência doméstica com os maridos -- eles, sim, implicados no crime de lavagem; 6.6) quando condenou um réu (ALECI VIEIRA) por haver sido sócio de certo empreendimento econômico considerado como lavagem, porque a prova feita demonstra -- de maneira segura, matematicamente aferida -- que ele tinha recursos de origem lícita para empreender de modo igualmente lícito; 6.7) quando fixou a pena-base do réu WANDERLEI TEIXEIRA, relativamente ao crime de lavagem em quase o dobro (07 anos) do mínimo legal (03 anos). 7. Penas finais dosadas: 7.1) WANDERLEY TEIXEIRA DE ALMEIDA: 10 anos de reclusão (05 por cada crime), em regime inicial fechado, mais 200 dias-multa (100 por cada crime), cada um deles dosado à razão de 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos; 7.2) SÉRGIO CORREIA DE MEDEIROS: 03 anos de reclusão (como a própria sentença o fez), em regime inicial aberto, mais 90 dias-multa, cada um deles dosados em 1/2 salário mínimo vigente à época dos fatos; 7.3) JOSÉ VIEIRA DA SILVA: 05 anos de reclusão (como estipulado na sentença), em regime inicial semi-aberto, mais 100 dias-multa, cada um deles à razão de 1/2 salário mínimo vigente à época dos fatos. 8. APELAÇÕES DE (1) WANDERLEY TEIXEIRA DE ALMEIDA, (2) SÉRGIO CORREIA DE MEDEIROS E (3) JOSÉ VIEIRA DA SILVA PARCIALMENTE PROVIDAS; APELAÇÕES DE (4) PATRÍCIA LÚCIA DOS SANTOS ALMEIDA, (5) ÂNGELA FORTUNATO CAMARGO DE OLIVEIRA E (6) ALECI VIEIRA DE ALMEIDA TOTALMENTE PROVIDAS.
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