ACR – 13548/PE – 0001007-14.2013.4.05.8304

RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI -  

Penal e processual penal. Preliminares de deficiência de defesa técnica, identidade física do juiz e violação ao art. 155, do cpp rejeitadas. Extração de ouro sem prévia autorização dos órgãos competentes. Crime ambiental (art. 55 da lei nº 9.605/98) e crime de usurpação de patrimônio público (art. 2º da lei nº 8.176/91). Concurso formal de crimes. Art. 70 do código penal. Possibilidade. Autoria e materialidade comprovadas quanto ao delito previsto no art. 2º da lei nº 8.176/91. Presença do elemento subjetivo do tipo (dolo). Fixação da pena no mínimo legal com relação a dois dos apelantes. Pena fixada acima do mínimo legal com relação ao réu ex-secretário do meio ambiente. Redução das penas privativas de liberdade e de multa. 1. Apelações dos Réus em face da sentença que os condenou, cada um, às penas de 03 (três) anos e 09 (nove) meses de detenção e 150 (cento e cinquenta) dias-multa, cada um deles no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos (ex-secretário do Meio Ambiente do Município de Serrita/PE) e 01 (um) ano e 03 (três) anos de detenção e 90 (noventa) dias-multa, cada um deles no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos (outros dois Apelantes), substituindo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade e no pagamento mensal de R$ 100,00 (cem reais) durante todo o período de cumprimento da pena. 2. Apelantes que, no dia 10/10/2013, estariam realizando pesquisa/lavra/extração ilegal de minério, mais precisamente ouro, bem pertencente à UNIÃO, nas imediações da Lagos do SATA, sem a devida autorização, permissão, concessão ou licença administrativa, mediante o auxílio do então Secretário do Meio Ambiente do Município de Serrita/PE, proprietário da olaria na qual provavelmente se procedia a moagem das pedras. 3. Preliminares de deficiência de defesa técnica, violação ao princípio da identidade física do Juiz e uso de provas exclusivamente em sede extrajudicial rejeitadas. 4. Apelantes que sempre estiveram acompanhados de advogado, ora constituído, ora dativo, para os atos processuais, tendo eles apresentado a defesa após a citação, estando presentes e atuantes na audiência de instrução e julgamento, onde requereram diligências que foram indeferidas pelo Juiz, nos termos do previsto no art. 402, do CPP e, por fim, pugnaram pela concessão de prazo para a apresentação dos memoriais escritos em sede de alegações finais, o que foi deferido pelo Juiz. 5. Embora o Magistrado tenha indeferido o pedido dos advogados dos Réus para a apresentação de memoriais escritos como alegações finais, ele posteriormente admitiu o pedido, intimando os causídicos a fazê-lo, os quais deixaram fluir em branco o prazo legal. Passado o prazo para alegações finais sem o oferecimento da peça, foi nomeado um defensor dativo e reaberto o prazo para apresentação da peça, tendo o advogado apresentado alegações finais em nome dos Apelantes. 6. Por fim, a Apelação do Réu F. da S. M. ainda que tecnicamente intempestiva foi recebida, tendo o próprio Ministério Público Federal emitido parecer favorável ao recebimento, a fim de preservar o contraditório e a ampla defesa, a fim de garantir a defesa técnica do Recorrente, nos termos da Súmula nº 523, do Col. STF. 7. O princípio da identidade física do Juiz, segundo o qual o Magistrado que colhe a prova se vincula ao julgamento da causa, não é absoluto, tanto que, por analogia, deve ser aplicado para a mitigação do mesmo o disposto no art. 132, do CPC de 1973, vigente à época dos fatos, segundo o qual o juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor. 8. A instrução foi realizada pelo Juiz Federal Marco Fratezzi Gonçalves, que se encontrava licenciado à época da prolação da sentença, de forma que esta foi proferida pelo Juiz Federal Luiz Bispo de Silva Neto, não havendo irregularidade no julgamento por um Juiz quando o outro que presidiu a instrução está licenciado, a fim de garantir a continuidade da prestação jurisdicional, não havendo violação ao princípio da identidade física do Juiz ou prejuízo à ampla defesa. 9. A decisão condenatória foi proferida com base nas vastas provas produzidas nos autos, como o Laudo da Perícia Criminal Federal, relativo ao exame do local do dano, os documentos do DNMP que atestam a inexistência de licença para exploração da chamada Lagoa do SATA, os equipamentos de mineração apreendidos, e o depoimento e o interrogatório judicial dos Réus, todas devidamente submetidas ao contraditório durante todo o processo criminal. 10. As provas obtidas em âmbito administrativo, tanto os laudos periciais quanto os exames do local do dano, os documentos do DNMP que atestam a inexistência de licença para exploração da chamada Lagoa do SATA e, em especial, os depoimentos, foram devidamente judicializadas, ou seja, tanto a acusação como a defesa tiveram livre acesso a elas no curso do processo, e puderam infirmá-las ou contestá-las, havendo o contraditório, devendo ser ressaltado que novas provas foram produzidas na fase judicial, e todas foram consideradas para a prolação da sentença, não havendo violação ao devido processo legal. 11. Autoria e materialidade delitivas comprovadas. A materialidade delitiva imputada aos Apelantes restou sobejamente demonstrada por meio do Laudo de Perícia Criminal Federal, bem como dos documentos integrantes do DNPM, nos quais se constatou a extração de pedras e vegetação nativa sem a competente licença ambiental, além da exploração irregular da referida matéria-prima pertencente à UNIÃO, tendo sido apreendidas com os Apelantes 02 (duas) picaretas; 01 (uma) pá; 01 (uma) foice; e 01 (uma) marreta, usadas para a garimpagem ilegal. 12. Ex-Secretário do Meio Ambiente do Município de Serrita/PE à época dos fatos, sendo razoável esperar dele comportamento diverso daquele constatado nos autos, pois ele era a autoridade pública responsável por promover a preservação do meio ambiente e a atuação dos garimpeiros de sua municipalidade segundo ditames legais, contribuindo para a garimpagem ilegal e usurpação de bem da UNIÃO, tendo extraído recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, mesmo sem autorização legal para tanto. 13. Apelantes, garimpeiros ligados a uma cooperativa, contratados para receber R$ 40,00 (quarenta reais) por dia de trabalho que, embora sabendo que o garimpo era ilegal, continuaram a atividade, mesmo após serem esclarecidos pela cooperativa que, no prazo de 90 (noventa) dias após a data dos fatos seria expedida a competente autorização de exploração de algumas áreas para fim de busca de ouro. 14. Impossibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância em crimes ambientais, especialmente quando a fiscalização do DNPM encontrou mais de 400 metros de picada, com destruição da mata nativa, e a escavação de algumas pedras na localidade da Lagoa do SATA. 15. A sentença considerou como desfavoráveis a culpabilidade em face do extenso dano ambiental e da condição de Secretário de Meio Ambiente de Serrita/PE de um dos Apelantes, os motivos (o lucro fácil) e as circunstâncias do delito, praticado no sertão nordestino, área de difícil fiscalização. 16. Com relação à culpabilidade dos garimpeiros, o dano ambiental, embora existente, não foi tão extenso como alegado na sentença, visto que, atingiu 17,26m2 de um total de 2.176m2 de área já desmatada, que resultaria no valor de R$ 448,76 (quatrocentos e quarenta e oito reais e setenta e seis centavos) para a recomposição do dano. Por outro lado, é elevada a culpabilidade do ex-Secretário do Meio Ambiente do Município de Serrita/PE, que agiu de forma contrária ao esperado do ocupante do referido cargo, prejudicando o meio ambiente que ele deveria proteger. 17. Os motivos não podem ser sopesados em desfavor dos Apelantes, porque quem pratica este tipo de crime geralmente objetiva lucro fácil e não o dano ao meio ambiente em si, sendo este consequência do ato ganancioso. O fato de o crime ser praticado em área de difícil fiscalização também não deve ser sopesado em desfavor dos Apelantes, visto que eles não foram deliberadamente ao local do garimpo para se ocultar, livrando-se da fiscalização, mas sim por ser o local em que eles residem e, por isso, sabiam onde garimpar. 18. Favoráveis todos os requisitos do art. 59 do CP com relação aos dois garimpeiros, as penas-base devem ser fixadas no mínimo legal, ou seja, em 01 (um) ano de detenção para o delito capitulado no art. 2º da Lei nº 8.176/91 e 06 (seis) meses de detenção para o crime do art. 55 da Lei nº 9.605/98. Sendo desfavorável a culpabilidade do ex-Secretário do Meio Ambiente, fixa-se a pena-base em 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção para o delito capitulado no art. 2º da Lei nº 8.176/91 e 09 meses de detenção para o crime do art. 55 da Lei nº 9.605/98. 19. Ausente qualquer circunstância agravante e, como as penas foram fixadas no mínimo legal dos garimpeiros, impossível a aplicação da atenuante de confissão espontânea, em face da Súmula nº 231, do STJ. O ex-secretário, embora tenha confessado espontaneamente os delitos, tem contra si a agravante do art. 62, II, do CP, pois induziu os dois outros Apelantes à prática delitiva, havendo uma compensação entre elas, de forma que deve ser mantida sua pena em 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção para o delito capitulado no art. 2º da Lei nº 8.176/91 e 09 meses de detenção para o crime do art. 55 da Lei nº 9.605/98. 20. Inexistência de causas de diminuição de pena. Presente a causa de aumento referente ao concurso formal, aplica-se a pena do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.176/91, acrescida de 1/4 (um quarto) conforme determinado na sentença, ficando a pena em definitivo em 01 (um) ano e 03 meses de detenção para cada um dos garimpeiros e 01 ano, 06 (seis) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção para Antônio da Cruz Sampaio pela prática dos crimes capitulados nos arts. 2º da Lei nº 8.176/91 e 55 da Lei nº 9.605/98. 21. A pena de multa deve também ser reduzida, ficando em 12 (doze) dias-multa para os delitos capitulados no art. 2º da Lei nº 8.176/91 e 10 (dez) dias-multa para o crime do art. 55 da Lei nº 9.605/98, cada um deles no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, em simetria com a pena privativa de liberdade aplicada e também porque de acordo com a situação econômica dos Réus. 22. Manutenção do regime aberto como inicial para cumprimento da pena, nos termos do art. 33, § 2º, "c", do CP, bem como da substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes na prestação de serviços à comunidade e no pagamento mensal - que fica reduzido para R$ 50,00 (cinquenta reais) - durante todo o período de cumprimento da pena. Apelações dos Réus providas, em parte, apenas para reduzir as penas privativas de liberdade e de multa e a pena pecuniária substitutiva.

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