ACR – 10701/PE – 0012535-62.2010.4.05.8300

RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL IVAN LIRA DE CARVALHO -  

Penal. Desvio de medicamentos e materiais hospitalares do sus. Peculato. Art. 312, § 1º, do código penal. Quadrilha. Art. 288 do código penal. Princípio da Insignificância. Inaplicabilidade. Inexigibilidade de conduta diversa. Ausência de Comprovação da alegada dificuldade econômico-financeira. Contumácia do agir Ilícito demonstra consciência da ilicitude, motivada pelo lucro fácil. Crime de Quadrilha. Presença dos requisitos necessários à configuração da conduta delitiva. Razões de apelação apresentadas após o prazo legal. Mera irregularidade. Dúvida Quanto à voz captada nos diálogos pela interceptação telefônica. Perícia não Requerida e contestação tão somente em sede de apelação. Prova emprestada. Depoimento de réu em outra persecução penal. Possibilidade. Inocorrência de Cerceamento de defesa. Prova obtida na fase inquisitorial. Possibilidade de Utilização. Confronto com demais provas constantes dos autos. Ausência de Ilegalidade por submissão ao contraditório. Dosimetria da pena. Ausência de Apreciação em separado. Não violação ao princípio da individualização da pena. Equivalência das condutas para a consumação do delito. Pena-base no mínimo legal. Presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis aos réus. Critérios objetivos. Reprovabilidade. Atenuante da confissão espontânea. Observância na sentença. Continuidade delitiva. Patamar de aumento. Critérios objetivos diante do Quantitativo de práticas delitivas e o período de tempo. Pena de multa. Proporcionalidade à pena privativa de liberdade e ao grau de reprovabilidade. Apelações improvidas. I. Noticia a peça acusatória que no curso de investigação criminal - a denominada "Operação Desvio" - constatou-se que funcionários de hospitais públicos integrantes do SUS atuavam, no contexto de uma organização criminosa, como captadores e promoviam a coleta e desvio de remédios, normalmente a preços vil, para atravessadores, os quais se utilizavam de expedientes fraudulentos para reinserir os aludidos produtos no mercado, participando os denunciados do esquema de desvio como "captadores" de fármacos e materiais hospitalares, valendo-se das funções a ele confiadas no Hospital da Restauração: o servidor Edvaldo Inácio da Cruz, como recepcionista de laboratório do Hospital da Restauração, desde o ano de 2005; e os terceirizados Antônio Ferreira do Nascimento Neto, digitador do setor de farmácia de emergência, e David Araújo de Andrade Júnior, dispensador de medicamentos, durante, pelo menos, o ano de 2009, bem como James Lucas da Silva, maqueiro, durante os anos de 2007 a 2010. Por fim, que agiam os três primeiros, juntamente os demais denunciados em outras peças acusatórias na qualidade de atravessadores, ou mesmo de captadores, com vontade consciente de se associarem e vínculo subjetivo para a prática do delito. II. Julgada procedente, restaram os acusados condenados às seguintes penas: EDVALDO INÁCIO DA CRUZ: - crime do art. 312, § 1º, c/c art. 71, ambos do Código Penal - 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 240 (duzentos e quarenta) dias-multa; - crime do art. 288 do Código Penal - 2 (dois) anos de reclusão. ANTONIO FERREIRA DO NASCIMENTO NETO: - crime do art. 312, § 1º, c/c art. 71, ambos do Código Penal - 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 180 (cento e oitenta) dias-multa; - crime do art. 288 do Código Penal - 2 (dois) anos de reclusão. DAVI ARAÚJO DE ANDRADE JÚNIOR: - crime do art. 312, § 1º, c/c art. 71, ambos do Código Penal - 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 180 (cento e oitenta) dias-multa; - crime do art. 288 do Código Penal - 2 (dois) anos de reclusão. JAMES LUCAS DA SILVA: - crime do art. 312, § 1º, c/c art. 71, ambos do Código Penal - 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão e 210 (duzentos e dez) dias-multa. III. Apelo onde se pretende a absolvição aduzindo a aplicabilidade do princípio da insignificância e a inexigibilidade de conduta diversa; ser contrária às provas coligidas a condenação pelo crime de quadrilha; haver dúvida quanto à voz do diálogo constate das interceptações telefônicas que lastrearam a sentença; utilização de depoimento de pessoa acusada em outro processo criminal, alheia ao presente, como se fosse prova emprestada; inviabilidade do interrogatório de corréu na fase inquisitorial por não ratificado em juízo. Subsidiariamente, inexistência de individualização na aplicação das penas, com patamares idênticos para os quatro acusados, não se diferenciando a conduta de cada qual; a fixação da pena-base no mínimo legal, considerar-se a confissão espontânea em juízo; excessividade do patamar de aumento pela continuidade delitiva, desproporcionalidade da pena de multa e a necessidade de ver substituída sua pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. IV. Inaplicável, ao crime de peculato, o princípio da insignificância, pois neste caso a norma penal busca resguardar a moral administrativa, e não apenas o aspecto patrimonial. Precedentes: TRF5, 2ª T., ACR-8591/PE, rel. Des. Federal Francisco Wildo, j. 15.05.2012, DJe 24.05.2012, p. 318; STJ, 5ªT., HC-2010.00575564, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 06.12.2010). No caso concreto, ainda, presente a periculosidade social da ação, decorrente do desvio de medicamentos e equipamentos médicos destinados à camada populacional mais carente, bem como, em decorrência do seu ato, tornar vulnerável a saúde pública. V. Além de não haver ele se desincumbido de comprovar o alegado, não se trata, a conduta em apreço, inclusive pela sua contumácia, de uma situação em que o ora apelado seria impelido ao seu cometimento para prover o sustento seu e de seus familiares, mas sim demonstradora de um agir consciente, motivado no lucro fácil. VI. Para a consumação do crime de quadrilha é exigível a vinculação subjetiva de mais de três agentes que se unem para o cometimento dos delitos, bastando, assim, a demonstração do ânimo associativo para a sua caracterização. No caso, a instrução probatória, em especial a interceptação telefônica legalmente autorizada, evidenciou o permanente contato com os outros integrantes do esquema delituoso, diálogos esses cujo teor apontou de forma cabal a existência de uma verdadeira organização destinada ao cometimento de crimes. VII. Quando da confissão de haver praticado a ação capitulada como peculato, foram citados diversos outros indivíduos que igualmente integravam o esquema, com identidade de desígnios, preenchendo os requisitos necessários à configuração do crime de quadrilha. VIII. A jurisprudência dos tribunais superiores, seguida por este Sodalício, tem sufragado entendimento no sentido de que, ainda que extemporâneas as razões de apelo apresentadas pela defesa, tal demora se reveste de mera irregularidade a qual não há de constituir vício a obstar o conhecimento do recurso por intempestividade. IX. Ausente no caderno processual anterior contestação às interceptações telefônicas no que diz respeito a ser sua ou não a voz nos diálogos sob investigação, restringindo-se as alegações finais tão somente a impossibilidade de condenação baseada unicamente nas provas do caderno inquisitorial, em nada pontuando a questão aqui posta. X. Eventual inexistência de perícia decorreria apenas da percepção do juízo de piso, eis que não requerida ou reclamada pela parte. XI. É possível ser utilizada prova emprestada de outro caderno processual diante do liame do esquema delituoso, cujos atores não se restringiam aos nominados na peça acusatória, mas a inúmeros outros indivíduos, ensejado o processamento de inúmeras ações penais. XII. A partir dos diálogos interceptados mostra-se necessária, por coerência, uma análise maior sobre a questão e, desta forma, a observância das provas coligidas em outras persecuções penais cujo objeto é o resultado da denominada "Operação Desvio" deflagrada em razão da notícia de desvio de medicamentos e materiais hospitalares de unidades mantidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), não havendo como se refutar a possibilidade de utilização de conjunto probatório advindo de processos desmembrados da mesma operação. XIII. Ao confronto de todo o conjunto probatório, sendo coligido a partir da fase inquisitorial um dos muitos elementos de convicção do juízo, é de se afastar qualquer ilegalidade pela utilização de prova produzida na esfera policial, notadamente quando submetida essa ao contraditório durante a instrução. XIV. Resta ausente violação ao princípio da individualização da pena a não apreciação em separado, na medida em que, além de ter havido certa equivalência nas condutas dos réus para a consumação do delito, não houve análise superficial pelo julgador, tanto que foi reconhecida a atenuante da confissão em favor de Antônio Ferreira do Nascimento Neto, David Araújo de Andrade Júnior e James Lucas da Silva. XV. Há óbice à condução da pena-base ao mínimo legal tendo em vista a presença de circunstâncias judiciais ponderadas em desfavor dos acusados/apelantes - culpabilidade em grau intenso, personalidade (predisposição para a prática de infrações de natureza semelhante), motivação (lucro fácil em detrimento da saúde da população), circunstâncias e consequências do crime. XVI. Tomando-se um critério objetivo, a exemplo do definido por Guilherme de Souza Nucci (Código Penal comentado, 11.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 438/440), não se mostra pertinente qualquer reescalonamento, notadamente quando inexiste critério matemático para a aferição, o decreto condenatório trouxe em seu corpo uma ponderação da culpabilidade em sentido amplo, não se mostrando os quanta ali consignados dissociados de uma necessária reprovabilidade pelo agir delituoso e a pena-base se mostra fixada abaixo do patamar médio. XVII. A atenuante da confissão espontânea foi considerada na sentença, com a redução da pena em expressivo patamar de 1/6 (um sexto) da pena para os acusados/apelantes de Antônio Ferreira do Nascimento Neto, David Araújo de Andrade Júnior e James Lucas da Silva. XVIII. Diante do significativo quantitativo de práticas delitivas, em período de tempo, e adotando-se critério objetivo delineado nos tribunais superiores, mostra-se pertinente a aplicação dos patamares indicados na sentença para o necessário aumento da pena. XIX. Guarda-se proporcionalidade a pena de multa fixada na senteça ao se confrontar a pena privativa de liberdade e a reprovabilidade às condutas delitivas perpetradas. XX. Apelações improvidas.  

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