RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO -
Penal e processo penal. Apelação criminal. Crime de responsabilidade de prefeito. Desvio de verba pública. Art. 1º, inciso i, do decreto-lei n. 201/67. Suficiência de provas Para condenação. Arts. 298 e 304 do código penal. Crimes-meio. Princípio da consunção. Dosimetria. Apelo do ministério público federal parcialmente provido. 1. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 18ª VF/SJPE, que julgou improcedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia para absolver o acusado ROMERO MAGALHÃES LEDO, ex-prefeito do Município de Itacuruba/PE, com esteio no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. 2. Segundo a denúncia, na qualidade de Prefeito do Município de Itacuruba/PE, o sentenciado desviou verba pública federal, em proveito próprio ou alheio, destinada à execução dos convênios firmados entre o Município referido e o Governo Federal, mais precisamente originários dos Ministérios da Saúde e Educação, mediante o repasse de verbas destinadas à concretização de programas assistenciais, dentre os quais se destacam os seguintes: Programas Sentinela, Agente Cidadão, Educação Infantil, Saúde da Família, Saúde para Todos, Agentes Comunitários de Saúde, Educação de Jovens e Adultos, Erradicação do Trabalho Infantil, Agentes Jovens Egressos do PETI, Se Liga, Epidemiologia, Incentivo ao Desenvolvimento Agropecuário, Educação e Saúde e Educação e Arte - celebrados entre aquele município e o Governo Federal. 3. A par dos documentos juntados aos autos, restam comprovadas a autoria e a materialidade do delito previsto no supracitado dispositivo legal, destacando-se os elementos fornecidos de Auditoria de Tribunal de Contas, perfeitamente legitimadora de elementos para uma denúncia e condenação, como restou utilizada. Fundamento constitucional e legal nos arts. 129 da Constituição Federal, 26 da Lei nº 8.625/93 e 39, § 5º, do Código de Processo Penal. Precedente do STF: RE 468523 - 2ª T. - RELª MIN. ELLEN GRACIE - DJ 19.02.2010. 4. A materialidade das condutas criminosas é imputada pelo Denunciante a três células de atuações distintas e que estariam interligadas, que atuariam na manipulação de diversas pessoas físicas e jurídicas (SERVIL SERVIÇOS LTDA., APTA EMPREENDIMENTOS E SERVIÇOS LTDA., REALIZE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., OSASCO CONSTRUÇÕES LTDA., IDECI - INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E CIDADANIA e MIXPREL - UNIÃO DE PROFISSIONAIS EMPREENDEDORES LTDA.), as quais usariam notas fiscais que efetivamente não correspondiam às compras ou contratações de serviços para os municípios (notas fiscais inidôneas ou notas fiscais frias), locupletando-se indevidamente de verbas públicas e supostamente ocultando e dissimulando a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, dos crimes de lesão ao patrimônio público. 5. Com base nos documentos apresentados pelo Ministério Público, especialmente os extratos bancários apreendidos, evidencia-se divergências entre os valores constantes nos recibos firmados pela CEGEPO e aqueles registrados na conta corrente nº 11729-3, Ag. 1028-6, Banco do Brasil (sendo esta a conta especificada nos termos de parceria para o recebimento dos recursos) referentes aos meses de julho a setembro de 2005. 6. Do repasse de R$ 895.419,60 (oitocentos e noventa e cinco mil, quatrocentos e dezenove reais e sessenta centavos), restou quantia significativa sem a comprovação de destinação, no caso, correspondente a R$ 514.131,18 (quinhentos e quatorze mil, cento e trinta e um reais e dezoito centavos), tendo sido apenas R$ 381.288,42 (trezentos e oitenta e um mil, duzentos e oitenta e oito reais e quarenta e dois centavos) depositados na conta corrente especificada nos Termos de Parcerias para recebimento de recursos, tudo com base nos extratos bancários constantes nos autos. Pode-se concluir a evidência de indícios de: 1 -desvio de verba federal repassada do Município para uma entidade privada sem qualquer autorização legal e pelas vias próprias da utilização desse dinheiro; 2 - consequente utilização indevida de verbas públicas federais; 3 -emprego de recursos públicos federais em desacordo com cronograma, finalidade e justificativa plausível; 4 - realização de despesas em desacordo com a lei. 7. A destinação dos recursos sacados (cheques e dinheiro em espécie) não restou comprovada, constando dos autos apenas notas fiscais inidôneas, recibos de recebimento dos valores e outros documentos que, conforme pontuado pelo MPF, foram confeccionados para justificar as despesas com o objeto firmado com o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde e assim desviadas em proveito do réu. 8. Como bem assinalou o MPF, nas razões finais (fls. 1227/1362): "a documentação na qual se esteia a denúncia, notadamente os extratos bancários apreendidos, demonstram uma incompatibilidade entre os valores constantes nos recibos emitidos pelo CENTRO DE GERAÇÃO DE EMPREGO - CEGEPO (fls. 124/187) e os verificados nas movimentações da conta corrente nº 11729-3, ag. 1028-6, do Banco do Brasil (fls. 219/288)". 9. Encontra-se demonstrada nos autos uma evidente incompatibilidade entre os extratos bancários e os recibos de pagamentos, juntados pelo próprio edil réu na presente ação (fls. 1227/1362), as notas de empenho emitidas pela Prefeitura de Itacuruba/PE, para pagamentos de despesas não previstas nos objetos dos termos de parceria (fls. 1241/1243), caracterizando a utilização indevida de verbas públicas, a ver as notas de empenho abaixo descritas: - levantamento estatístico do impacto financeiro das despesas de pessoal por meio da OSIP em relação aos 54% da Lei Complementar nº 101/2000 LRF (nota de empenho de R$ 8.000,00 - fl. 1253); - despesas para atender custos administrativos originário dos termos de parceria para realização de treinamento e confecção de folha de pagamento do pessoal (nota de empenho no valor R$ 6.500,00 - fl. 1253); e - curso do pessoal voluntário da CEGEPO (nota de empenho no valor de R$ 3.500,00 - fl. 1360). 10. Além disso, na documentação colacionada pelo denunciado, identifica-se, claramente, o emprego de verbas públicas federais em desacordo com o plano de trabalho e as regras de aplicação de tais verbas, nos seguintes programas: a) Programa de Educação Infantil - no termo de parceria, o custo previsto era de R$ 82.137,86 (fl. 1241), sendo que as notas de empenho relativas ao mencionado programa governamental (fls. 1264, 1279 e 1311) dão conta do pagamento do valor total de R$ 33.050,60; b) Programa Saúde para Todos - PSPT, com custo previsto de R$ 246.183,84 (fl. 1241), e as notas de empenho referentes a tal programa apresentam o somatório de R$ 177.598,88 (fls. 1262, 12821, 1316, 1331, 1344 e 1359). 11. Além das provas da materialidade, a autoria também restou suficientemente comprovada, merecendo destaque a narrativa da denúncia, da decisão de recebimento da denúncia pela Corte Federal e também os termos da apelação ministerial. 12. Em conclusão, o conjunto probatório dos autos demonstra que o Acusado, quando investido no cargo de Prefeito do Município de Itacuruba/PE, desviou, em proveito próprio, parte das verbas públicas recebidas por aquela municipalidade, oriundas de transferências de Programas Federais, firmados com o Ministério da Educação e o da Saúde, restando devidamente comprovadas a materialidade e a autoria delitiva em relação à referida conduta, a qual se subsume ao art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/67. 13. Ocorre que, como já pacificado na jurisprudência pátria, em razão do princípio da consunção, os crimes de dispensa irregular do processo licitatório e de uso (crimes-meios), quando têm por única finalidade a consecução do desvio de verbas públicas (crime-fim), devem ser por este último absorvidos. Precedentes do STJ e do Pleno desta Egrégia Corte: RESP 200401642965, Rel. Min. Paulo Medina, STJ - SEXTA TURMA, DJ Data: 25/09/2006 PG:00322; APN 200080000042292, Desembargador Federal Edílson Nobre, TRF5 - Pleno, DJE - Data::09/05/2013; APN 200005000252404, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, TRF5 - Pleno, DJE - Data:28/09/2009. 14. O fato de os tipos penais do falso e o da responsabilidade dos prefeitos tutelarem bens jurídicos distintos não constitui óbice ao reconhecimento da absorção do crime-meio (art. 298, CP) pelo crime-fim (art. 1º, I, do Decreto-Lei 201/1967), quando a potencialidade lesiva do primeiro se exaure e se esgota no segundo. Destarte, em relação aos crimes dos arts. 298 e 304 do CP, embora tenham existência própria e visem proteger a fé pública, ambos foram praticados unicamente com o objetivo de dar aparente legitimidade à aplicação das verbas públicas recebidas em razão dos Programas do Governo Federal, devendo-se aplicar o princípio da consunção. 15. Fixação da pena privativa de liberdade em 03 (três) anos e 04 (quatro) meses, substituída por duas restritivas de direitos. 16. Inabilitação do sentenciado pelo prazo de 05 (cinco) anos para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação. 17. Apelação provida parcialmente.
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