Penal e processual penal. Descaminho (art. 334, caput). Ingresso de mercadoria Estrangeira no país sem documentação fiscal. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Materialidade e autoria comprovadas. Apelo provido. Reconhecimento ex officio da prescrição retroativa. Extinção da punibilidade. 1. Na hipótese dos autos, narra-se que o réu foi identificado como proprietário de mercadorias de procedência estrangeira, algumas desacompanhadas da documentação legalmente exigida, outras mediante apresentação posterior de notas fiscais inidôneas, pelo que o Ministério Público Federal apresentou denúncia requerendo-lhe a condenação pelo crime previsto no Art. 334 do Código Penal; 2. De todas as mercadorias apreendidas, algumas delas não têm a mais mínima comprovação de regularidade. São 100 boxes para CDs, um perfume da marca JEAN PAUL GAUTIER e três perfumes da marca YVES SAINT LAURENT, todos desacompanhados da documentação necessária (estão relacionadas no laudo de fls. 83/102; e não constam nas notas fiscais de fls. 11/19 e 41/52 do IPL), pelo que resta configurado o crime de descaminho; 3. Sabe-se, é verdade, que os crimes de descaminho vulneram interesses da Fazenda Pública, na exata medida em que são reduzidos os tributos os quais, através de importação regular, seriam arrecadados (tutela primária); 3. De outro lado, é induvidoso que tais ilícitos também agridem outros valores socialmente relevantes, como a saúde pública e a lealdade concorrencial, ambos tutelados secundariamente, e nada disso pode ser mensurado em termos financeiros, pelo que resta impraticável a adoção do conceito de crime de bagatela em caso como o dos autos; 4. Assim, devidamente comprovadas a autoria e a materialidade do delito, sendo inaplicável o princípio da insignificância pelos motivos acima esposados, é de se reformar a sentença para condenar o réu nas penas do Art. 334, caput, do Código Penal; 5. Quanto à dosimetria, deve-se fixar a pena-base (relativamente à pena privativa de liberdade) no mínimo legal (01 ano de reclusão), haja vista o comportamento do réu não revelar culpabilidade ou mesmo grau de reprovabilidade elevados (e nada há nos autos que justifique sua fixação acima do patamar mínimo); na segunda fase, inocorrem circunstâncias agravantes/atenuantes; na terceira e última fase, nada há que implique o aumento/redução da pena, resultando a pena privativa de liberdade em 01 (um) ano de reclusão; 6. Contudo, passados mais de 06 (seis) anos entre o fato delitivo (22.10.2002, cf. fls. 03/07) e a data do recebimento da denúncia (05.10.2006, cf. fls. 9/10), constata-se lapso temporal suficiente para que seja reconhecida a prescrição retroativa pela pena aplicada, a gerar a extinção da punibilidade, a teor do que dispõe o Art. 109, V, do CP, o qual prevê o prazo de 04 (quatro) anos para prescrição da pena igual a 01 (um) ano e não excedente a 02 (dois), comunicada para a pena de multa que tenha sido cominada (CP, Art. 114, II); 7. Havendo a ocorrência da prescrição retroativa, é de ser reconhecida mesmo ex officio, matéria de ordem pública que é, jamais sujeita aos rigores da preclusão - Súmula nº 241 do extinto TFR; 7. É importante salientar que as alterações formuladas pela Lei nº 12.234/2010 ao CP, Art. 110, §§ 1º e 2º --- impedindo o cômputo da prescrição retroativa a partir de termo anterior ao momento do recebimento da denúncia ---, não se aplicam à hipótese, vez que os autos tratam de fatos anteriores ao advento da mencionada modificação legislativa, e a Lei Penal somente retroagirá em benefício do réu (CF, Art. 5º, XL); 8. Apelação provida. Reconhecimento ex officio, nada obstante, da prescrição retroativa.
Relator: Desembargador Federal Paulo Roberto De Oliveira Lima
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