ACR – 13476/PE – 0003356-31.2015.4.05.8300

RELATOR: DESEMBARGADOR RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO -  

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELA DEFESA. DESCAMINHO. MERCADORIAS APREENDIDAS NO MOMENTO DO DESEMBARQUE DE VOO DOMÉSTICO. PRÁTICA HABITUAL CONFESSA HÁ MAIS DE 10 ANOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. CUSTAS PROCESSUAIS. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. PROVIMENTO PARCIAL. 1. Apelação criminal interposta por W.J.R.S. em face de sentença com que o Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco condenou o recorrente, pela prática do crime previsto no art. 334, §1º, "d", do Código Penal (descaminho), à pena de 02 anos de reclusão, substituída por duas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor mensal de R$ 200,00), além do pagamento das custas processuais. 2. O apelante sustenta/requer, em apertada síntese: a) a aplicabilidade do princípio da insignificância e da adequação social, com base na Lei 10.522/2002, nas Portarias 75/2012 e 130/2012, ambas do Ministério da Fazenda, de forma a reconhecer a atipicidade de sua conduta; b) alternativamente, a redução da pena privativa de liberdade; e c) a isenção das custas processuais. 3. O Ministério Público Federal, por sua vez, assinala, entre outros, que, no âmbito penal, o princípio da insignificância só é aplicável ao crime previsto no art. 334 do CP quando o valor dos tributos não pagos for inferior a R$ 10.000,00, não podendo o limite ser alterado por portaria do Ministro da Fazenda, mas apenas por lei, como ocorreu com as Leis 10.522 e 11.033. Assinala, ainda, que, no caso dos autos, em que pese a impossibilidade de se aferir o montante tributário devido pela importação das mercadorias, os produtos apreendidos foram avaliados em mais de R$ 24.000,00, quantia em muito superior ao limite estabelecido pela Lei 10.522, sem olvidar, ainda, a destinação comercial e a habitualidade confessa na prática delituosa, o que, no entender do MPF, afastaria a aplicação do princípio da insignificância ao presente caso. 4. No caso concreto, segundo a denúncia, no dia 21/06/2011, durante procedimento fiscalizatório realizado no Aeroporto Internacional dos Guararapes em Recife/PE, no momento do desembarque de voo doméstico, foram apreendidos, em posse do apelante, 190 celulares, 10 câmeras, 4 filmadoras e 35 carregadores de celular, adquiridos em Ciudad Del Este (Paraguai) e no centro da cidade de São Paulo/SP, todos desacompanhados da documentação que comprovasse sua regular importação e/ou aquisição no mercado interno. Tais mercadorias seriam revendidas na cidade de Caruaru/PE, onde o recorrente é proprietário de uma empresa especializada na comercialização de produtos eletrônicos. DOS PRINCÍPIOS DA INSIGNIFICÂNCIA E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL 5. A Jurisprudência do STF vem preconizando que o princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes: HC 104403/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 1/2/2011; HC 104117/MT, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 26/10/2010; HC 96757/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 4/12/2009; RHC 96813/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/4/2009. 6. Outrossim, especificamente no que toca ao delito de descaminho, a Corte Suprema tem admitido a aplicação do princípio da insignificância quando, preenchidas as condições acima enumeradas, o valor sonegado seja inferior à quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) estabelecida na Portaria 130/2012, como referencial de não ajuizamento de ações fiscais. 7. Como bem consignado pelo juízo a quo, "o objetivo da aplicação do referido princípio ao crime de descaminho é excluir da persecução criminal os casos em que o imposto não recolhido é de valor tão baixo que o próprio Estado, sujeito passivo do delito, não tem interesse em cobrá-lo". 8. A Magistrada, no entanto, na linha do STF, acertadamente fez consignar que, para a aplicação do princípio da insignificância, não deve ser considerada tão somente a lesividade mínima da conduta do agente, tomada em relação ao valor do tributo incidente sobre a mercadoria apreendida, necessária, pois, a avaliação acerca da vida pregressa do sujeito ativo, sendo incabível a absolvição acaso configurada a reincidência ou a prática reiterada/habitual do questionado delito, o que restou configurado nos autos, a teor da confissão prestada perante a autoridade policial e confirmada em juízo. 9. Desta forma, uma vez confessada pelo acusado a prática habitual do delito de descaminho há mais de dez anos, e que, durante este período, teve mercadorias apreendidas em algumas oportunidades, infere-se uma maior reprovabilidade da conduta, impedindo a aplicação do princípio da insignificância à hipótese dos autos. Precedentes STF e STJ. 10. Quanto ao princípio da adequação social, igualmente, não se mostra cabível, pelos mesmos fundamentos acima expostos quanto ao princípio da bagatela. Ademais, a prática habitual de descaminho não pode conduzir ao reconhecimento de que tal delito seja socialmente aceitável. 11. Tipicidade da conduta. DA DOSIMETRIA 12. O recorrente pretende a redução da pena privativa de liberdade cominada por entendê-la desproporcional ao delito cometido. 13. O Código Penal, em seu artigo 334, estabelece a pena de reclusão entre 01 (um) e 04 (quatro) anos. 14. No caso concreto, a sentença condenou o recorrente, pela prática do crime previsto no art. 334, §1º, "d", do Código Penal, à pena privativa de liberdade definitiva de 02 anos de reclusão (1ª fase: culpabilidade, antecedentes, conduta social e circunstâncias do delito avaliadas negativamente - pena-base 02 anos e 06 meses; 2ª fase: atenuante da confissão aplicada à razão de 06 meses; 3ª fase: sem causas de diminuição/aumento de pena), substituída por duas restritivas de direitos (prestação de serviços a entidade pública e prestação pecuniária no valor mensal de R$ 200,00), além do pagamento das custas processuais. 15. Primeira Fase: Reavaliação das circunstâncias judiciais (art. 59 CP) que se impõe para o fim de sopesar negativamente apenas o vetor da culpabilidade, dado o valor e quantidade das mercadorias apreendidas (R$ 24.350,00 e 239 itens, respectivamente). É bem verdade que o valor não se mostra tão excessivo, no entanto, não se pode desconsiderar tal montante, porquanto a fraude à Administração Pública ainda poderia ter sido menos grave que a verificada no presente caso; antecedentes e conduta social: a teor da certidão de fl. 30, constam 03 ações penais ajuizadas em face do recorrente, inexistindo nos autos, no entanto, certidão de trânsito em julgado quanto a estas, o que impede o agravamento na primeira fase da dosimetria, seja a título de antecedentes, seja a título de conduta social, a teor do Enunciado 444 da Súmula do STJ ("É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base"). Ademais, a partir do momento que se está considerando a reiteração como essencial à subsunção a conduta à norma penal, tal como ocorre com as elementares do tipo, considerar novamente esse fato para majorar a pena implicaria bis in idem; personalidade: nada digno de registro. Ainda que observada uma personalidade voltada à prática delituosa contumaz, por se ter considerado a reiteração como essencial à subsunção a conduta à norma penal, resta obstada nova valoração desfavorável; motivos: normal para os crimes desta espécie; circunstâncias do delito: nada digno de nota. Em que pese o juízo de origem ter qualificado negativamente tal circunstância em razão da habitualidade do delito, tal reiteração delitiva já restou sopesada, como dito, quando da subsunção da conduta à norma penal; consequências do crime: aquelas já implícitas ao tipo penal violado; comportamento da vítima: nada a ser valorado. Redução da pena-base de 02 anos e 06 meses para 01 ano e 06 meses. 16. Segunda Fase: sem agravantes. Como bem consignado pelo juízo a quo, aplicável a atenuante da confissão (art. 65, III, "d", CP), uma vez que esta serviu de fundamento ao juízo condenatório, permanecendo a redução em 06 meses. 17. Terceira Fase: sem causas de aumento ou de diminuição de pena. 18. Pena privativa de liberdade definitiva: 01 ano de reclusão, substituída por 01 (uma) pena restritiva de direitos consistente na prestação de serviços à comunidade (art. 44, §2º, CP). DO PEDIDO DE ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS 19. A jurisprudência dos tribunais superiores sufragou o entendimento de que o beneficiário da justiça gratuita não faz jus à isenção do pagamento das custas processuais, mas tão somente a suspensão de sua exigibilidade, pelo período de 5 anos, a contar da sentença final, quando então, em não havendo condições financeiras de o recorrente quitar o débito, restará prescrita a obrigação. Definiu, ainda, que o momento de verificação da miserabilidade do condenado, para fins de suspensão da exigibilidade do pagamento, é a fase de execução, visto ser possível a ocorrência de alteração na situação financeira do apenado entre a data da condenação e a execução da sentença condenatória (AgInt no REsp 1.637.275/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 16/12/2016). 20. Apelação parcialmente provida para reduzir a pena privativa de liberdade imposta ao recorrente.

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