RELATOR : DESEMBARGADOR ROBERTO MACHADO -
Penal e processual penal. Tráfico internacional de drogas e associação Para o tráfico (art. 33 e art. 35 da lei 11.343/06). Competência da justiça federal. Litispendência. Inocorrência. Inépcia da denúncia. Inexistência. Ilicitude de prova. Confissão na fase inquisitorial. Coação moral ou física. Não comprovação. Materialidade e autoria demonstradas. 1 . Apelações criminais interpostas contra sentença exarada pelo Juízo da 11ª Vara Federal do Ceará, que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar: EGS, pela prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput, e 35 da Lei nº 11.343/06 c/c o art. 40, I, da Lei nº 11.343/06, em concurso material, à pena de 24 (vinte e quatro) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, na redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007), mais 1.100 (mil e cem) dias-multa para o crime previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, e 1.000 (um mil) dias-multa pela prática do crime do art. 35 da Lei nº 11.343/2006, todos à razão de 1 salário mínimo vigente à época dos fatos; FHVL, pela prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput, e 35 da Lei nº 11.343/06 c/c o art. 40, I, da Lei nº 11.343/06, em concurso material, à pena de 17 (dezessete) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, na redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007), mais 900 (novecentos) dias-multa para o crime previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 e 800 (oitocentos) dias-multa para o crime do art. 35 da Lei nº 11.343/2006, todos à razão de 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos; WAO, pela prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput, e 35 da Lei nº 11.343/06 c/c o art. 40, I, da Lei nº 11.343/06, em concurso material, à pena de 18 (dezoito) anos e 8 (oito) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, na redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007), mais em 900 (novecentos) dias multa para o crime previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, e em 800 (oitocentos) dias-multa dias-multa para o crime do art. 35 da Lei nº 11.343/2006, todos à razão de 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos; e CEOH, pela prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput, e. 35 c/c o art. 40, I, da Lei nº 11.343/06 e art. 304 c/c o art. 299 do Código Penal (uso de documento falso), em concurso material, à pena de 19 (dezenove) anos de reclusão, a ser a ser cumprida inicialmente em regime fechado (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, na redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007), mais 900 (novecentos) dias-multa para o crime previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, e 800 (oitocentos) dias-multa para o crime do art. 35 da Lei nº 11.343/2006, todos à razão de 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos. 2. As interceptações de ligações telefônicas internacionais - nas quais se observa que o interlocutor está em na Bolívia, pede o número de conta bancária do réu EGS, e depois se comprova que ambos têm relação com o tráfico de entorpecentes -, associadas a outros pontos que são destacados na sentença, como a possibilidade de haver campo de pouso no Município de Cariús, na propriedade do réu (§ 59 - Informação Policial - fls. 08/19 - IPL nº 1617/2006, Apenso I - vol. I), demonstram que há, no caso, investigação própria, a atrair a competência da Justiça Federal. Com efeito, de acordo com a jurisprudência do STJ, basta que a droga seja proveniente de local fora dos limites territoriais nacionais, para que se configure a transnacionalidade do delito e, portanto, a atração da competência federal para processar e julgar o feito (HC 200900702294, Alderita Ramos De Oliveira, Desembargadora Convocada DO TJ/PE - SEXTA TURMA, DJE DATA: 08/02/2013). 3. Ainda que estivesse configurada litispendência, esta se resolveria em favor da Justiça Federal, porquanto a jurisprudência do STJ e deste egrégio Tribunal é clara em ratificar a vis attractiva da Justiça Federal quando presente o crime transnacional. Destarte, a litispendência, se existente, deveria ser arguida na Justiça comum. 4. No que tange à suposta ilicitude de prova, qual seja, a oitiva perante o juízo de WAO, vê-se que não merece prosperar a alegação da defesa. Com efeito, o magistrado da instrução determinou, como testemunha do juízo, a oitiva de todos os policiais que participaram do interrogatório em sede de autoridade policial para indagar se houve realmente algo de anormal naquela oitiva. A prova colhida não confirma a versão dada por WAO em juízo, onde ele procurou desconstituir o que narrou quando da prisão em flagrante. A esse propósito, a jurisprudência desta Casa afirma que não basta serem diferentes a versão apresentada em juízo e a versão apresentada à polícia pelo réu: é necessário que a defesa demonstre que houve, de fato, coação física ou moral, em conformidade ao art. 156 do CPP (ACR 200581000129622, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, TRF5 - Primeira Turma, DJ - Data: 13/02/2009 - Página: 243 - Nº: 31.) 5. Além disso, observa-se que a sentença se fundamenta em amplo lastro probatório, não restringindo o seu convencimento à prova supostamente ilícita. Não há que se falar, portanto, em nulidade da sentença. 6. Também não assiste razão aos apelantes quanto à arguição de inépcia da atrial acusatória. Com efeito, obervo que a denúncia oferecida pelo Parquet contém a exposição, de modo suficientemente individualizado e claro, dos fatos abstratamente ensejadores da sanção criminal, bem como a classificação do crime e a qualificação dos réus. A jurisprudência atual tem decidido que, para os crimes praticados em concurso de agentes, a vestibular acusatória é válida ainda que não descreva minuciosamente as atuações individuais dos acusados, bastando que estabeleça um liame de verossimilhança entre o agir do acusado e a narração prática delituosa, como ocorreu no caso em análise. Precedentes do STJ e desta Primeira Turma (STJ - HC 201102040273/RJ, Jorge Mussi, STJ - Quinta Turma, DJE data: 12/06/2013; ACR 200482000044031, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data: 30/04/2010 - Página: 256). 7. A materialidade e autoria delitivas restaram cabalmente demonstradas na decisão recorrida, a qual, de modo irrefutável, esgotou a matéria. 8. Quanto à suposta ofensa ao princípio da congruência, ou correlação, na sentença vergastada, penso que também não merece guarida a insurgência dos recorrentes. De fato, os réus CEOH e FHVL foram denunciados, apenas, pela prática dos delitos tipificados no art. 35 da Lei 11.343/06 (fl. 12), e não houve aditamento da denúncia. Todavia, o presente caso não é de mutatio libelli (art. 384 do CPP), e sim de emendatio libelli (art. 383 do CPP), porquanto o magistrado a quo nada mais fez que subsumir os fatos narrados na denúncia, suficientemente descritos, ao tipo do art. 33 da Lei 11.343/06, para os referidos réus. Precedente do STJ (HC 201001505190, Napoleão Nunes Maia Filho, STJ - Quinta Turma, DJE data: 13/12/2010). 9. Mantém-se, portanto, a condenação dos réus pela prática dos delitos previstos no art. 33, caput, e art. 35 da Lei nº 11.343/06. 10. Dosimetria. Réu EGS. No que tange às consequências do crime, há que se discordar da douta sentença. Com efeito, o que lá está consignado consubstancia a própria consequência que o legislador valorou negativamente. De fato, a dependência química de drogas ilícitas representa um grande flagelo social. Todavia, a consequência desfavorável para aplicação da pena base é o próprio juízo de valor negativo que o legislador impôs. Do mesmo medo, ao tratar da personalidade, observa-se que o decisum utilizou, basicamente, o mesmo argumento manejado para o julgamento negativa da culpabilidade. Em face disso, reduz-se de 10 (dez) para 8 (oito) anos de reclusão a pena-base do crime de tráfico (art. 33 da Lei 11.343/06). Quanto ao crime de associação criminosa, reduz-se em 1 (um) ano, fixando-a em 7 (sete) anos. Ausentes agravantes ou atenuantes. Pela regra do concurso material das condutas (art. 69 do CP), torna-se definitiva a pena em 20 (vinte) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado (art. 33, § 2º, a). 11. Réu WAO. Pelas mesmas razões acima dispostas, reduz-se de 8 (oito) para 7 (sete) anos de reclusão a pena-base do crime de tráfico (art. 33 da Lei 11.343/06); e mantém-se em 6 (seis) anos a condenação pelo crime de associação criminosa (art. 35 da Lei 11.343/06), corroborando os fundamentos do magistrado de piso. 12. Considerando a gravidade das condutas dos réus FHVL (o qual foi flagrado portando 9 kg de cocaína) e CEOH (intermediador de EGS e responsável pela interiorização da droga em território brasileiro), mantenho o cálculo das penas a eles aplicadas nos moldes da sentença. 13. Diante das vultosas quantias administradas pelos réus, mantém-se a pena pecuniária aplicada na primeira instância. 14. Apelações de EGS e WAO parcialmente providas. Apelações de FHVL e CEOH improvidas.
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