Penal. Processual penal. Hipossuficiente. Defensoria pública. Capacidade postulatória. Crime praticado contra instituição de ensino estadual. Incompetência da justiça Federal. Falsidade ideológica. Estelionato. Verba lícita. Não caracterização. Uso do Documento. Exaurimento do falso. Emendatio libelli. Inexistência de reformatio in Pejus. Falsificação de histórico escolar. Inclusão de dados falsos em relatório de Monitoria. Delitos diversos. Relevância da informação falsa. Provimento parcial do Recurso de apelação. 1. Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que, em sede de ação penal, condenou o réu pela prática dos delitos capitulados no Código Penal, no art. 304 c/c o art. 299 e art. 298, por duas vezes (relatórios de monitoria); art. 304 c/c o art. 299 e art. 297, por duas vezes (históricos escolares da UFPE); e art. 304 c/c o art. 297, por uma vez (histórico escolar da UPE), em concurso material, às penas de 1 (um) ano e 02 (dois) meses para cada um dos dois primeiros delitos, praticados por duas vezes, e de 2 (dois) anos para o último, totalizando a pena em 4 (quanto) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime semi-aberto, além da pena de 60 (sessenta) dias-multa, sendo 40 (quarenta) dias-multa pelos dois primeiros crimes, praticados por duas vezes cada um deles, e 20 (vinte) dias-multa pelo último dos delitos. 2. Por expressa determinação constitucional, os hipossuficientes devem receber assistência judiciária integral do Estado (art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal), cabendo à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados (art. 134 da Constituição Federal c/c art. 4º, inciso I, da Lei Complementar nº 80/1994). Embora o réu tenha constituído causídico para a sua defesa durante o andamento do processo até a sentença, este fato não é suficiente para descaracterizar a sua hipossuficiência, haja vista a condição de financeira desfavorável do réu, estagiário, com renda de R$ 726,00 (setecentos e vinte e seis reais), enquadrando-se no perfil do parágrafo único, do artigo 2º, da Lei nº 1.060/1950“ (fl. 322), não sendo a ausência de declaração capaz de afastar a situação fática do hipossuficiente, defendido pela Defensoria Pública, ademais, quando o Ministério Público não traz qualquer prova em contrário da condição desfavorável do assistido, consoante exigido pela Lei. Não há que se falar, no caso presente, de desvirtuação da atuação da Defensoria Pública. 3. A Justiça Federal é incompetente para processar e julgar as infrações penais ocorridas no âmbito de instituição de ensino estadual (Universidade de Pernambuco - UPE) e os desdobramentos verificados perante entidade privada (Centro de Integração Empresa-Escola - CIEE) e órgão estadual (Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco - TCU/PE). 4. Inocorrência de conexão entre os crimes praticados perante a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE e a Universidade de Pernambuco - UPE, pois não há qualquer relação entre os fatos ocorridos na instituição de ensino federal e na estadual, não sendo a espécie de crime o suficiente para a caracterização da conexão, quando ausentes os requisitos do art. 76 do Código de Processo Penal. 5. O estelionato é crime patrimonial, consistente da obtenção, em prejuízo alheio, de vantagem ilícita, de cunho econômico. Assim, a “vantagem auferida pelo agente deve implicar numa perda, de caráter econômico, ainda que indireto, para outra pessoa“ (Código Penal Comentado, Guilherme de Souza Nucci, 11ª edição, editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 834), devendo, para a caracterização do ilícito, necessariamente “que o meio fraudulento seja a causa da entrega da coisa“ (Código Penal Interpretado, Julio Fabbrini Mirabete, 1ª edição, editora Atlas, 2000, p. 1.095). Não se caracteriza o crime de estelionato quando não se vislumbra a existência de vantagem econômica ilícita, não se configurando a bolsa remuneratória da monitoria, recebida em contrapartida ao serviço prestado, como verba ilícita. 6. Consoante pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal decidiu que “O uso dos papéis falsificados, quando praticado pelo próprio autor da falsificação, configura “post factum“ não punível, mero exaurimento do “crimen falsi“, respondendo o falsário, em tal hipótese, pelo delito de falsificação de documento público (CP, art. 297) ou, conforme o caso, pelo crime de falsificação de documento particular (CP, art. 298)“ (STF, 2ª T., HC 84.533, Min. Celso de Mello, DJ 30/06/06). Assim, deve o réu responder pela falsificação e não pelo uso. A desclassificação do crime não importa em prejuízo para a defesa, já que esta se defende dos fatos, e não da capitulação. 7. A inserção de dados falsos em documento público ou particular importa na prática do crime de falsidade ideológica, nos termos do art. 299 do Código Penal, estando, no caso, presente a materialidade e a autoria, não tendo sido objeto do recurso de apelação, pois não há qualquer controvérsia quanto ao fato de que o réu inseriu dados falsos, referentes às suas notas, no sistema sig@ da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, modificando o real conteúdo do seu histórico escolar, apresentando-o para fins de ingresso em monitoria, bem como, posteriormente, inseriu essas notas alteradas nos relatórios de monitoria. A alteração do histórico escolar e a inserção de notas em relatório de monitoria ocorreram, em cada caso, por duas vezes. 8. A alegação do réu de que a inclusão das notas adulteradas no relatório de monitoria consistiu fato jurídico irrelevante, suficiente para descaracterizar o crime previsto no art. 299 do Código Penal, não merece acolhimento, haja vista que essas notas fazem parte da avaliação que o professor faz do monitor e, por óbvio, estando aquelas falseadas, a avaliação fica distorcida, pois baseada em documento falsificado, o que torna relevante a existência de informação inverídica. Por outro lado, não constitui a punição pela inclusão das notas falsificadas nos relatórios de monitoria em bis in idem, tendo em vista que são condutas distintas, uma é a falsificação do histórico escolar, outra é a falsificação do relatório de monitória, ou seja, a falsificação ocorreu em documentos distintos, devendo o réu responder por cada um deles. 9. Emendatio libelli para afastar a condenação pelo uso de documento público (art. 304 do Código Penal), mero exaurimento do crime de falso, com a condenação do réu pelo crime de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal), por quatro vezes, duas falsificações do histórico escolar, em semestres distintos, e duas falsificações do relatório de monitoria, também em semestres diversos. Mesmo que o recurso de apelação tenha sido apenas do particular, não há na emendatio libelli qualquer prejuízo ao réu (reformatio in pejus), já que as penas dos dois crimes (uso de documento falso e falsidade ideológica) são idênticas. 10. Dosimetria da pena que considerou a culpabilidade elevada do réu, quando da análise das circunstâncias judiciais, a atenuante de confissão, na segunda fase, e o aumento de pena, pela continuidade delitiva, na fase final, para condenar o réu à pena em definitivo de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, a ser cumprida em regime aberto, nos termos do art. 33, § 2º, alínea “c“, do Código Penal, com a substituição por duas penas restritivas de direito, nos termos do art. 44, § 2º, parte final, do Código Penal, a ser fixada pelo Juízo da Execução Penal. 11. Provimento parcial do recurso.
Rel. Des. Francisco Barros Dias