ACR – 11069/PE – 2008.83.00.016860-8 [0016860-51.2008.4.05.8300]

REL. DES. ROGÉRIO FIALHO MOREIRA

Penal e processual penal. Aquisição e transporte de areia extraída, sem autorização Da área de assentamento do Incra. Conduta tipificada no § 1º do art. 2º da lei n.º 8.176/91. Emendatio libeli. Prescrição retroativa do crime ambiental. Desnecessidade Da declaração de atipicidade em relação ao delito do art. 55 da lei n.º 9.605/98. Inépcia Da denúncia, erro de tipo e de proibição, ausência de provas da materialidade e da Autoria, ofensa a proporcionalidade e razoabilidade e excesso na aplicação da pena Não configurados. Readequação das penas. Incompatibilidade da pena de Recuperação do meio ambiente degradado com a prescrição do crime ambiental. Exclusão do aumento de pena decorrente do concurso formal. Apelação Parcialmente provida. 1. Apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida na denúncia para condenar o réu às penas de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, e de multa no valor de 10 (dez) salários mínimos, pela prática de condutas tipificadas nos arts. 55 da Lei n.º 9.608/98 e 2º da Lei n.º 8.176/91 (extração de areia sem autorização dos órgãos competentes), em concurso formal próprio (CP, art. 70, primeira parte). 2. Pena privativa de liberdade substituída por restritivas de direito, sendo a primeira de prestação de serviços à comunidade, tendo por objeto a recuperação da área degradada, mediante a apresentação de projeto aprovado pelo IBAMA, com o objetivo de recomposição das áreas impactadas, a ser executado pelo réu dentro do prazo da condenação, na forma do art. 8º, I, c/c o art. 9º, ambos da Lei n.º 9.605/98, e a segunda de prestação pecuniária, no valor mensal de R$ 80,00 (oitenta reais), a ser revertida em favor de instituição a ser escolhida na audiência admonitória. 3. Conduta delituosa praticada antes do início da vigência da Lei n.º 12.334, de 20 de setembro de 2010, tornando possível o reconhecimento de eventual prescrição retroativa entre a data do fato e a data do recebimento da denúncia. Contagem do prazo prescricional de 2 (dois) anos para os crimes com condenação inferior a 1 (um) ano, nos termos da redação originária do art. 109, inciso VI, c/c o art. 110, caput, ambos do Código Penal. 4. Pela prática do delito do art. 55 da Lei n.º 9.605/98, a sentença condenou o apelante à pena privativa de liberdade de 9 (nove) meses de detenção, sem que tivesse havido a incidência de circunstâncias atenuantes agravantes ou de causas de diminuição ou de aumento de pena, salvo a majorante do concurso formal (CP, art. 70, primeira parte). 5. No cálculo da prescrição, o magistrado deverá considerar a pena aplicada isoladamente a cada um dos delitos, excluindo eventual aumento de pena resultante do concurso formal (CP, art. 119). 6. Constatação de que, entre a data do fato (22/09/2008) e a data do recebimento da denúncia (6/6/2012), transcorreu prazo superior a 2 (dois) anos, devendo ser reconhecida, de ofício, a prescrição da pretensão punitiva referente ao crime ambiental. Prejudicada a apelação naquilo que disser respeito ao delito do art. 55 da Lei n.º 9.605/98. 7. Descrição fática contida na denúncia que permite a exata compreensão de que se imputa ao apelante a responsabilidade penal pela aquisição e transporte de areia extraída na área do Assentamento Ubu, localizado no Município de Itapissuma/PE, em razão de ter ele empregado nessa atividade caminhões de sua propriedade e de sua esposa, determinando ainda que seu funcionário cumprisse a tarefa. 8. Constatação de que o apelante, em diversas oportunidades, atuou livremente no processo oferecendo defesa oral e escrita, sob a alegação principal de não ter autorizado ou determinado a seu motorista a compra de areia extraída clandestinamente, conforme depoimento prestado em juízo e alegações finais. 9. Apesar de a conduta descrita não se subsumir ao caput do art. 55 da Lei n.º 9.605/98, uma vez que sua atuação, segundo apurado no inquérito policial e narrado na denúncia, consistia na aquisição e no transporte de areia extraída sem autorização, não se faz necessária a declaração da atipicidade em relação ao crime ambiental, ante o reconhecimento da prescrição retroativa. 10. Necessidade de emendatio libeli, no que tange ao crime de usurpação, a fim de que haja perfeita correlação entre a acusação (narrativa dos fatos) e a sentença, uma vez que a conduta descrita na denúncia se enquadra, não no caput do art. 2º da Lei n.º 8.176/91 (Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpacão, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo), mas, sim, na descrição típica do § 1º do art. 2º da Lei n.º 8.176/91 (Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo). 11. Não acolhimento da preliminar de inépcia da denúncia, tendo em vista que a tese defensiva consistiu basicamente na ausência de determinação para que seu funcionário procedesse à aquisição e ao transporte de areia extraída da área do Assentamento Ubu e no desconhecimento de que a extração do minério naquela área carecia de autorização dos órgãos competentes. 12. Alegações de "erro de fato" e "erro de direito" que, apesar das denominações superadas pelo atual estágio da Ciência Penal, podem significar, cada uma delas, tanto erro de tipo quanto erro de proibição. 13. Ainda que tivesse havido erro sobre alguma elementar do tipo penal (erro de tipo) ou sobre a ilicitude do fato (erro de proibição) por parte de seu funcionário, na condição de motorista do caminhão, o reconhecimento desses alegados "erro de direito e de fato" em nada aproveitaria ao apelante, uma vez que inexiste no ordenamento jurídico fundamento para afastar a responsabilidade do autor imediato com base em suposto erro do autor mediato. 14. Não haveria ainda que se falar em erro próprio, por falta de conhecimento da ilicitude da aquisição e transporte de areia extraída clandestinamente do Assentamento Ubu, pois, se o apelante sabia previamente da necessidade de autorização para extração de areia, não poderia invocar sem seu favor "erro de direito" (erro de proibição). 15. Não se mostra também possível reconhecer que o apelante incidiu em erro sobre elemento normativo do tipo penal ("sem autorização legal", art. 2º da Lei n.º 8.176/91, e "sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida", art. 55 da Lei n.º 9.605/98), uma vez que o recorrente, consoante trechos de seu depoimento, deixou claro saber da necessidade de autorização para extração de areia no local do Assentamento Ubu, e que sabia se determinada área era ou não legalizada através da exibição de documentos. Não reconhecimento do erro de tipo. 16. Elementos de prova constantes dos autos que não deixam dúvidas de que o caminhão do apelante estava na área do Assentamento Ubu carregado de areia no momento de sua apreensão. Isso ficou bem claro do Auto de Apreensão constante do Inquérito Policial, que em seu item 1 discrimina como material apreendido 7,5m3 (sete e meio metros cúbicos) de areia. Depoimento da testemunha prestado à Polícia Federal e confirmado em Juízo afirmando que a areia encontrada no caminhão de propriedade do apelante foi extraída do Assentamento Ubu. Alegação de ausência de provas suficientes para caracterização da materialidade delitiva rejeitada. 17. Nos crimes de autoria mediata, a prova de que o autor imediato agiu em cumprimento a determinação do autor mediato dificilmente poderia ser obtida se não fosse através do depoimento daquele que pessoalmente praticou o fato, confrontado com o depoimento daquele de quem partiu a ordem para a prática do fato, em conjunto com os demais elementos de prova coligidos aos autos. A partir do depoimento do apelante, ficou claro que ele sabia da necessidade de autorização para extração de areia no local, seja porque o DNPM e o INCRA já haviam realizado vistorias no local, informando a todos sobre a proibição de extração de areia naquela área, seja porque o valor pago por carrada de areia extraída daquele Assentamento, cerca de R$ 40 (quarenta reais) ou R$ 50 (cinquenta reais), seria bastante inferior ao valor R$ 200,00 (duzentos reais) cobrados, mediante vale, para a coleta de areia nas áreas legalizadas. 18. Embora seja razoável entender que o coautor, esteja ou não na condição de réu, não pode atuar como testemunha de acusação, salvo nas hipóteses de delação premiada, haja vista a incompatibilidade entre o direito constitucional ao silêncio e a obrigação de dizer a verdade imposta a quem presta depoimento (AP 470/DF, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJ 01/010/2009; HC 88223/RJ, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 17/04/2008, DJe 19/05/2008), na hipótese de autoria mediata, em que o executor material do fato funciona como mero instrumento do autor mediato, entendo inexistir qualquer óbice a participação deste no processo como testemunha de acusação, pois nesse caso não há qualquer incompatibilidade entre o dever de dizer a verdade e o direito de permanecer em silêncio. 19. É evidente que o proprietário do caminhão não poderia ser responsabilizado pelo ilícito praticado pelo seu empregado, se não soubesse da prática do fato criminoso. Mas, no caso concreto, o dono do caminhão exercia a atividade de compra de areia e revenda para depósitos de material de construção, entregando ao motorista, em espécie, o dinheiro para o pagamento ou controlando os vales. 20. Não merece reparos a conclusão a que chegou a MM. Juíza de primeiro grau ao afirmar que, apesar da retratação parcial, a testemunha continuou afirmando que o apelante era quem determinava onde ele iria buscar a areia e que comparecia por cerca de duas vezes por semana ao Assentamento Ubu, há mais de um mês antes da apreensão do caminhão (fl. 204-verso). Existência de prova suficiente de que o apelante determinou ao seu motorista a aquisição e o transporte de areia extraída de local que não gozava de autorização pelos órgãos competentes. 21. Na aplicação da pena privativa de liberdade, assim como na pena pecuniária, observa-se que a Magistrada sentenciante não levou em consideração, seja em relação ao delito do art. 2º da Lei n.º 8.176/91, seja com referência o crime do art. 55 da Lei n.º 9.605/98, a quantidade de areia extraída, eventual ganho financeiro obtido pelo apelante ou sua parcela de contribuição para a degradação do meio ambiente. Rejeitada a alegação de ofensa à razoabilidade e à proporcionalidade na individualização da pena com relação ao crime de usurpação. 22. Necessidade de readequação das penas privativa de liberdade e de multa, bem como das penas substitutivas de prestação de serviços à comunidade e pecuniária, que resulta da prescrição do crime ambiental. 23. Afastamento integral das penas privativa de liberdade e de multa prela prática do crime ambiental, ficando, no entanto, sem alteração as penas privativa e de liberdade e de multa pela prática do crime do art. 2º, § 1º, da Lei n.º 8.176/91. 24. Manutenção do valor do dia-multa, por se encontrar este em conformidade com os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista o grau de culpabilidade e a condição econômica do réu. 25. À vista da prescrição do crime ambiental, não incide a causa de aumento de pena do concurso formal de crimes (CP, art. 70), exsurgindo ainda como inadequada a imposição de recuperação da área degradada, com fundamento no art. 8º, I, c/c o art. 9º, ambos da Lei n.º 9.605/98, haja vista a prescrição do crime ambiental. 26. Pena privativa de liberdade readequada para 2 (dois) anos de detenção, a ser cumprida em regime aberto (art. 33, § 2º, "c", do CP), pela prática do crime do art. 2º, § 1º da Lei n.º 8.176/91, sendo esta a tipificação cabível em razão da emendatio libeli. 27. Com a necessidade de readequação da prestação de serviços à comunidade, que exigiria o dispêndio de quantia significativa para por em prática o projeto de recuperação do meio ambiente degradado, a manutenção da pena pecuniária no patamar de R$ 80,00 (oitenta reais) se mostra adequada e suficiente à repressão do delito. 28. Aplicação, em substituição à pena de recuperação da área degrada, da pena de prestação de serviços à comunidade, ou a entidade pública ou privada sem fins lucrativos, a ser definida pelo juízo da execução, à razão de 1 (uma) hora por dia de condenação, pelo prazo de duração da pena privativa de liberdade. 29. Apelação parcialmente provida.   

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