RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO -
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO (ART. 297 DO CÓDIGO PENAL) E DE ESTELIONATO EM DETRIMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. HIPÓTESE DO ART. 109, IV, DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE DA REDAÇÃO DADA À CODIFICAÇÃO PENAL PELA LEI Nº 12.234/2010, POR POSTERIOR AOS FATOS E EM PREJUÍZO DA PARTE RÉ. CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS PÚBLICOS. ANTERIORIDADE AO REQUERIMENTO ADMINITRATIVO. TRANSCURSO DO LAPSO DE 8 (OITO) ANOS QUANDO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CRIME DE ESTELIONATO. MARCO INICIAL EM RELAÇÃO AO SERVIDOR DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. DATA DA PERCEPÇÃO DA PRIMEIRA PARCELA DO BENEFÍCIO INDEVIDO. PRECEDENTES. INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO NO CASO CONCRETO POR NÃO PECORRIDO O LAPSO TEMPORAL NECESSÁRIO. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APELAÇÃO, NESTE PONTO, PREJUDICADA POR EXTINTA A PUNIBILIDADE QUANTO AO CRIME DE FALSIFICAÇÃO. AGIR EM ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA AGIR EM BUSCA DE PERCEPÇÃO DE VANTAGEM INDEVIDA A FAVOR DO RÉU. CONDENAÇÃO QUE SE MANTÉM. REFORMA DA SENTENÇA EM RELAÇÃO AO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E À POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DE DIREITO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Cuida-se de apelação interposta contra a sentença de fls. 136/143, proferida em 26 de agosto de 2015, que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, absolvendo Luíza Alexandra de Sousa Ferreira e condenando Raimundo dos Santos Furtado da imputação nas penas do art. 171, § 3º, e do art. 297, ambos do Código Penal, em concurso material, fixando-as, para cada crime, em 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão e 150 (cento e cinquenta) diasmulta, e em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, respectivamente, resultando em 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de reclusão, e em 200 (duzentos) dias-multa, cada qual valorado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, noticiando a denúncia que Luíza Alexandra de Sousa Ferreira, agindo livre e conscientemente e com a participação e auxílio material de Raimundo dos Santos Furtado obteve vantagem ilícita, mediante fraude, consistente na indevida percepção do benefício de "Pensão por Morte" de Francisco Germano de Sousa (NB 21/140.095.996-6), falecido em 3 de julho de 2004, mediante o uso de documentos públicos falsificados (certidão de óbito, certidões de nascimento e certidão de casamento), causando um prejuízo ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no montante de R$ 11.612,78 (onze mil, seiscentos e doze reais e setenta e oito centavos), havendo a primeira comparecido ao Posto do INSS em Tauá/CE e, após orientação e auxílio do segundo, requereu, em 17 de novembro de 2005, a concessão do benefício, ocasião em que esse, na qualidade de servidor da autarquia previdenciária, e com o propósito de obter vantagem indevida para ambos, falsificou a documentação com o intuito de receber as competências retroativas, desde o óbito, acrescentado a peça acusatória que, concedido o benefício, o acusado procurou a acusada e ambos se dirigiram à agência bancária, em 4 de janeiro de 2006, a fim de receber o montante referente aos "meses devidos e atrasados" que já se encontravam depositados, sendo sacado de forma integral pelo acusado, que informou à acusada que ela passaria a receber os pagamentos mensais. 2. Em suas razões recursais, pretende-se ver aplicado o princípio da consunção, para absorver o crime do art. 297 pelo do art. 171, § 3º, ambos do Código Penal; a extinção da punibilidade diante da ocorrência da prescrição; e, ao final, aduz haver agido em estrito cumprimento do dever legal, como servidor da autarquia previdenciária responsável pela concessão de benefícios, apenas orientando a requerente no que diz respeito à documentação necessária. 3. Remontam os fatos a 17 de novembro de 2005, data do requerimento administrativo, pelo que anterior, então, a falsificação dos documentos públicos apresentados para o fim de lastrear tal pedido, vindo a ser percebida a primeira parcela do benefício em 4 de janeiro de 2006, sendo para ambos os crimes imputados ao ora apelante - art. 171, § 3º, e art. 297, todos do Código Penal - por restaram fixadas as penas, ao final, respectivamente, em 2 (dois) anos e 3 (três) meses e em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, incidente, na hipótese, para a verificação da ocorrência da prescrição pela pena em concreto, o lapso temporal previsto no art. 109, IV, do Código Penal, em 8 (oito) anos. 4. Recebida a denúncia em 12 de dezembro de 2013, tem-se por ali superado o prazo prescricional em relação ao crime do art. 297 do Código Penal, eis que tiveram seu uso em 17 de novembro de 2005, não se aplicando, ao caso concreto, por anterior o fato à vigência da Lei nº 12.234/2010, que alterou a codificação penal no que se refere à prescrição, e em prejuízo da parte ré. 5. Em relação ao crime do art. 171, § 3º, do Código Penal, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, quanto ao marco inicial do prazo prescricional, de ser, para o servidor que concorreu para a indevida percepção do benefício, o momento da consumação, com a implantação do benefício, no caso a data da percepção da primeira parcela do benefício previdenciário indevido, por ser de natureza instantânea e com efeitos permanentes, enquanto que para o beneficiário, a última percepção indevida, por ser de natureza permanente, se renovando a cada mês. Precedentes: STJ, 5ªT., AgRg no RESP-1.264.903/SE, rel. Min. Jorge Mussi, j. 26.06.2012, DJe 01.08.2012; TRF5, 2ªT., ACR-8083/RN, rel. Des. Federal Ivan Lira de Carvalho, j. 09.06.2015, DJe 22.06.2015). 6. Restando consumado o crime de estelionato, com a percepção da primeira parcela do benefício previdenciário indevido, em 4 de janeiro de 2006, não se perfez o lapso de 8 (oito) anos quando do recebimento da denúncia, pelo que, para o crime do art. 171, § 3º, do Código Penal, não se verificando a ocorrência da prescrição. 7. Com a prescrição da pretensão punitiva estatal quanto ao crime do art. 297 do Código Penal, resta prejudicado o apelo no que diz respeito à aplicação do princípio da consunção, pelo que passo ao alegado agir em estrito cumprimento do dever legal. 8. Pelo carreado aos autos, não há como entender um agir de acordo com o dever funcional, eis que não se demonstra, como pretende no apelo, um simples orientar à requerente, no caso a corré, quanto à documentação necessária ao requerimento para a concessão do benefício pretendido mas, ao contrário, a falsificação dos documentos públicos que vieram a embasar o pedido, tendo em vista ser ele o único servidor que atendia no posto avançado de Tauá/CE, foi utilizada sua senha pessoal e, por fim, o que realmente pretendia a corré, que veio a ser inclusive absolvida, era o benefício de auxílio-doença. 9. Restou demonstrado que o ora apelante adulterou certidões de casamento da corré e a certidão de óbito de Francisco Germano do Nascimento, além de criar certidões de nascimento de filhos inexistentes, além do que, aproveitando-se da baixa instrução da corré, que se dirigiu ao posto avançado da autarquia previdenciária tão somente para requerer auxílio doença, como declarou na esfera policial e em juízo e, ainda, veio a se confirmar pela prova testemunhal, alterou seu pedido, lastreando com documentação inidônea, buscando, inclusive, vantagem indevida em seu favor, consistente na percepção dos valores atrasados que compreenderiam o período entre o óbito (3 de julho de 2004) e o requerimento administrativo (17 de novembro de 2005), cujo valor foi integralmente sacado e destinado ao ora apelante, situação essa a permitir a manutenção da condenação tão somente para o crime do art. 171, § 3º, do Código Penal. 10. Fixada a pena, para o crime remanescente, o do art. 171, § 3º, do Código Penal, em 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão, e em vista do sopesamento das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, têm-se presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal a permitir a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a serem definidas a critério do juízo da execução penal. 11. Apelação parcialmente provida. Extinção da punibilidade em relação ao crime de falsificação.
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